quarta-feira, 3 de agosto de 2011

2º MB - resumo de toda literatura vista em seminário

Parnasianismo

"O Parnasianismo foi vítima da inteligência que construiu a prisão onde quis encarcerar o poeta."


--Rubens B. Morais
Originariamente da França, é a poesia que segue os princípios da estética realista. Apesar disso, ideologicamente os romancistas realistas e naturalistas não tinham exatamente os mesmos propósitos da manifestação poética desta época.
O movimento recebe esse nome por causa de uma antologia, Parnasse Contemporain, publicada a partir de 1866, na França, essa incluía poema de T. Gautier, de Lecomte de Lisle e outros. Esses poemas revelavam gosto da descrição nítida, metrificação tradicional, preocupação formal e um ideal de impessoalidade.
Embora acompanhe cronologicamente a prosa realista, a poesia parnasiana apresenta dificuldades na definição de seu marco inicial. Há quem sugira a data de 1880, quando da publicação de Sonetos e Rimas de Luís Guimarães Júnior (1845/1898). Outros, no entanto, preferem assinalar a de 1882, quando Teófilo Dias publicou Fanfarras. Mas o movimento só se definiu realmente a partir de Sinfonias (1883) de Raimundo Correia, seguida de Meridionais (1884), de Alberto de Oliveira e de Poesias (1888) de Olavo Bilac.
Quanto à data que marca o fim de seu domínio absoluto, parece não haver polêmicas: 1893, com a publicação de Missal e de Broquéis de Cruz e Souza é bastante aceita. Mas a morte do Parnasianismo não acontece, tanto que algumas obras surgem após 1922).
Características
  • postura anti-romântica
  • objetividade temática
  • arte pela arte
  • culto da forma - representada pelos sonetos, versos alexandrinos (12 sílabas poéticas, rima rica, rara e perfeita)
  • tentativa de atingir a impassibilidade e a impessoalidade
  • universalismo
  • descrições objetivas da natureza e de objetos
  • retomada da Antiguidade Clássica com seu racionalismo e formas perfeitas
  • surge a poesia de meditação, filosófica - mas artificial
A preocupação exagerada com o poema, tratando-o como produto concreto, final, acabado em que se deposita toda a importância; o afã na construção do objeto, deixando de lado o conteúdo, o sentimento poético, tudo isso parece um reflexo do processo de produção mecânica acelerada em que a época vivia, transformando até o próprio homem em mais um objeto de consumo.
O poeta é um ourives, um escultor, um carpinteiro, e a sua obra, o seu poema é também um produto material, como qualquer outro, onde o que importa não é o sentimento, mas sim a técnica, a capacidade artesanal do criador devidamente associada a seu esforço.
Autores
Olavo Bilac (1865/1918)
Formação em Medicina, o menino Bilac teve sua infância povoada de histórias de batalhas e hinos militares, pois seu pai participara da Guerra do Paraguai. Após 1888, com a publicação de Poesias, passa a dedicar-se ao jornalismo e à literatura.
Defendeu o serviço militar obrigatório, como fator de civismo, e alfabetização. Foi um patriota convicto; é dele a letra do Hino à Bandeira. Foi defensor do abolicionismo e da República e colocou-se contra a ditadura de Floriano Peixoto (exilado em Ouro Preto por suas críticas). Foi contra a neutralidade do Brasil na guerra de 1914. Sempre escreveu para a imprensa, tendo colaborado no jornal A Gazeta de Notícias e em revistas: A Semana, A Cigarra etc.
Único parnasiano que já se iniciou na estética do movimento, Bilac foi um dos fundadores da A.B.L.; foi eleito Príncipe dos Poetas Brasileiros.
Obras Principais:
  • A sua poesia pode ser dividida em temas:
    • volta a Antiguidade Clássica - Panóplias= armadura de um cavaleiro medieval, “A Sesta de Nero”, “O Incêndio de Roma”, “Lendo a Ilíada” e outros.
    • lirismo - 35 sonetos de Via Láctea
    • lirismo mais sensualista - soneto “Nel Mezzo del Camin... (cheio de pleonasmos e inversões)
    • filosófico, de meditação - Alma Inquieta e Viagens
    • épico - no poema “O Caçador de Esmeraldas”, de Viagens (bandeirantes em terras mineiras)
    • descritivo e nacionalista - “Crepúsculo na Mata” (descritivo), “Anchieta” e “Vila Rica” (volta ao passado histórico)
    • “Tarde” é o soneto da consciência do fim, proximidade da morte - crepúsculo do poeta
  • Prosa
Crônicas e Novelas (1894), Crítica e Fantasia (1904), Contos Pátrios (1905, em colaboração), Teatro Infantil (1905), Tratado de Versificação (1905, em colaboração com Guimarães Passos)
Conferências Literárias (1906), A Defesa Nacional (1917, discursos), Ironia e Piedade (1916), Bocage (1917), Últimas Conferências e Discursos (1927), Livro de Leitura (1899).
A mulher e a pátria são temas constantes na obra de Bilac.
Coerente com sua postura estética, sua forma é perfeita, demonstrando habilidade de versificação e pureza da língua. Sua poesia é superficial como visão do homem, pois se detém na camada superficial das cores, dos sons, das combinações plásticas sem mergulhar nas angústias e prazeres do ser humano.

Via Láctea - Soneto XIII
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" Eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."


--Bilac
Alberto de Oliveira (1857/1937)
Formação em medicina, mantém profunda amizade com Olavo Bilac e Raimundo Correia. É um dos sócios fundadores da ABL, sendo também eleito Príncipe dos Poetas após a morte de Bilac.
Sempre permaneceu fiel ao Parnasianismo e à margem dos acontecimentos históricos. É considerado mestre nessa estética, com sua temática presa à descrição, desde a natureza até meros objetos, exaltando-lhes a forma. Perfeição formal, métrica rígida e linguagem extremamente trabalhada, chegando, por vezes, ao rebuscamento.
Obras Principais:
  • Estreou em 1878 com as Canções Românticas de inspiração romântica, como bem demonstra o título, mas em 1884 publica o seu segundo livro, Meridionais, em que se confessa adepto do Parnasianismo.
  • Suas obras principais são: Sonetos e Poemas (1885), Versos e Rimas (1895), Poesias Completas (1900), Poesias (quatro séries até 1927), Poesias Escolhidas (1913).
  • Sua obra revela uma gradativa evolução, passando de uma linguagem difícil, vinculada aos temas exóticos de mitologia greco-latina para uma linguagem mais clara e ligada aos temas brasileiros. Revela um gosto especial pela descrição, como nos poemas “O Muro”, “A Estátua”, “O Vaso Grego” etc. Em sua obra, a mulher e a natureza são vistas a partir de uma concepção estética muito rígida.

Vaso Grego
Esta, de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.

Era o poeta de Teos que a suspendia
Então e, ora repleta ora esvazada,
A taça amiga aos dedos seus tinia
Toda de roxas pétalas colmada.
Depois. Mas o lavor da taça admira,
Toca-a, e, do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,

Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa a voz de Anacreonte fosse.


--Alberto Oliveira
Raimundo Correia (1860/1911)
Formação em Advocacia, lecionou em quase toda a vida. Tem seu livro Sinfonias (1883), completamente parnasiano, publicado com prefácio de Machado de Assis. Também é sócio fundador da ABL.
Era tímido e triste, sua saúde era debilitada, tendo viajado para a França, à procura de tratamento, quando lá encontrou a morte. Poema-epíteto: “As Pombas”.
Forma a Trindade Parnasiana com Bilac e Alberto de Oliveira. Mantém assim a temática do movimento, destacando-se a poesia filosófica, de meditação, marcada pela desilusão, o fim do sonho e um forte pessimismo. Tem fortes influências impressionistas.
Obras Principais:
  • Estreou com um livro de inspiração romântica, Primeiros Sonhos (1879)
  • Firmando-se como parnasiano a partir de Sinfonias(1883).
  • Outras obras: Versos e Versões (1887), Aleluias (1891), Poesias (1898), Luciano Filho (1898 -ensaio).
Afirmam que Raimundo Correia versejava com tanta facilidade que chegava a escrever em verso as cartas aos familiares. Seus poemas revelam influência do pessimismo de Schopenhauer. A sua percepção negativa do mundo pode ser vista principalmente em “Nirvana”, “Imagem da Dor”, “Desiludido”.

As Pombas
Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas,
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sangüínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...
Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No Azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais. ..


--Raimundo Correia
Vicente de Carvalho (1860/1911)
Formação em Direito, era republicano e abolicionista. Foi político, advogado e magistrado. Além disso, dedicou-se à agricultura e ao comércio. Ficou sendo conhecido como "O poeta do mar".
Obras Principais:
  • Com muitos outros, estreou com a obra romântica Ardentias, em 1885. A partir de Relicário (1888), revela-se um parnasiano não muito escravo das limitações da escola. Essa postura independente livra-o das tendências para a arqueologia e curiosidades históricas, e lhe confere um sentimento vivo da natureza e um senso amoroso que faz lembrar o exemplo tradicional português.
  • Rosa, Rosa de Amor (1902), Poemas e Canções (1908), em prosa, escreveu ainda Páginas Soltas (1911) e Luizinha, comédia (seguida de contos), 1924.
Textos

Profissão de Fé
Le poète est ciseleur.
Le ciseleur est poète.


--Victor Hugo
Não quero o Zeus Capitolino,
Hercúleo e belo,
Talhar no mármore divino
Com o camartelo.

Que outro — não eu! a pedra corte
Para, brutal,
Erguer de Atene o altivo porte
Descomunal.

Mais que esse vulto extraordinário,
Que assombra a vista,
Seduz-me um leve relicário
De fino artista.

Invejo ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.

Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O oníx prefiro.

Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.

Corre; desenha, enfeita a imagem,
A idéia veste:
Cinge-!he ao corpo a ampla roupage
Azul-celeste.

Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.

Quero que a estrofe cristalina
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina.
Sem um defeito:

E que o lavor do verso, acaso,
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
De Becerril.

E horas sem conto passo, mudo,
O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo
O pensamento.

Porque o escrever — tanta perícia,
Tanta requer,
Que ofício tal... nem há notícia
De outro qualquer.

Assim procedo. Minha pena
Segue esta norma,
Por te servir. Deusa serena.
Serena Forma!
(...)

Ver esta língua, que cultivo,
Sem ouropéis,
Mirrada ao hálito nocivo
Dos infiéis!...

Não! Morra tudo que me é caro,
Fique eu sozinho!
Que não encontre um só amparo
Em meu caminho!

Que minha dor nem a um amigo
Inspire dó...
Mas, ah! que eu tique só contigo
Contigo só!

Vive! que eu viverei, servindo
Teu culto, e, obscuro,
Tuas custódias esculpindo
No ouro mais puro.

Celebrarei o teu ofício
No altar: porém,
Se ainda é pequeno o sacritício,
Morra eu também!

Caia eu também, sem esperança,
Porém tranqüilo,
Inda, ao cair, vibrando a lança,
Em pro! do Estilo!
Rio de Janeiro, junho de 1886

O Simbolismo foi uma escola literária de poetas, que tinham colegas por todo mundo como o francês Charles Baudelaire, mas tinham pouco reconhecimento e aceitação artística. Vários de seus integrantes morreram pobres, não tiveram obras publicadas e permaneceram ou permanecem esquecido até hoje.
Movimento de relações com o Modernismo, influencia a maioria dos poetas da 1ª fase do Modernismo. Aqui surgem as primeiras rupturas com os padrões rígidos de composição e restabelecimento da relação entre poesia e existência, separadas pelos parnasianos.
Referências históricas
Complexo momento de transição para o séc. XX:
  • 1ª GM e Rev. Russa - últimas manifestações simbolistas e primeiras modernistas
  • o Brasil não teve momento típico para o Simbolismo - produto de importação européia
  • origens estão no Sul (região marginalizada pela elite cultural), palco da Revolução Federalista (1893/1895)
  • Revolta Armada (1893/1894) navios da Marinha (camada monárquica) em oposição ao governo Floriano
  • Floriano consolida a república apesar dos movimentos de revolta
  • clima marcado por frustrações, angústias, falta de perspectiva, resultando em afastamento do real e busca do sujeito
Características
Esta poesia representa uma reação contra toda produção poética anterior.
  • nega Realismo e suas manifestações - contra materialismo, cientificismo e racionalismo
  • valoriza as manifestações metafísicas e espirituais - subjetivismo
  • eu = universo (também critica o eu “sentimentalóide” dos românticos)
  • buscam a essência do homem - alma (poesia de auto-investigação)
  • matéria X espírito, corpo X alma, sonho e loucura
  • busca da purificação com o espírito atingindo regiões etéreas e integração com o espaço infinito (cosmos)
  • corpo = correntes que aprisionam a alma (libertação só pela morte)
  • primado do símbolo, valorização da metáfora, onde o símbolo é sugestão
  • palavras transcendem significado - cheio de sinestesias, assonâncias e aliterações
  • musicalidade do verso
  • “poesia pura” - surge do espírito irracional, não-conceitual e contrária à interpretação lógica
  • temática da consciência da degradação da vida
Autores
Cruz e Sousa (1861-1898)
Filho de ex-escravos, foi criado por um Marechal e sua esposa como um filho e teve educação de qualidade. Perseguido a vida inteira por ser negro, culminando com o fato de ter sido proibido de assumir um cargo de juiz só por isso. É ativo na causa abolicionista. Morre jovem de tuberculose, vítima da pobreza e do preconceito.
Uma de suas obsessões era cor branca, como mostra a passagem a seguir.
"Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
de luares, de neves, de neblinas!...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incenso dos turíbulos das aras..."
É considerado neo-romântico simbolista pois valoriza os impulsos pessoais e sua condição de indivíduo sofredor como fonte de inspiração poética. Suas poesias sempre oferecem dificuldade de leitura. Trata-se de um poeta expressivo, apelidado de “Cisne Negro” ou “Dante Negro".
“Alma! Que tu não chores e não gemas
Teu amor voltou agora.
Ei-lo que chega das mansões extremas,
Lá onde a loucura mora!”
Prenuncia duas tendências que marcam a poesia moderna: sondagem psicológica, pela expressão do mundo interior e invenção lingüística, pela preferência a estruturas conscientemente elaboradas.
Obras Principais:
  • Poesia: Broquéis (1893), Faróis (1900), Últimos Sonetos (1905)
  • Poesia em prosa: Tropos e Fantasias (1885), Missal (1893), Evocações (1898)
Alphonsus de Guimaraens (1870 -1921)
Apaixonado desde jovem por uma prima, sofre com a prematura morte da amada e passa por uma crise de doença e boêmia. Forma-se em Direito e Ciências Sociais, colaborando sempre na melhor imprensa paulistana. Fica conhecido como “O Solitário de Mariana”.
São constantes em sua obra a presença constante da morte da mulher amada, os tons fúnebres de cemitérios e enterros, a nostalgia de um medievalismo romântico, além do seu famoso marianismo (culto a Virgem Maria). Sua obra prenuncia o surrealismo
Seus versos tinham musicalidade e sutileza para a atmosfera religiosa que inspiravam, como mostra a passagem a seguir.
"O céu é todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem açoitar o rosto meu.
E a catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu."
Obras Principais:
  • Poesia: Setenário das Dores de Nossa Senhora (1899), Dona Mística (1899), Câmara Ardente (1899), Kiriale (1902), Pauvre Lyre (1921), Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte (1923), Poesias (Nova Primavera, Escada de Jacó, Pulvis, 1938).
  • Prosa: Mendigos (1920)
Pedro Kilkerry (1855-1917)
Foi um dos vários poetas simbolistas quase anônimos. Pobre e boêmio, morreu tuberculoso em Salvador. Nada deixou em livro, o que dele se conhece se reduz ao que publicou em revistas simbolistas baianas Nova Cruzada e Os Anais. Sua obra só entrou em evidência em 1970, com Re-visão de Kilkerry (seleção de poemas organizada por Augusto de Campos).
Sua poesia era forte e desconcertante, sendo uma das melhores do Simbolismo brasileiro. Caracteriza-se pela base metonímica e metafórica.
"Primavera! - versos, vinhos...
Nós, primaveras em flor.
E ai! Corações, cavaquinhos
Com quatro cordas de Amor!"
[Nota]
Observação
Com menor expressão ainda apresenta-se como simbolista Emiliano Perneta (1866-1921) que publicou, em livros, jornais e revistas, poesia e prosa poética simbolista.
Sinopse
Marco inicial = publicação de Missal e Broquéis, ambos de Cruz e Sousa - obras inaugurais em 1893
Marco final = 1922 com a realização da Semana de Arte Moderna
Textos

Cárcere das Almas
Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço, olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.
Tu se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo Espaço da Pureza.
Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!
Nesses silêncios solitários, graves,
Que chaveiro do Céu possui as chaves
Para abrir-vos as portas do Mistério?!


--Cruz e Sousa

Pressago
Nas ÁGUAS daquele lago
dormita a sombra de Iago...

Um véu de luar funéreo
cobre tudo de mistério...

Há um lívido abandono
do luar no estranho sono.

Dá meia-noite na ermida,
como o último ai de uma vida.

São badaladas nevoentas,
sonolentas, sonolentas...

Do céu no estrelado luxo
passa o fantasma de um bruxo

No mar tenebroso e tetro
vaga de um náufrago o espectro.

Como fantásticos signos,
erram demônios malignos.

Na brancura das ossadas
gemem as almas penadas.

Lobisomens, feiticeiras
gargalham no luar das eiras.

Os vultos dos enforcados
uivam nos ventos irados.

Os sinos das torres frias
soluçam hipocondrias.

Luxúrias de virgens mortas
das tumbas rasgam as portas.

Andam torvos pesadelos
arrepiando os cabelos.

Coalha nos lodos abjetos
sangue roxo dos fetos.

Há rios maus, amarelos
de presságios de flagelos.

Das vesgas concupiscências
saem vis fosforescências.

Os remorsos contorcidos
mordem os ares pungidos.

A alma cobarde Judas
recebe expressões cornudas.

Negras aves de rapina
mostram a garra assassina.

Sob o céu que nos oprime
langüescem formas de crime.

Com os mais sinistros furores,
saem gemidos das flores.

Caveiras! Que horror medonho!
Parecem visões de um sonho!

A morte com Sancho Pança,
grotesca e trágica, dança.

E como um símbolo eterno,
Ritmo dos Ritmos do inferno.

No lago morto, ondulando,
dentre o luar noctivagando,

corvo hediondo crocita
da sombra d’Iago maldita!


--Cruz e Sousa


Ismália
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-me na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria dar a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu.
Seu corpo desceu ao mar...


--Alphonsus Guimaraens




Pré-Modernismo (fim séc. XIX e início XX)
Índice

"Não há um só homem de coração bem formado que não se sinta confrangido ao contemplar o doloroso quadro oferecido pelas sociedades atuais com sua moral mercantil e egoísta"


--Euclides da Cunha
Esta época apresenta, na literatura, um entrecruzar de várias correntes estéticas. Por um lado, tem-se a queda da proposta realista-naturalista-parnasiana, e de outro uma afirmação da poesia simbolista. Na mesma época, então, vai surgir uma prosa de ficção que, ligada à tradição realista, vai revelar criticamente as tensões da sociedade brasileira.
Não pode ser considerada uma escola literária, mas sim um período literário de transição para o Modernismo.
Referências históricas
  • Bahia - Rev. de Canudos
  • Nordeste - Ciclo do Cangaço
  • Ceará - milagres de Padre Cícero gerando clima de histeria fanático-religiosa
  • Amazônia - Ciclo da Borracha
  • Rio de Janeiro - Revolta da Chibata (1910)
  • revolta contra a vacina obrigatória (varíola) - Oswaldo Cruz
  • república do café-com-leite (grandes proprietários rurais)
  • imigrantes, notadamente os italianos
  • surto de urbanização de SP - greves gerais de operários (1917)
  • contrastes da realidade brasileira - Sudeste em prosperidade e Nordeste na miséria
  • Europa prepara-se para a 1ª GM - tempo de incertezas
Características
Na prosa, tem-se Euclides da Cunha, Graça Aranha, Lima Barreto e Monteiro Lobato que se posicionam diante dos problemas sociais e culturais, criticando o Brasil arcaico e negando o academicismo dominante. Na poesia, Augusto dos Anjos modifica o Simbolismo, injetando-lhe traços expressionistas e revelando uma visão escatológica (cenas de fim do mundo) da vida.
Quanto às características, percebe-se um individualismo muito forte, ainda assim pode-se destacar alguns pontos de aproximação desses autores.
  • ruptura com o passado, principalmente em Augusto dos Anjos que afronta a poesia parnasiana ainda em vigor
  • denúncia da realidade brasileira, mostrando o Brasil não oficial do sertão, dos caboclos e dos subúrbios
  • regionalismo N e NE com Euclides; Vale do Paraíba e interior paulista com Lobato; ES com Graça Aranha e subúrbio carioca com Lima Barreto
  • tipos humanos marginalizados (sertanejo, nordestino, mulato, caipira, funcionário público)
  • apresentação crítica do real na ficção
Autores
Augusto dos Anjos (1884/1914)
Formou-se em direito, mas foi sempre professor de Literatura. Nervoso, misantropo e solitário, este possível ateu morreu de forte gripe antes de assumir um cargo que lhe daria mais recursos.
Publicou apenas um único livro de poesias, Eu, mais tarde reeditado como Eu e outras poesias. Sua obra é cientificista, profundamente pessimista. Sua visão da morte como o fim, o linguajar e os temas usados por muitos são considerados como sendo de mau gosto, mas caracterizam sua poesia como única na literatura brasileira.
"Já o verme — este operário das ruínas — / Que o sangue podre das carnificinas / Come e à vida em geral declara guerra,"
Trabalhou, assim como parnasianos e simbolistas, com sonetos e verso decassílabo. Sua visão de mundo e a interrogação do mistério da existência e do estar-no-mundo marcam esta nova vertente poética. Há uma aflição pessoal demonstrada com intensidade dramática, além do pessimsmo. Constância da morte, desintegração e os vermes.
"A passagem dos séculos me assombra. / Para onde irá correndo minha sombra / Nesse cavalo de eletricidade?! / Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem? / E parece-me um sonho a realidade."
Obra Principal:
  • Poesias - Eu (1912)

Versos Íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


--Augusto dos Anjos
Euclides da Cunha (1866/1909)
Exerceu a função de engenheiro civil no meio militar. Foi membro da ABL, do Instituto Histórico e catedrático em Lógica pelo Colégio Dom Pedro II. Viajou muito e escreveu Os Sertões pela experiência própria de ter testemunhado a Guerra de Canudos como correspondente jornalístico. Envolvido num grande escândalo familiar, foi assassinado em duelo pelo amante da esposa.
Positivista, florianista e determinista, é seu estilo pessoal e inconformismo caracterizam-no como um pré-modernista. Foi o primeiro escritor brasileiro a diagnosticar o subdesenvolvimento do país, diagnosticando os 2 Brasis (litoral e sertão).
As passagens a seguir provém de Os Sertões, sendo cada uma de uma parte da obra.
"Ao passo que a caatinga o afoga; abrevia-lhe o olhar; agride-o e estonteia-o; enlaça-o na trama espinescente e não o atrai; repulsa-o com folhas urticantes, com o espinho, com os gravetos estalados em lanças; e desdobra-se lhe na frente léguas e léguas, imutável no aspecto desolado: árvores sem folhas, de galhos estorcidos e secos, revoltos, entrecruzados, apontando rijamente no espaço ou estirando-se flexuosos pelo solo, lembrando um bracejar imenso, de tortura, da flora agonizante..." A Terra
"Porque não no-los separa um mar, separam-no-los três séculos..." O Homem
"E volvendo de improviso às trincheiras, volvendo em corridas para os pontos abrigados, agachados em todos os anteparos [...] os triunfadores, aqueles triunfadores memorados pela História, compreenderam que naquele andar acabaria por devorá-los, um a um, o último reduto combatido. Não lhes bastavam seis mil Mannlichers e seis mil sabres; e o golpear de doze mil braços [...] e os degolamentos, e a fome, e a sede; e dez meses de combates, e cem dias de canhoneio contínuo; e o esmagamento das ruínas; e o quadro indefinível dos templos derrocados; e por fim, na ciscalhagem das imagens rotas, dos altares abatidos, dos santos em pedaços - sob a impassibilidade dos céus tranqüilos e claros - a queda de um ideal ardente, a extinção absoluta de uma crença consoladora e forte..." A Luta
Obras principais:
  • Os Sertões (1902)
  • Constrastes e Confrontos (1906)
  • Peru Versus Bolívia (1907)
  • Castro Alves e seu Tempo (1908)
  • À Margem da História (1909)
  • Canudos: Diáro de uma Expedição (1939)
Graça Aranha (1866/1931)
Aluno de Tobias Barreto, seguiu a carreira diplomática depois de ser juiz no Maranhão e no Espírito Santo. Participou ativamente do movimento modernista, como doutrinador. Colaborou na fundação da ABL (mesmo sem ter livro publicado) e da Semana de Arte Moderna de 22, por isso sendo considerado por muitos um modernista. Não é considerado modernista porque sua única obra "modernista", A viagem maravilhosa, é feita em um estilo extremamente artificial. Morreu logo antes de publicar sua autobiografia, O meu próprio romance, de 1931.
"Milkau estava sereno no alto da montanha. Descobrira a cabeça de um louro de ninfa, e sobre ela, e na barba revolta, a luz do sol batia, numa fulguração de resplendor. Era um varão forte, com uma pele rósea e branda de mulher, e cujos poderosos olhos, da cor do infinito, absorviam, recolhiam docemente a visão segura do que iam passando. A mocidade ainda persistia em não o abandonar; mas na harmonia das linhas tranqüilas do seu rosto já repousava a calma da madureza que ia chegando."
"Tudo o que vês, todos os sacrifícios, todas as agonias, todas as revoltas, todos os martírios são formas errantes de Liberdade. E essas expressões desesperadas, angustiosas, passam no curso dos tempos, morrem passageiramente, esperando a hora da ressurreição... Eu não sei se tudo o que é vida tem um ritmo eterno, indestrutível, ou se é informe e transitório... Os meus olhos não atingem os limites inabordáveis do Infinito, a minha visão se confina em volta de ti [...] Eu te suplico, a ti e à tua ainda inumerável geração, abandonemos os nossos ódios destruidores, reconciliemo-nos antes de chegar ao instante da Morte..."
Obras principais:
  • Canaã (1902/romance)
  • Estética da Vida (1921/ensaio)
  • Espírito Moderno (1925/ensaio)
  • A Viagem Maravilhosa (1927/romance)
Lima Barreto (1881/1922)
Nascido de pai português e mãe escrava, era mulato e pobre. Afilhado do Visconde do Ouro Preto, conseguiu estudar e ingressar aos 15 anos na Escola Politécnica. Lá sofreu toda sorte de humilhações e preconceitos e, quando estava no 3º ano, teve de trabalhar e sustentar a família, pois o pai enlouquecera. Presta concurso para escriturário no Ministério da Guerra, permanecendo nessa modesta função até aposentar-se.
Socialista influenciado por autores russos, Lima Barreto vive intensamente as contradições do início do século, torna-se alcoólatra e passa por profundas crises depressivas, sendo internado por duas vezes. Em todos os seus romances, percebe-se traço autobiográfico, principalmente através de personagens negros ou mestiços que sofrem preconceitos.
Mostra um perfeito retrato do subúrbio carioca, criticando a miséria das favelas e dos cortiços. Posiciona-se contra o nacionalismo ufanista, a educação recebida pelas mulheres, voltada para o casamento, e a República com seu exagerado militarismo. Utiliza-se da alta sociedade para desmacará-la, desmitificá-la em sua banalidade.
Seus personagens são humildes funcionários públicos, alcoólatras e miseráveis.. Sua linguagem é jornalística e até panfletária.
Triste Fim de Policarpo Quaresma é a obra que lhe garante notoriedade. Antes de falir, o editor Monteiro Lobato publica Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá e, pela primeira vez, Barreto é bem pago por algum original.
Obras principais:
  • Romance:
    • Recordações do Escrivão Isaías Camnha (tematiza preconceito racial e crítica ao jornalismo carioca - 1909)
    • Triste Fim de Policarpo Quaresma (inicialmente publicado em folhetins - 1915)
    • Numa e Ninfa (1915)
    • Vida e Morte de M. J. Gonzaga e Sá (1919)
    • Clara dos Anjos (1948)
  • Conto:
    • História e Sonhos (1956)
  • Sátira Política e Literária:
    • Os Bruzundangas (1923)
    • Coisas do Reino do Jambon (1956)
  • Humorismo:
    • Aventuras do Dr. Bogoloff (1912)
  • Artigos e Crônicas:
    • Feiras e Mafuás (1956)
    • Bagatelas (1956)
  • Crônicas sobre Folclore Urbano:
    • Matginália (1956)
    • Vida Urbana (1956)
  • Memórias:
    • Diário Íntimo (1956)
    • Cemitério dos Vivos (1956)
Monteiro Lobato (1882/1948)
Homem de diversas atividades (escritor, editor, relojoeiro, fazendeiro, promotor, industrial, comerciante, professor, adido comercial etc.). Tem por formação Direito e participa de grupos e jornais literários, entre eles o Minarete.
Torna-se editor com a instalação da Editora Monteiro Lobato, que traz grandes inovações para o mercado editorial brasileiro. Ainda assim, Lobato acaba falido. No ano de 1925, funda a Companhia Editora Nacional e começa a escrever sua vasta obra de literatura infantil. Isso se dá por decepção com o mundo adulto, por isso começa a investir no futuro do Brasil.
Em 1917, publica, no jornal O Estado de São Paulo, o artigo contra a pintora Anita Malfatti (estopim do Modernismo). A Propósito da Exposição Malfatti, expressa uma postura agressiva contra as novas tendências artísticas do século XX, que resultará no seu desligamento dos principais participantes da Semana de Arte Moderna de 1922. Sua crítica acalorada se dá porque ele não admitia a submissão da cultura brasileira às idéias européias, daí ser chamado de Policarpo Lobato.
Faz campanhas nacionais favor da exploração das riquezas do subsolo: petróleo e minérios. Funda a Companhia de Petróleo do Brasil, acreditando no nosso desenvolvimento e denunciando o monopólio internacional.
Aproxima-se das idéias do Partido Comunista Brasileiro. Controvertido, ativo e participante, Lobato defende a modernização do Brasil nos moldes capitalistas. Faz uma crítica fecunda ao Brasil rural e pouco desenvolvido, como no Jeca Tatu (estereótipo do caboclo abandonado pelas autoridades governamentais) do livro Urupês. Curioso é que, na quarta edição de Urupês, o autor, no prefácio, pede desculpas ao homem do interior, enfatizando suas doenças e dificuldades.
Obras principais:
  • Contos:
    • Urupês (1919)
    • Idéias de Jeca Tatu (1918)
    • Cidades Mortas (1919)
    • Negrinha (1920)
·          
    • Mundo da Lua (1923)
    • O Macaco que se Fez Homem (1923)
    • O Choque das Raças ou O Presidente Negro (1926)
  • Jornalismo:
    • A Onda Verde (1921)
    • Problema Vital (1946)
  • Epistolografia e crítica:
    • Mr. Slang e o Brasil (1929)
    • Ferro (1931)
    • América (1932)
    • Na Antevéspera (1932)
    • O Escândalo do Petróleo (1936)
    • A Barca de Gleyre (1944)
  • Literatura Infantil:
    • Reinações de Narizinho
    • Viagem ao Céu
    • O Saci
    • Caçadas de Pedrinho
    • Hans Staden
    • Histórias do Mundo para Crianças
    • Memórias de Emília
    • Peter Pan
    • Emília no País da Gramática
    • Aritmética de Emília
    • Geografia de Dona Benta
    • Serões de Dona Benta
    • História das Invenções
    • D. Quixote para as Crianças
    • O Poço do Visconde
    • Histórias de Tia Nastácia
    • O Pica-pau Amarelo
    • A Reforma da Natureza
    • O Minotauro
    • Fábulas
    • Os Doze Trabalhos de Hércules
    • O Marquês de Rabicó
Simões Lopes Neto (1865-1916)
O Capitão publicou três livros em toda a vida, todos na cidade em que nascera, Pelotas, no RS. Foram eles Cancioneiro Guasca, Lendas do Sul e Contos Gauchescos. Fez teatro e, apesar de suas obras terem sempre cunho tradicionalista, era um homem de hábitos urbanos. Acalentava grandes sonhos literários, mas seu reconhecimento só foi póstumo.
"E do trotar sobre tantíssimos rumos; das pousadas pelas estâncias dos fogões a que se aqueceu; dos ranchos em que cantou, dos povoados que atravessou; das coisas que ele compreendia e das que eram-lhe vedadas ai singelo entendimento; do pêlo-a-pêlo com os homens, das erosões, da morte e das eclosões da vida, entre o Blau - moço, militar - e o Blau - velho, paisano -, ficou estendida uma longa estrada semeada de recordações - casos, dizia -, que de vez em quando o vaqueano recontava, como quem estende no sol, para arejar, roupas guardadas ao fundo de uma arca." Contos Gauchescos
"Foi assim e foi por isso que os homens, que quando pela primeira vez viram a boiguaçu tão demudada, não a conheceram mais. Não conheceram e julgando que era outra, chamam-na desde então de boitatá, cobra de fogo, boitatá, a boitatá!" Lendas do Sul
"Findava aqui o calhamaço de que a princípio se falou, quando disse que recebi em certa hora de pleno dezembro, por véspera de Natal, quando eu estava, desesperado, a abanar mosquitos (...) Apenas ao canto da página, a lápis, havia uns dizeres que custei a decifrar, e que eram estes: o 2o. Volume será o dos 'Sonhos do Romualdo'" Casos do Romualdo
Raul de Leoni (1895-1926)
Foi um autor altamente independente de seu tempo, sem filiações a movimentos literários. Amigo de Olavo Bilac, sua poesia continha muita influência parnasiana, mas também possuía características simbolistas e uma bela simplicidade misturada a preocupações filosóficas.
[Nota]
Observação
Ensaístas Alberto Torres, Manuel Bonfim e Oliveira Viana produziram estudos que se desdobraram em programas de organização sócio-política. Isto é, não só denunciaram as mazelas do Brasil da época, como também apresentaram soluções a esses problemas.
João Ribeiro passou de poeta parnasiano a crítico literário, sendo um dos primeiros a problematizar a questão da língua nacional. Atacava também a rigidez estética de simbolistas e parnasianos e proclamava a necessidade de destruição dos ídolos caducos.
Sinopse
Marco inicial = publicação dos livros Os Sertões, de Euclides da Cunha e Canaã, de Graça Aranha em 1902.
Marco final = Semana de Arte Moderna de 1922.
Textos

Fragmentos do capítulo 1 de Urupês
Nada o esperta. Nenhuma ferretoada o põe de pé. Social, como individualmente, em todos os atos da vida, antes de agir, acocora-se.
Jeca Tatu é um piraquara do Paraíba, maravilhoso epítome de carne onde se resumem todas as características da espécie.
Ei-lo que vem falar ao patrão. Entrou, saudou. Seu primeiro movimento após prender entre os lábios a palha de milho, sacar o rolete de fumo e disparar a cusparada d’esqguicho, é sentar-se jeitosamente sobre os calcanhares. Só então destratava a língua e a inteligência. (...) De pé ou sentado as idéias se lhe entramam, a língua emperra e não há de dizer coisa com coisa. (...)Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade!
(...) Seu grande cuidado é espremer todas as conseqüências da lei do menor esforço — e nisto vai longe.
Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquímano. (...) Às vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas — para os hóspedes. Três pernas permitem equilíbrio, inútil, portanto, meter a quarta, que ainda o obrigaria a nivelar com o chão. Para que assentos, se a natureza os dotou de sólidos, rachados calcanhares sobre os quais se sentam?
Nenhum talher. Não é a munheca um talher completo — colher, garfo e faca a um tempo?
(...) Seus remotos avós não gozaram de maiores comodidades. Seus netos não meterão quarta perna ao banco. Para quê? Vive-se bem sem isso. (...) Remendo... Para quê? Se uma casa dura dez anos e faltam “apenas” nove para que ele abandone aquela? Esta filosofia economiza reparos. (...) Todo o inconsciente filosofar do caboclo grulha nessa palavra atravessada de fatalismo e modorra. Nada paga a pena. Nem culturas, nem comodidades. De qualquer jeito se vive.



Modernismo (1922-1960)

Índice

"Todo este sangue de mil raças / corre em minhas veias / sou brasileiro / mas do Brasil sem colarinho / do Brasil negro / do Brasil índio."


--Sérgio Milliet
Iniciou-se no Brasil com a SAM de 1922. Mas nem todos os participantes da Semana eram modernistas: o pré-modernista Graça Aranha foi um dos oradores. Apesar de não ter sido dominante no começo, como atestam as vaias da platéia da época, este estilo, com o tempo, suplantou os anteriores. Era marcado por uma liberdade de estilo e aproximação da linguagem com a linguagem falada; os de primeira fase eram especialmente radicais quanto a isto.
Didaticamente, divide-se o Modernismo em três fases: a primeira fase, mais radical e fortemente oposta a tudo que foi anterior, cheia de irreverência e escândalo; uma segunda mais amena, que formou grandes romancistas e poetas; e uma terceira, também chamada Pós-Modernismo por vários autores, que se opunha de certo modo a primeira e era por isso ridicularizada com o apelido de neoparnasianismo.

Referências históricas

·         Início do século XX: apogeu da Belle Époque. O burguês comportado, tranqüilo, contando seu lucro. Capitalismo monetário. Industrialização e Neocolonialismo.
·         Reivindicações de massa. Greves e turbulências sociais. Socialismo ameaça.
·         Progresso científico: eletricidade. Motor a combustão: automóvel e avião.
·         Concreto armado: “arranha-céu”. Telefone, telégrafo. Mundo da máquina, da informação, da velocidade.
·         Primeira Guerra Mundial e Revolução Russa.
·         Abolir todas as regras. O passado é responsável. O passado, sem perfil, impessoal. Eliminar o passado.
·         Arte Moderna. Inquietação. Nada de modelos a seguir. Recomeçar. Rever. Reeducar. Chocar. Buscar o novo: multiplicidade e velocidade, originalidade e incompreensão, autenticidade e novidade.
·         Vanguarda - estar à frente, repudiar o passado e sua arte. Abaixo o padrão cultural vigente.

Primeira fase Modernista no Brasil (1922-1930)

Caracteriza-se por ser uma tentativa de definir e marcar posições. Período rico em manifestos e revistas de vida efêmera.
Um mês depois da SAM, a política vive dois momentos importantes: eleições para Presidência da República e congresso (RJ) para fundação do Partido Comunista do Brasil. Ainda no campo da política, surge em 1926 o Partido Democrático que teve entre seus fundadores Mário de Andrade.
É a fase mais radical justamente em conseqüência da necessidade de definições e do rompimento de todas as estruturas do passado. Caráter anárquico e forte sentido destruidor.
Principais autores desta fase: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Antônio de Alcântara Machado, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Guilherme de Almeida e Plínio Salgado.

Características

·         busca do moderno, original e polêmico
·         nacionalismo em suas múltiplas facetas
·         volta às origens e valorização do índio verdadeiramente brasileiro
·         “língua brasileira” - falada pelo povo nas ruas
·         paródias - tentativa de repensar a história e a literatura brasileiras
A postura nacionalista apresenta-se em duas vertentes:
·         nacionalismo crítico, consciente, de denúncia da realidade, identificado politicamente com as esquerdas.
·         nacionalismo ufanista, utópico, exagerado, identificado com as correntes de extrema direita.

Manifestos e Revistas

Revista Klaxon — Mensário de Arte Moderna (1922-1923)

Recebe este nome, pois klaxon era o termo usado para designar a buzina externa dos automóveis. Primeiro periódico modernista, é conseqüência das agitações em torno da SAM. Inovadora em todos os sentidos: gráfico, existência de publicidade, oposição entre o velho e o novo.
“— Klaxon sabe que o progresso existe. Por isso, sem renegar o passado, caminha para diante, sempre, sempre.”

Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924-1925)

Escrito por Oswald e publicado inicialmente no Correioda Manhã. Em 1925, é publicado como abertura do livro de poesias Pau-Brasil de Oswald. Apresenta uma proposta de literatura vinculada à realidade brasileira, a partir de uma redescoberta do Brasil.
“— A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela sob o azul cabralino, são fatos estéticos.”
“— A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.”

A Revista (1925-1926)

Responsável pela divulgação dos ideais modernistas em MG. Teve apenas três números e contava com Drummond como um de seus redatores.

Verde-Amarelismo (1926-1929)

É uma resposta ao nacionalismo do Pau-Brasil. Grupo formado por Plínio Salgado, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida e Cassiano Ricardo. Criticavam o “nacionalismo afrancesado” de Oswald. Sua proposta era de um nacionalismo primitivista, ufanista, identificado com o fascismo, evoluindo para o Integralismo de Plínio Salgado (década de 30). Idolatria do tupi e a anta é eleita símbolo nacional. Em maio de 1929, o grupo verde-amarelista publica o manifesto “Nhengaçu Verde-Amarelo — Manifesto do Verde-Amarelismo ou da Escola da Anta”.

Manifesto Regionalista de 1926

1925 e 1930 é um período marcado pela difusão do Modernismo pelos estados brasileiros. Nesse sentido, o Centro Regionalista do Nordeste (Recife) busca desenvolver o sentimento de unidade do Nordeste nos novos moldes modernistas. Propõem trabalhar em favor dos interesses da região, além de promover conferências, exposições de arte, congressos etc. Para tanto, editaram uma revista. Vale ressaltar que o regionalismo nordestino conta com Graciliano Ramos, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, Jorge Amado e João Cabral - na 2ª fase modernista.

Revista Antropofagia (1928-1929)

Contou com duas fases (dentições): a primeira com 10 números (1928 e 1929) direção Antônio Alcântara Machado e gerência de Raul Bopp; a segunda foi publicada semanalmente em 16 números no jornal Diário de São Paulo (1929) e seu “açougueiro” (secretário) era Geraldo Ferraz. É uma nova etapa do nacionalismo Pau-Brasil e resposta ao grupo Verde-amarelismo. A origem do nome movimento esta na tela “Abaporu” de Tarsila do Amaral.
1ª fase - inicia-se com o polêmico manifesto de Oswald e conta com Alcântara Machado, Mário de Andrade (2º número publicou um capítulo de Macunaíma), Carlos Drummons (3º número publicou a poesia “No meio do vaminho”); além de desenhos de Tarsila, artigos em favor da língua tupi de Plínio Salgado e poesias de Guilherme de Almeida.
2ª fase - mais definida ideologicamente, com ruptura de Oswald e Mário de Andrade. Estão nessa segunda fase Oswald, Bopp, Geraldo Ferraz, Oswaldo Costa, Tarsila, Patrícia Galvão (Pagu). Os alvos das críticas (mordidas) são Mário de Andrade, Alcântara Machado, Graça Aranha, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia e Plínio Salgado.
“SÓ A ANTROPOFAGIA nos une, Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. / Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. / De todos os tratados de paz. / Tupi or not tupi, that is the question.” (Manifesto Antropófago)
“A nossa independência ainda não fo proclamada. Frase típica de D. João VI: — Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.” (Revista de Antropofagia, nº 1)

Outras Revistas

·         Revista Verde de Cataguazes (MG - 1927-1928)
·         revista Estética (RJ - 1924)
·         revista Terra Roxa e outras Terras (SP - 1926, colaborador Mário de Andrade)
·         revista Festa (RJ - 1927, Cecília Meireles como colaboradora)

Autores

Alcântara Machado (1901-1935)

Foi um importante escritor modernista da primeira fase, apesar de não ter participado da SAM, integrando o grupo somente em 25. Produziu prosa ficcional, renovando sua estrutura para construir histórias curtas e do cotidiano. Privilegia o imigrante, principalmente o italiano, e sua fusão, ampliando o universo cultural de São Paulo.
Apesar de não ser tão radical como os outros modernistas contemporâneos seus, usava uma linguagem em seus contos que se aproximava muito do falado. Seus personagens do livro de contos Brás, Bexiga e Barra Funda falavam uma mistura de italiano e português. Retrata uma realidade citadina e realista, num tom divertido, enfatizando a vida difícil dos imigrantes e sua ascensão.
Nunca chegou a completar seu romance Mana Maria, que foi publicado um ano depois de sua prematura morte. Pouco antes do fim da vida, rompeu relações com Oswald de Andrade por motivos ideológicos, ao mesmo tempo em que sua amizade com Mário de Andrade se estreitava.
Brás, Bexiga e Barra Funda - contos com fragmentação de episódios, até registro de cenas sem interesse, mapeamento de São Paulo, exótico nos nomes das personagens, menção a produtos de consumo da época, gírias esquecidas etc.
“Ali na Rua Oriente a ralé quando muito andava de bonde. De automóvel ou carro só mesmo em dia de enterro ou casamento. Por isso mesmo o sonho de Gaetaninho era de realização muito difícil. Um sonho. (...) Gaetaninho saiu correndo. Antes de alcançar a bola um bonde o pegou. Pegou e matou. / No bonde vinha o pai do Gaetaninho. / A gurizada assustada espalhou a notícia na noite. / — Sabe o Gaetaninho? / — Que é que tem? / — Amassou o bonde! / (...) às dezesseis horas do dia seguinte saiu um enterro da Rua do Oriente e Gaetaninho não ia na boléia de nenhum dos carros do acompanhamento. Ia no da frente dentro de um caixão fechado com flores pobres por cima.”
Laranja da China - luso-brasileiro toma o lugar do italiano, ainda na linha do cotidiano em suas minúcias. Todos os contos apresentam uma espécie de paródia desde o título: O Revoltado Robespierre (Sr. Natanael Robespierre dos Anjos).
Obras principais:
·         Pathé Baby (1926)
·         Brás, Bexiga e Barra Funda (1927)
·         Laranja da China (1928)
·         Anchieta na Capitania de São Vicente (1928)
·         Mana Maria (romance inacabado e publicado pós-morte 1936)
·         Cavaquinho e Saxofone (coletânea de artigos e estudos, 1940)
Escreveu para Terra Roxa e Outras Terras (um de seus fundadores), para a Revista Antropofagia e para a Revista Nova (que dirigiu).

Cassiano Ricardo (1895-1974)

Paulista, Cassiano deixou uma obra marcada pelas tendências de seu tempo sem, entretanto, deixar um estilo próprio. Iniciou sua carreira com Dentro da Noite (1915) neo-simbolismta, passou por tendências parnasianas em A Frauta de Pã (1917, para integrar-se ao Verde-amarelismo com Vamos Caçar Papagaios (1926). Com o formalismo de 45, torna-se meditativo e melancólico. Em 1960, entra para a corrida vanguardista com experimentalismo e franca adesão ao Concretismo e à Poesia Praxis.
Obras principais:
·         Poesia:
o    Dentro da Noite (1915)
o    A Frauta de Pã (1917)
o    Vamos Caçar Papagaios (1926)
o    Martim-Cererê (1928)
o    Deixa Estar, Jacaré (1931)
o    O Sangue das Horas (1943)
o    Um Dia depois do Outro (1947)
o    A Face Perdida (1950)
o    Poemas Murais (1950)
o    Sonetos (1952)
o    João Torto e A Fábula (1956)
o    Arranha-Céu de Vidro (1956)
o    Poesias Completas (1957)
o    Montanha Russa (1960)
o    A Difícil Manhã (1960)
o    Jeremias sem Chorar (1964)
·         Prosa:
o    O Brasil no Original (1936)
o    O Negro na Bandeira (1938)
o    A Academia e a Prosa Moderna (1939)
o    Pedro Luís Visto Pelos Modernos (1939)
o    Marcha para o Oeste (1943)
o    A Academia e a Língua Brasileira (1943)
o    A Poesia na Técnica do Romance (1953)
o    O Homem Cordial (1959)
o    22 e a Poesia de Hoje (1962)
o    Reflexos sobre a Poética de Vanguarda (1966)

Guilherme de Almeida (1890-1969)

Sempre se ajustou aos padrões e foi disciplinado, com mestria sobre a língua e seus dispositivos técnicos. Exímio poeta que pode ter sua obra dividida em três etapas:
·         Pré-modernista - Nós (só de sonetos, 1917), A Dança das Horas (1919), Messidor (contendo os dois anteriores mais A Suave Colheita, 1919), Livro de Horas de Sóror Dolorosa (1920) e Era Uma Vez..., (1922) - influência parnasiano-simbolista, habilidoso artista do verso
·         Modernismo - A Frauta que Eu Perdi (subtítulo Canções Gregas, 1924) Meu (1925) e Raça (1925) - versos livres, sonoridade e ressurgir de algumas rimas. Raça (rapsódia da mestiçagem brasileira) pertence ao nacionalismo estético com nomeação metonímica (português = velho cavaleiro, índio reluz em cores e preto = samba), versos grandes, frases nominais e vocábulos mais raros.
·         Pós-Modernismo - Você (1930), Acaso (1938), Poesia Vária (1947), Camoniana (1956) e Pequeno Cancioneiro (1956) - retorno ao ponto de origem: versos metrificados, rimas raras, sonetos e sentimentalismo. Apanágio da técnica, reconstitui a maneira de Camões e dos Cancioneiros

“Há uma encruzilhada de três estradas sob a minha cruz de estrelas azuis: / três caminhos se cruzam — um branco, um verde e um preto — três hastes da grande cruz. / E o branco que veio do norte, e o verde que veio da terra, e o preto que veio do leste. / derivam num novo caminho, completam a cruz unidos num só, fundidos num vértice. / Fusão ardente na fornalha tropical de barro vermelho, cozido, estalando ao calor modorrento dos sóis imutáveis: (...)”


--Minha Cruz!, in Raça

Manuel Bandeira (1886-1968)

É uma das figuras mais importantes da poesia brasileira e um dos iniciadores do Modernismo. Do penumbrismo pós-simbolista de A Cinza das Horas às experiências concretas da década de 60 de Composições e Ponteios, a poesia de Bandeira destaca-se pela consciência técnica com que manipulou o verso livre. Participa indiretamente da SAM, quando Ronald de Carvalho declama seu poema Sapos.
Sempre pensando que morreria cedo (tuberculoso), acabou vivendo muito e marcando a literatura brasileira. Morte e infância são as molas propulsoras de sua obra. Ironizava o desânimo provocado pela doença, mas em Cinza das Horas apresenta melancolia e sofrimento por causa da “dama branca”. Além de ser um poeta fabuloso, também foi ensaísta, cronista e tradutor. O próprio autor define sua poesia como a do "gosto humilde da tristeza".

“Febre, hemoptise, dispnéia, e suores noturnos. / A vida inteira que podia ter sido e que não foi. / Tosse, tosse, tosse. / Mandou chamar o médico: / — Diga trinta e três. / — Trinta e três... trinta e três... trinta e três... / — Respire. (...) / — O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. / — Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? / — Não. A única coisa a fazer e tocar um tango argentino.”


--Pneumotórax
Ritmo Absoluto e Libertinagem são frutos de um processo de integração com o Rio. Sua poesia contagia-se de uma visão erótico-sentimental, resultante da forma de encarar o amor a partir da experiência do corpo. Libertinagem usa lirismo solto, repleto de cenas do cotidiano, com verdadeiras aulas de solidariedade e ternura.

“Irene preta / Irene boa / Irene sempre de bom humor. / Imagino Irene entrando no céu: / — Licença, meu branco! / E São Pedro bonachão: / — Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.”


--Irene no Céu, in Libertinagem
Em Estrela da Manhã, atinge a plenitude de seu lirismo libertário, mostrando que tudo pode ser matéria poética: um clássico esquecido, uma frase de criança, uma notícia de jornal, a casa em que morava e até mesmo uma propaganda de três sabonetes (Baladas das três mulheres do sabonete Araxá).
Obras principais:
·         Poesia:
o    A Cinza das Horas (1917)
o    Carnaval (1919)
o    O Ritmo Dissoluto (1924)
o    Libertinagem (1930)
o    Estrela da Manhã (1936)
o    Lira dos Cinquent’Anos (1940)
o    Belo, Belo (1948)
o    Mafuá do Malungo (1948)
o    Opus 10 (1952)
o    Estrela da Tarde (1963)
o    Estrela da Vida Inteira (1966)
·         Prosa:
o    Crônicas da Província do Brasil (1937)
o    Guia de Ouro Preto (1938)
o    Noções de História das Literaturas (1940)
o    Literatura Hispano-Americana (1949)
o    Gonçalves Dias (1952)
o    Itinerário de Pasárgada (1954)
o    De Poetas e de Poesia (1954)
o    Flauta de papel (1957)
o    Andorinha, Andorinha (seleção de Carlos Drummond de Andrade, 1966)
o    Colóquio Unilateralmente Sentimental (1968)

Mário de Andrade (1893-1945)

Um dos organizadores do Modernismo e da SAM, foi o que apresentou projeto mais consistente de renovação. Começou escrevendo críticas de arte e poesia (ainda parnasiana) com o pseudônimo de Mário Sobral. Rompeu com o Parnasianismo e o passado com Paulicéia Desvairada e a Semana, da qual participou ativamente.
Injetou em tudo que fez um senso de problemático brasileirismo, daí sua investida no folclore. De jeito simples, sua coloquialidade desarticulou o espírito nacional de uma montanha de preconceitos arcaicos. Lutou sempre por uma literatura brasileira e com temas brasileiros.
“O passado é lição para se meditar e não para se reproduzir” - afirmava assim a necessidade de um presente novo, inventivo. Acreditava na arte como instrumento de debate e de combate, comportamento evidenciado em Paulicéia Desvairada. Esta obra oferece uma panorâmica da cidade e de sua vida, ao criticar a mania obsessiva de posse, aqui também satiriza a incompetência dos administradores.

“Oh! Minhas alucinações” / Vi os deputados, chapéus altos / sob o pálio vesperal, feito de mangas-rosas, / saírem de mãos dadas do Congresso... / Como um possesso num acesso em meus aplausos / aos salvadores do meu estado amado! (...) / Mas os deputados, chapéus altos / Mudavam-se pouco a pouco em cabras! / Crescem-lhes os cornos, decemlhes as barbichas... (...) / se punham a pastar / rente do palácio do senhor presidente... / Oh! Minhas alucinações!”


--O rebanho, in Paulicéia Desvairada
Sua faceta de teórico de estética literária pode ser avaliado em A Escrava que não é Isaura, onde expõe pequenos e paliativos remédios da farmacopéia didático-técnico-poética do Modernismo.

“Eu creio que os modernistas da Semana de Arte Moderna não devemos servir de exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição. O homem atravessa uma fase integralmente política da humanidade. Nunca jamais ele foi tão ‘momentâneo’ como agora.”


--O Movimento Modernista - conferência
Clã do Jabuti resulta da viagem de descoberta do Brasil, numa aproximação com o folclore como fonte de criação poética. Apoiando-se nas tradições populares brasileiras, utiliza a toada, o coco, a moda, o samba para sustentar seus poemas.
Seu primeiro romance é Amar, Verbo Intransitivo que penetra na estrutura familiar da burguesia paulistana, sua moral e seus preconceitos. Aborda, ao mesmo tempo, os sonhos e a adaptação dos imigrantes na agitada Paulicéia.
Já em Macunaíma, Herói sem nenhum caráter, cria um anti-herói com um perfil indolente, brigão, covarde, sincero, mentiroso, trabalhador, preguiçoso, malandro, otário - multifacetado. Inspirando-se no folclore indígena da Amazônia, mesclando a lendas e tradições das mais variadas regiões do Brasil, constrói-se um herói que encarna o homem latino-americano. Macunaíma é uma figura totalmente fora dos esquemas tradicionais da prosa de ficção, uma aglutinação de alguns possíveis tipos brasileiros. Sempre na defesa, Macunaíma começa comendo terra e acaba sendo comido pela terra.
Renate de Males já evidencia certo distanciamento em relação ao desvairismo inicial. Em Contos de Belazarte, manifesta acentuada preocupação com uma análise psicológico-social das relações familiares, reveladas através de uma linguagem inovadora (sintático e lexicalmente).
Na obra Lira Paulistana, Mário faz uma interpretação poética de seu destino e integração com a cidade de São Paulo. O reflexo do eu na transparência do rio Tietê mostra as águas do rio como se fosse um espelho mágico.

Inspiração - “São Paulo! comoção de minha vida ... / Os meus amores são flores feitas de original... / Arlequinal!... Traje de losangos... Cinza e ouro... / Luz e bruma... Forno e inverno morno... / Elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes... / Perfumes de Paris... Arys!”


--in Poesias Completas
O Banquete é um explosivo depoimento sobre as linhas mestras do pensamento estético de Mário de Andrade, além de constituir uma sátira sobre certos comportamentos típicos no tempo da ditadura estadonovista.

"Pouca saúde e muita saúva os males do Brasil são."


--Macunaíma
Obras Principais
·         Poesia
o    Há uma Gota de Sangue em casa Poema (1917)
o    Paulicéia Desvairada (1922)
o    Losango Cáqui (1926)
o    Clã do Jabuti (1927)
o    Remate de males (1930)
o    Poesias (1941)
o    Lira Paulistana (1946)
o    O Carro da Miséria (1946)
o    Poesias Completas (1955)
·         Conto
o    Primeiro Andar (1926)
o    Balazarte (1934)
o    Contos Novos (1946)
·         Romance
o    Amar, Verbo Intransitivo (1927)
o    Macunaíma (1928)
·         Ensaio
o    A Escrava que não é Isaura (1925)
o    O Aleijadinho e Álvares de Azevedo (1935)
o    O Baile das Quatro Artes (1943)
o    Aspectos da Literatura Brasileira (1943)
o    O Empalhador de Passarinhos (1944)
o    O Banquete (1978)
·         Crônicas
o    Os Filhos da Candinha (1943)
·         Musicologia e Folclore
o    Ensaio sobre Música Brasileira (1928)
o    Compêndio de História da Música (1929)
o    Modinhas e Lundus Imperiais (1930)
o    Música, Doce Música (1933)
o    Namoros com a Medicina (1939)
o    Música do Brasil (1941)
o    Danças Dramáticas do Brasil (1959)
o    Música de Feitiçaria (1963)
·         História da Arte
o    Padre Jesuíno de Monte Melo (1946)
o    outros folhetos reunidos nas Obras Completas

Oswald de Andrade (1890-1853)

Foi poeta, romancista, ensaísta e teatrólogo. Figura de muito destaque no Modernismo Brasileiro, ele trouxe de sua viagem a Europa o Futurismo. Formado em Direito, Oswald era um playboy extravagante: usa luvas xadrez e tinha um Cadillac verde apenas porque este tinha cinzeiro, para citar apenas algumas de suas muitas extravagâncias. Amigo de Mário de Andrade, era seu oposto: milionário, extrovertido, mulherengo (casou-se 5 vezes, as mais célebres sendo as duas primeiras esposas: Tarsila do Amaral e Patrícia "Pagu" Galvão).

“Viajei, fiquei pobre, fiquei rico, casei, enviuvei, casei, divorciei, viajei, casei... já disse que sou conjugal, gremial e ordeiro. O que não me impediu de ter brigado diversas vezes à portuguesa e tomado parte em algumas batalhas campais.”


--nota autobiográfica - Diário de Notícias
Foi um dos principais artistas da Semana de Arte Moderna e lançou o Movimento Pau-Brasil e a Antropofagia, corrente que pretendia devorar a cultura européia e brasileira da época e criar uma verdadeira cultura brasileira. Fazendeiro de café, perdeu tudo e foi à falência em 1929 com o crash da Bolsa de Valores. Militante esquerdista, passou a divulgar o Comunismo junto com Pagu em 1931, mas desligou-se do Partido em 1945.
Sua obra é marcada por irreverência, coloquialismo, nacionalismo, exercício de demolição e crítica. Incomodar os acomodados, estimular o leitor através de palavras de coragem eram constantes preocupações desse autor.

“A situação ‘revolucionária’ desta bosta mental sul-americana apresentava-se assim: o contrário do burguês não era o proletário — era o boêmio! As massas, ignoradas no território e como hoje, sob a completa devassidão econômica dos políticos e dos ricos. Os intelectuais brincando de roda.”


--prefácio de Serafim Ponte Grande
Depois de participar da SAM, viaja à Europa e o diário de bordo destas viagens é o romance cubista Memórias Sentimentais de João Miramar, que os críticos chamaram de prosa telegráfica. Este romance-caleidoscópio inaugura, no nível da prosa, a tendência antinormativa da literatura contemporânea, rompendo os modelos realistas. Seus 163 fragmentos registram a trajetória do brasileiro rico de todos os tempos: Europa - casamento - amante - desquite - vida literária - apertos financeiros - ...

“Beiramávamos em auto pelo espelho de aluguel arborizado das avenidas marinhas sem sol. / Losango, tênues de ouro bandeiranacionalizavam o verde dos montes interiores. / No outro lado azul da baía a Serra dos Órgãos serrava. / Barcos. E o passado voltava na brisa de baforadas gostosas. Tolah ia vinha derrapava entrava em túneis. / Copacabana em um duelo arrepiado na luminosa noite varada pelas frestas da cidade.”


--66. Botafogo, in Memórias Sentimentais de João Miramar
Em Paris, deslumbrado, descobriu a própria Terra: tinha nventado a poesia de exportação — o Pau-Brasil. Poemas-pílilas, onde mistura-se a linguagem antiga dos cronistas e jesuítas com o modo de falar atual. Com essa mistura, tempera seus poemas com sua fina ironia.

relicácio - “No baile da Corte / Foi o Conde d’Eu quem disse / Pra Dona Benvinda / Que farinha de Suruí / Pinga de Parati / Fumo de Baependi / É comê bebê pitá e caí”


--Pau-Brasil
O momento esteticamente mais radical do Modernismo foi a Antropofagia. Invocando a cultura e os costumes primitivos do Brasil, este movimento afirma a necessidade de sermos um povo antropófago, para não nos atrofiarmos culturalmente. Deve-se filtrar as contribuições estrangeiras para alcançar uma síntese transformadora.
Com a crise econômica de 1929, Oswald passa por difíceis condições financeiras e se vê obrigado a conjugar o verbo “crakar”

“Eu empobreço de repente / Tu enriqueces por minha causa / Ele azula para o sertão / Nós entramos em concordata / Vós protestais por preferência / Eles escafedem a massa / Sê pirata / Sede trouxas / Abrindo o pala / Pessoal sarado / Oxalá eu tivesse sabido que esse verbo era irrregular.”


--Memórias Sentimentais de João Miramar
Falido economicamente, Oswald vai se pendurar nos “reis da vela”, os agiotas do beco do escarro (zona bancária de SP). Com isso, o autor vai recolhendo material para sua peça O Rei da Vela.
Serafim Ponte Grande é o romance que testemunha a fase de identidade ideológica com a esquerda. Serafim encarna o mito do herói latino-americano individual que parte como um louco em busca da libertação e da utopia. . Oswald projeta em Serafim o herói que vai remar sempre contra a corrente do inconformismo, procurando romper, através da crítica, do sarcasmo e da ironia as rédeas sufocantes do ser burguês. Por ser o sonhe de Serafim individual, acaba frustrando-se e, depois de aprender as duras realidades da vida, torna-se um irrecuperável marginal que cai fora do sistema.

“— Tudo é tempo e contra-tempo! E o tempo é eterno. Eu sou uma forma vitoriosa do tempo. Em luta seletiva, antropofágica. Com outras formas do tempo: moscas, eletro-éticas, cataclismas, polícias e marimbondos! / Ó criadores das elevações ertificiais do destino eu vos digo! A felicidade do homem é uma felicidade guerreira. Tenho dito. Viva a rapaziada! O gênio é uma longa besteira!”


--Serafim Ponte Grande
Morreu sofrendo dificuldades de saúde e financeiras, mas sem perder o contato com os artistas da época.
epitáfio - “Eu sou redondo, redondo / Redondo, redondo eu sei / Eu sou uma redond’ilha / Das mulheres que beijei / Vou falecer do oh! amor / Das mulheres de minh’ilha / Minha caveira rirá ah! ah! ah! / Pensando na redondilha”
Obras principais:
·         Poesia
o    Pau-Brasil (1925)
o    Primeiro Caderno de Poesia do Aluno Oswald de Andrade (1927)
o    Poesias Reunidas (edição póstuma)
·         Romance
o    Os Condenados (I - Alma, II - Estrela do Absinto, III - A escada, 1922 a 1934)
o    Memórias Sentimentais de João Miramar (1924)
o    Serafim Ponte Grande (1933)
o    Marco Zero (I - A Revolução Melancólica, II - Chão, 1943 a 1946)
·         Manifestos, teses e ensaios
o    Manifesto Pau-Brasil (1925)
o    Manifesto Antropófago (1928)
o    A Arcádia e a Inconfidência (1945)
o    Ponta de Lança (1945)
o    A Crise da Filosofia Messiânica (1946)
o    A Marcha das Utopias (1966)
·         Teatro
o    O Homem e o Cavalo (1934)
o    O Rei da Vela (1937)
o    A Morta (1937)
o    O Rei Floquinhos (Infantil, 1953)
·         Memórias
o    Um Homem sem Profissão (1954)
·         Crônicas
o    Telefonemas (edição póstuma)

Textos


Evocação do Recife
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais.
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois — Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância (...)



--Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha  me contar
Vou-me embora pra Pasárgada.
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.



--Manuel Bandeira


pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro



--Fragmentos do livro de poesias Pau-Brasil, de Oswald de Andrade

erro de português
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
o português.



--Fragmentos do livro de poesias Pau-Brasil, de Oswald de Andrade


Mário de Andrade
Eu insulto o burguês! O burguês níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os ‘Printemps’ com as unhas!
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas! (...)

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo1 Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burguês!...



--Fragmentos de Ode ao Burguês

Segunda fase Modernista no Brasil - (1930-1945)

Estende-se de 1930 a 1945, sendo um período rico na produção poética e também na prosa. O universo temático se amplia e os artistas passam a preocupar-se mais com o destino dos homens, o estar-no-mundo.

“A segunda fase colheu os resultados da precedente, substituindo o caráter destruidor pela intenção construtiva, “pela recomposição de valores e configuração da nova ordem estética”.


--Cassiano Ricardo
Durante algum certo tempo, a poesia das gerações de 22 e 30 conviveram. Não se trata, portanto, de uma sucessão brusca. A maioria dos poetas de 30 absorveria parte da experiência de 22: liberdade temática, gosto da expressão atualizada ou inventiva, verso livre, anti-academicismo.
A poesia prossegue a tarefa de purificação de meios e formas iniciada antes, ampliando a temática na direção da inquietação filosófica e religiosa, com Vinícius de Moraes, Jorge de Lima, Augusto Frederico Schmidt, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, ao tempo em que a prosa alargava a sua área de interesse para incluir preocupações novas de ordem política, social e econômica, humana e espiritual. À piada sucedeu a gravidade de espírito, a seriedade da alma, propósitos e meios. Uma geração grave, preocupada com o destino do homem e com as dores do mundo, pelos quais se considerava responsável, deu à época uma atividade excepcional.
O humor quase piadístico de Drummond receberia influencias de Mário e Oswald de Andrade. Vinícius, Cecília, Jorge de Lima e Murilo Mendes apresentam certo espiritualismo que vinha do livro de Mário Há uma gota de Sangue em cada Poema (1917).
A geração de 30 não precisou ser combativa como a de 22. Eles já encontraram uma linguagem poética modernista estruturada. Passaram então a aprimorá-la e extrair dela novas variações, numa maior estabilidade.
O Modernismo já estava dinamicamente incorporado `as praticas literárias brasileiras, sendo assim os modernistas de 30 estão mais voltados ao drama do mundo e ao desconcerto do capitalismo.

"Este é tempo de partido, / tempo de homens partidos. (...) Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. / As leis ano bastam. Os lírios ano nascem da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se / na pedra."


--Carlos Drummond de Andrade, in Nosso Tempo

Características

·         Repensar a historia nacional com humor e ironia - " Em outubro de 1930 / Nós fizemos — que animação! — / Um pic-nic com carabinas." (Festa Familiar - Murilo Mendes)
·         Verso livre e poesia sintética - " Stop. / A vida parou / ou foi o automóvel?" (Cota Zero, Carlos Drummond de Andrade)
·         Nova postura temática - questionar mais a realidade e a si mesmo enquanto indivíduo
·         Tentativa de interpretar o estar-no-mundo e seu papel de poeta
·         Literatura mais construtiva e mais politizada.
·         Surge uma corrente mais voltada para o espiritualismo e o intimismo (Cecília, Murilo Mendes, Jorge de Lima e Vinícius)
·         Aprofundamento das relações do eu com o mundo
·         Consciência da fragilidade do eu - "Tenho apenas duas mãos / e o sentimento do mundo" (Carlos Drummond de Andrade - Sentimento do Mundo)
·         Perspectiva única para enfrentar os tempos difíceis é a união, as soluções coletivas - " O presente é tão grande, ano nos afastemos, / Ano nos afastemos muito, vamos de mãos dadas." (Carlos Drummond de Andrade - Mãos dadas)

Autores Principais - Poesia

Carlos Drummond de Andrade

Mineiro, trabalha lecionando em Itabira e, em 45, trabalha na diretoria de um jornal comunista. Maior nome da poesia contemporânea, registrando a realidade cotidiana e os acontecimentos da época.
Ironia fina, lucidez, e calma, traduzidos numa linguagem flexível, rica, mas rica de dimensões humanas.
Poesias refletem os problemas do mundo e do ser humano diante dos regimes totalitários, da 2a GM e da guerra fria.
Poesia de Drummond apresenta uns momentos de esperança, mas prevalece a descrença diante do rumo dos acontecimentos.
Nega formas de fuga da realidade, volta-se para o momento presente.

"Ano serei o poeta de um mundo caduco. / Também ano cantarei o mundo futuro. / Estou preso `a vida e olho meus companheiros. (...) O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, / a vida presente."


--Mãos Dadas
A partir de Lição das Coisas (1962), há maior preocupação maior com objetos, valorizando mais os aspectos visuais e sonoros - tendência concreto-formalista.
Carlos Drummond de Andrade propõe a divisão temática de sua obra, numa seleção que faz para sua Antologia Poética:
1.     o indivíduo
2.     a terra natal
3.     a família
4.     os amigos
5.     o choque social
6.     o conhecimento amoroso
7.     a própria poesia
8.     exercícios lúdicos
9.     uma visão, ou tentativa de, da existência
Obras:
·         Poesia:
o    Alguma Poesia (1930)
o    Brejo das Almas (1934)
o    Sentimento do Mundo (1940)
o    Poesias (1942)
o    A Rosa do Povo (1945)
o    Poesia até agora (1948)
o    Claro Enigma (1951)
o    Viola de Bolso (1952)
o    Fazendeiro do Ar e Poesia até Agora (1953)
o    Viola de Bolso Novamente Encordoada (1955)
o    Poemas (1959)
o    A Vida Passada a Limpo (1959)
o    Lição de Coisas (1962)
o    Versiprosa (967)
o    Boitempo (1968)
o    Menino Antigo (1973)
o    As Impurezas do Branco (1973)
o    Discurso da Primavera e outras Sombras (1978)
·         Prosa:
o    Confissões de Minas (ensaios e crônicas, 1944)
o    Contos de Aprendiz (1951)
o    Passeios na Ilha (ensaios e crônicas, 1952)
o    Fala, Amendoeira (1957)
o    a Bolsa e a Vida (crônicas e poemas, 1962)
o    Cadeira de Balanço (crônicas e poemas, 1970)
o    O Poder Ultrajovem e mais 79 Textos em Prosa e Verso (1972)

Murilo Mendes (1902-1975)

Mineiro, que caminha das sátiras e poemas-piada, ao estilo oswaldiano, para uma poesia religiosa, sem perder o contato com a realidade. Poeta modernista mais infuenciado pelo Surrealismo europeu.
Guerra foi tema de diversos poemas seus. Seus textos caracterizam-se por novas formas de expressão, e livre associação de imagens e conceitos.
A partir de Tempo e Eternidade (1935), parte para a poesia mística e religiosa. Dilema entre poesia e Igreja, finito e infinito, material e espiritual, sem abandonar a dimensão social.

"Eu amo minha família sobrenatural, / Aquela que ano herdei, / Aquela que ama o Eterno. / São poetas, são musas, são iluminados / Que vivem mirando os seus fins transcendentes. / Que vivem mirando os seus fins transcendentes. / 'o mundo, minha família sobrenatural ano te possuiu. / Minha angústia vive nela e com ela, / E eu formarei poetas no futuro / `A sua imagem e semelhança. E todos ajuntando novos membros ao corpo / De que Cristo Jesus é a cabeça / Irradiarão as palavras do Eterno."


--communicantes
Também é poeta especulador, que usa a linguagem em busca de novos conceitos.

"O poema é texto? O poeta? / O poema é o texto + o poeta? / O poema é o poeta - o texto? / O texto é o contexto do poeta / Ou o poeta do contexto do texto? / O texto visível é o texto total / O antetexto e o antitexto / Ou as ruínas do texto? / O texto abole / Cria / Ou restaura?"


--Texto de Consulta
Essa condição barroca de sua poesia associa-se a um trabalho das imagens visuais. Empolgado com a beleza, afirmava que tudo era belo pois pertencia `a Criação. Só as ações humanas justificavam o feio.
Consciência do caos, do mundo esfacelado, civilização decadente. Trabalho do poeta é tentar ordenar esse caos.

" (...) A infância vem da eternidade. / Depois só a morte magnífica / — Destruição da mordaça: / E talvez já' a tivesse entrevisto / Quando brincavas com o pião / Ou quando desmontaste o besouro. Entre duas eternidades / Balançam-se espantosas / Fome de amor e a música: / Rude doçura / 'Ultima passagem livre. Só vemos o céu pelo avesso."


--Poesia de Liberdade
Para Murilo, a beleza é fundamental. Mulher, para Murilo, éigual a amor, abordada de forma erótica.

"Tudo o que te rodeia e te serve
Aumenta a fascinação, o segredo
Teu véu se interpõe entre ti e meu corpo,
é a grade do meu cárcere. (...)
Tudo o que faz parte de ti —  desde teus sapatos —
Está unido ao pecado e ao prazer,
`A teologia, ao sobrenatural."



--Em Pânico, in Antologia Poética
Obras : Poemas (1930), História do Brasil (1932), Tempo e Eternidade (com Jorge de Lima, 1935), A Poesia em Pânico (1938), O Visionário (1941), As Metamorfoses (1944), O Discípulo de Emaús (prosa, 1944), Mundo Enigma, (1945), Poesia Liberdade (1947), Janela do Caos (1948), Contemplação de Ouro Preto (1954), Poesias (1959), Tempo Espanhol (1959), Poliedro (1962), Idade do Serrote (Memórias, 1968), Convergência (1972), Retratos Relâmpago (1973), Ipotesi (1977)

Jorge de Lima (1898-1953)

Alagoano ligado diretamente à política, estréia com a obra XVI Alexandrinos fortemente influenciado pelo Parnasianismo, o que lhe deu o título de Príncipe dos Poetas Alagoanos. Sua obra posteriormente chega a uma poesia social, paralela a uma poesia religiosa.
Na poesia social apresenta-se a cor local, através do resgate da memória do autor de menino branco com infância cheia de imagens de negros escravos e engenhos. Por vezes, amplia a abordagem com denúncia das desigualdades sociais.

“A filha de Pai João tinha um peito de / Turina para os filhos de Ioiô mamar: / Quando o peito secou a filha de Pai João / Também secou agarrada num / Ferro de engomar. / A pele de Pai João ficou na ponta / Dos chicotes. / A força de Pai João fìcou no cabo Da enxada e da foice. / A mulher de Pai João o branco / A roubou para fazer mucamas."


--Pai João
A partir de Tempo e Eternidade, há a preocupação da restauração da Poesia em Cristo. Essa temática religiosa também está presente em A Túnica Inconsútil e Mira Coeli.
Tem ainda um poema épico à moda de Camões e Dante, usando 10 cantos para mostrar o dilema barroco de um homem indeciso entre o material e o espiritual.

Mulher Proletária
Mulher proletária - única fábrica
que o operário tem, (fabrica filhos)
 tu
na tua superprodução de máquina humana
forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês.

Mulher proletária,
0 operário, teu proprietário
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar o teu proprietário.



--Poesias, 1975
Obras:
·         Poesia - XIV Alexandrinos (1914), O Mundo do Menino Impossível (1925), Poemas (1927), Novos Poemas (1929), Poemas Escolhidos (1932), Tempo e Eternidade (em colaboração com Murilo Mendes, 1935), Quatro Poemas Negros (1937), A Túnica lnconsútil (1938), Poemas Negros (1947), Livro de Sonetos (1949), Obra Poética (incluindo os anteriores e mais Anunciação e Encontro de Mira-Celi), 1950), Invenção de Orfeu (1952)
·         Romance - Salomão e as mulheres (1927), O Anjo (1934), Calunga (1935), A Mulher Obscura (1939), Guerra Dentro do Beco (1950)
·         Teatro - A Filha da Mãe D'Água, As Mãos, Ulisses
·         Cinema - Os Retirantes (argumento de filme)

Cecília Meireles

Órfã, carioca, foi criada pela avó e fez Magistério e lecionou Literatura em várias universidades.
Estréia com o livro Espectros (1919), participando da corrente espiritualista, sob a influência dos poetas que formariam o grupo da revista Festa (neo-simbolista).
Suas principais características são sensibilidade forte, intimisno, introspecção, viagem para dentro de si mesma e consciência da transitoriedade das coisas (tempo = personagem principal). Para ela as realidades não são para se filosofar, são inexplicáveis, basta vivê-las.

Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje, / assim calmo, assim triste, assim magro, / nem estes olhos tão vazios, / nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força, / tão paradas e frias e mortas; / eu não tinha este coração / que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança, / tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?


--Flor de Poemas
Assim sua obra apresenta uma atmosfera de sonho, fantasia,em contraste com solidão e padecimento. Linguagem simbólica, com imagens sugestivas e constantes apelos sensoriais (metáforas, sinestesias, aliterações e assonâncias).

Rômulo rema
Rômulo rema no rio. / A romã dorme no ramo, / a romã rubra. (E o céu.)
O remo abre o rio. / O rio murmura,
A romã rubra dorme / cheia de rubis. (E o céu.)
Rômulo rema no rio.
Abre-se a romã. / Abre-se a manhã.
Rolam rubis rubros do céu.
No rio, / Rômulo rema.



--Ou isto ou aquilo
Obras:
·         Poesia : Espectros (1919), Nunca mais... e Poema dos Poemas (1923), Baladas para EI-rei (1925), Viagem (1939), Vaga Música (1942), Mar Absoluto (1945), Retrato Natural (1949), Ama em Leonoreta (1952), Doze Noturnos de Holanda e o Aeronauta (1952) Romanceiro da Inconfidência (1953), Pequeno Oratório de Santa Clara (1955) Pistóia, Cemiério Militar Brasileiro (1955) Canções (1956), Romance de Santa Cecília (1957), A Rosa (1957), Metal Rosicler (1960), Poemas Escritos na Índia (1962) Antologia Poética (1963) Solombra (1963), Ou isto ou Aquilo (1965), Crônica Trovada da Cìdade de San Sebastian (1965) Poemas Italianos (1968)
·         Teatro : O Menino Atrasado (1966)
·         Ficção : Olhinhos de Gato (s/d)
·         Prosa poética : Giroflê, Giroflá (1956), Evocação Lírica de Lisboa (1948) Eternidade de Israel (1959)
·         Crônica : Escolha o seu Sonho (1964) Inéditos (1968)

Vinícius de Moraes

Carioca conhecido como Poetinha, participou também da MPB desde a Bossa-nova até sua morte. Assim como Cecília, inicia sua carreira ligado ao neo-simbolismo da corrente espiritualista e também a renovação católica de 30.
Vários de seus poemas apresentam tom bíblico, mas há, concomitantemente, um sensualismo erótico. Essa dualidade acentua a contradição entre o prazer da carne e a formação religiosa. Valoriza o momento com presença de imediatismos (de repente constante). Temática constante o jogo entre felicidade e infelicidade, onde muitas vezes associa a inspiração poética com a tristeza, sem abandonar o social.

“É melhor ser alegre que ser triste / A alegria é a melhor coisa que existe / É assim como a luz no coração”


--Samba da Bênção

“Para que vieste / Na minha janela / Meter o nariz? / Se foi por um verso / Não sou mais poeta / Ando tão feliz.”


--A um Passarinho
Obras:
·         Poesia: O Caminho para a Distância (1933), Forma e Exegese (1935), Ariana, a Mulher (1936), Novos Poemas (1938), Cinco Elegias (1943), Poemas, Sonetos e Baladas (1946), Pátria Minha (1949), Livro de Sonetos (1956), O Mergulhador (1965), A Arca de Noé (1970), O Dever e o Haver (inédito)
·         Teatro: Orfeu da Conceição (Tragédia carioca em três atos, escrita em versos, 1954), Cordélia e O Peregrino (em versos, 1965), Pobre Menina Rica (comédia musicada, 1962), Chacina de Barros Filho (drama, inédito)
·         Prosa: Reportagens Poéticas (inéditas em livro), O Amor dos Homens (crônicas, 1960), Para viver um Grande Amor (crônicas, 1962), Para uma menina com uma Flor (crônicas, 1966), Crônicas (in J. B. de 15/6/69 a 20/10/69)

Textos


Fragmentos de Procura da Poesia, in A Rosa do Povo
Ano facas versos sobre acontecimentos.
Ano ha' criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
ano aquece nem ilumina. (...)
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda ano é poesia. (...)
O canto ano é  a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança, nada significam.
A poesia (ano tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto. (...)
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas ano há desespero,
há calma e frescura na superfície inata
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escreve-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silencio.
Ano forces o poema a  desprender-se do limbo.
Ano colhas no chão o poema que se perdeu.
Ano adules o poema. Aceita-o
como ele aceitara' a sua forma definitiva e concentrada no espaço.

Chega perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave? (...)



--Carlos Drummond de Andrade

Canção do Exílio
Minha terra tem macieiras da Califórnia
Onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente ano pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!



--Murilo Mendes


Elegia a uma pequena borboleta
Como chegavas do casulo, / — inacabada seda viva — / tuas antenas — fios soltos / da trama de que eras tecida, / e teus olhos, dois grãos da noite / de onde o teu mistério surgia,
como caíste sobre o mundo / inábil, na manhã tão clara, / sem mãe, sem guia, sem conselho, / e rolavas por uma escada / como papel, penugem, poeira, / com mais sonho e silêncio que asas,
minha mão tosca te agarrou / com uma dura, inocente culpa, / e é cinza de lua teu corpo, / meus dedos, sua sepultura. / Já desfeita e ainda palpitante, / expiras sem noção nenhuma.
Ó bordado do véu do dia, / transparente anêmona aérea! /não leves meu rosto contigo: / leva o pranto que te celebra, / no olho precário em que te acabas, / meu remorso ajoelhado leva! (...)
Pudeste a etéreos paraísos / ascender teu leve fantasma, / e meu coração penitente ser a rosa desabrochada / para servir-te mel e aroma, / por toda a eternidade escrava!
E as lágrimas que por ti choro / fossem o orvalho desses campos, / — os espelhos que refletissem / — vôo e silêncio — os teus encantos, / com a ternura humilde e o remorso / dos meus desacertos humanos!
(Retrato Natural)



--Cecília Meireles

Segunda fase Modernista no Brasil (1930-1945) - Prosa

Romances caracterizados pela denúncia social, verdadeiro documento da realidade brasileira, atingindo elevado grau de tensão nas relações do eu com o mundo. Uma das principais características do romance brasileiro é o encontro do escritor com seu povo. Há uma busca do homem brasileiro nas diversas regiões, por isso o regionalismo ganha importância, com destaque às relações do personagem com o meio natural e social.
Os escritores nordestinos merecem destaque especial, por sua denúncia da realidade da região pouco conhecida nos grandes centros. O 1° romance nordestino foi A Bagaceira de José Américo de Almeida. Esses romances retratam o surgimento da realidade capitalista, a exploração das pessoas, movimentos migratórios, miséria, fome, seca etc.

Autores Principais

Rachel de Queiroz (1910 - )

Cearense, viveu na infância o problema da seca que atingiu uma propriedade de sua família. Em 1930 (aos 20 anos) publica o romance O Quinze, que lhe angaria um prêmio e reconhecimento público.
Participa ativamente da política, militando no Partido Comunista Brasileiro e é presa em 1937, por suas idéias esquerdistas. A partir de 1940 dedica-se à crônica e ao teatro. Quebrou uma velha tradição, ao tornar-se (1977) a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras.
Sua literatura caracteriza-se, a princípio, pelo caráter regionalista e sociológico, com enfoque psicológico, que tende a se valorizar e a aprofundar-se à proporção que sua obra amadurece. Seu estilo é conciso e descarnado, sua linguagem fluente, seus diálogos vivos e acessíveis, o que resulta numa narrativa dinâmica e enxuta.
O Quinze e João Miguel há coexistência do social e ppsicológico. Caminho de Pedras é o ponto máximo de sua literatura engajada e de esquerda (mais social e político). As Três Marias abandona o aspecto social, enfatizando a análise psicológica.
Obras:
·         Romances: O Quinze(1930) e João Miguel (1932) - seca; coronelismo; impulsos passionais / Caminho de Pedras (1937) e As Três Marias (1939) - literatura engajada, esquerdizante, social e política, trata ainda da emancipação feminina / O Galo de Ouro (folhetim em “O Cruzeiro”) / Memorial de Maria Moura (1992; surpreende seu público e é adaptado para a televisão)
·         Teatro: Lampião (1953), A Beata Maria do Egito (1958, raízes folclóricas), A Sereia Voadora.
·         Crônica: A Donzela e a Moura Torta (1948), Cem Crônicas Escolhidas (1958), O Brasileiro Perplexo (1963, Histórias e Crônicas), O Caçador de Tatu (1967)
·         Literatura Infantil: O Menino Mágico, Andira.

José Lins do Rego (1901 - 1957)

Paraibano, é considerado um dos melhores representantes da literatura regionalista do Modernismo. Em Recife, aproxima-se de José Américo de Almeida e Gilberto Freire, intelectuais responsáveis pela divulgação do modernismo no nordeste e pela preocupação regionalista. Mais tarde também conhece Graciliano Ramos, e depois para o Rio de Janeiro, onde participa ativamente da vida literária. Sua infância no engenho influenciou fortemente sua obra.
Suas obras Menino de Engenho, Doidinho, Bangüê, Moleque Ricardo, Usina e Fogo Morto compõem o que se convencionou chamar de “ciclo da cana de açúcar”. Nestas obras J. L. Rego narra a gradativa decadência dos engenhos e a transformação pela qual passam a economia e a sociedade nordestina. Sua técnica narrativa se mantém nos moldes tradicionais da literatura realista: linearidade, construção do personagem baseado na descrição dos caracteres, linguagem coloquial, registro da vida e dos costumes. O tom memorialista é o fio condutor de uma literatura que testemunha uma sociedade em desagregação: a sociedade do engenho patriarcalista, escravocrata. As obras mais representativas desta fase são Menino de Engenho e Fogo Morto. A primeira é a história de um menino, órfão de pai e mãe, que é criado no Engenho Santa Rosa, de seu avô José Paulino, típico representante do latifundiário nordestino. Há momento de grande emoção na obra, como a descrição da enchente, o castigo dos escravos, a descoberta da própria sexualidade.
Fogo Morto é considerada sua melhor obra: dividida em três partes que se interrelacionam, compõe um quadro social e humano do Nordeste. Mestre José Amaro, seleiro, orgulhoso de sua profissão, sofre as pressões do coronel Lula de Holanda, senhor do Engenho Santa Fé, em decadência econômica. Antônio Silvino, cangaceiro, é o terror da região e ataca os engenhos. O capitão Vitorino Carneiro da Cunha, lunático, é uma espécie de místico e profeta do sertão.
Além destas obras, José Lins escreveu: Pedra Bonita e Cangaceiros, onde continua a traçar um quadro da vida nordestina, aproveitando agora elementos do folclore e do cordel. Estes romances pertencem ao “ciclo do cangaço, misticismo e seca”. Além destes, escreveu também Água-mãe e Eurídice, de ambientação urbana.
Obras:
·         Romances: Menino de Engenho (1932), Doidinho (1933), Bangüê (1934), O Moleque Ricardo (1935), Usina (1936), Pureza (1937), Pedra Bonita (1938), Riacho Doce (1939), Água-mãe (1941), Fogo Morto (1943), Eurídice (1947), Cangaceiros (1953).
·         Literatura infantil, memórias e crônicas: Histórias da Velha Totônia (1936), Gordos e Magros (1942), Seres e Coisas (1952), Meus Verdes Anos (1956).

Graciliano Ramos (1892-1953)

Alagoano, faz jornalismo e política estreando com Caetés (1933). Em Maceió conheceu alguns escritores do grupo regionalista: José Lins, Jorge Amado, Raquel de Queirós. Nessa época redige S. Bernardo e Angústia.
Envolvendo-se em política, é preso e acusado de comunista, essas experiências pessoais são retratadas em Memórias do Cárcere. Em 1945 ingressa no Partido Comunista e empreende uma viagem aos países socialistas, narrada no livro Viagem.
Considerado o melhor romancista moderno da literatura brasileira. Levou ao limite o clima de tensão presente nas relações entre o homem e o meio natural, o homem e o meio social. Mostrou que essas tensões são capazes de moldar personalidades e transformar comportamentos, até mesmo gerar violência.
Luta pela sobrevivência é o ponto de ligação entre seus personagens, onde a lei maior é a lei da selva. A morte é uma constante em suas obras como final trágico e irreversível (suicídios em Caetés e São Bernardo, assassinato em Angústia e as mortes do papagaio e da cadela Baleia em Vidas Secas).
Antonio Candido propõe uma divisão da obra em 3 partes:
romances em 1ª pess. (Caetés, São Bernardo e Angústia) - pesquisa da alma humana e retrato e análise da sociedade
romances em 3ª pess. (Vidas Secas) - enfoca modos se der e as condições de existência no meio da seca
autobiografias (Infância e Memórias do Cárcere) - coloca-se como caso humano, como uma necessidade de depor, denunciar
Seua personagens são seres oprimidos e moldados pelo meio. Tanto Paulo Honório (personagem de São Bernardo), quanto Luís da Silva (de Angústia) são o que se chama de “herói problemático”, em conflito com o meio e consigo mesmos, em luta constante para adaptar-se e sobreviver, insatisfeitos e irrealizados. Linguagem sintética e concisa.
Obras : Caetés (1933), S. Bernardo (1934), Angústia (1936), Vidas Secas (1938), Dois Dedos (1945), Insônia (1947), Infância (1945), Memórias do Cárcere (1953), Histórias de Alexandre (1944), Viagem (1953), Linhas Tortas (1962) etc.

Jorge Amado (1912 -)

Nasceu na zona cacaueira baiana e depois morou em Salvador, essas referências são fontes de inspiração para suas obras. Estréia com O País do Carnaval e, levado por Rachel de Queiroz, filia-se ao Partido Comunista Brasileiro, por onde mais tarde torna-se deputado. Sofre perseguições políticas, exila-se e mais tarde é preso.
Na vasta ficção de Jorge Amado convivem lirismo, sensualismo, misticismo, folclore, idealismo, engajamento político, exotismo. Este painel, sem dúvida, bastante rico, aliado a uma linguagem coloquial, fluida, espontânea, aparentemente sem elaboração, tem sido responsável pela grande aceitação popular de sua obra. Além disso, seus heróis são marginais, pescadores, marinheiros, prostitutas e operários; todos personagens de origem popular. Suas obras estão ambientadas no quadro rural e urbano da Bahia e seu aspecto documental a torna autenticamente regionalista.
Podemos dividir assim a sua produção:
·         Ciclo do Cacau: Cacau, Suor, Terras do Sem Fim, São Jorge de Ilhéus - problemas coletivos, “realismo socialista”.
·         Romances líricos, com um fundo de problemática social: Jubiabá, Mar Morto, Capitães de Areia.
·         Romances de costumes provincianos, geralmente sentimentais e eróticos: Gabriela, Cravo e Canela, Dona Flor e Seus Dois Maridos.
Obra bastante vasta, incluindo ainda escritos de pregação partidária (Cavaleiro da Esperança, Os Subterrâneos da Liberdade).
Obras : A.B.C de Castro Alves; O Cavaleiro da Esperança. A vida de Luis Carlos Prestes; Agonia da Noite; O Amor de Soldado; Os Ásperos Tempos; Bahia Amada Amado (Jorge Amado e Maureen Bisilliat); Bahia de Todos os Santos; A Bola e o Goleiro; Brandão entre o Mar e o Amor; Cacau; O Capeta Carybe; Capitães de Areia; O Capitão de Longo Curso; Compadre de Ogum; A Descoberta da América pelos Turcos; Dona Flor e seus Dois Maridos; Farda Fardão Camisola de Dormir; Gabriela, Cravo e Canela; O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá; Jubiaba; Tereza Batista Cansada de Guerra; O Sumiço da Santa; Suor; Tenda dos Milagres; A Luz no Túnel; Terras do Sem Fim; Mar Morto; Tieta do Agreste; Tocaia Grande; Os velhos Marinheiros; O Menino Grapuina; O Milagre dos Pássaros; A Morte e a Morte de Quincas Berro D’gua; Navegação de Cabotagem; O País do Carnaval; Os Pastores da Noite; São Jorge dos Ilhéus; Seara Vermelha; O Capitão de Longo Curso; Os Primeiros Subterrâneos da Liberdade, I; Os Subterrâneos da Liberdade,II; Os Subterrâneos da Liberdade,III; Os Subterrâneos da Liberdade,IV.

Érico Veríssimo (1905-1975)

Sua família rica foi à falência e o escritor teve que trabalhar sem possibilidade de seguir estudos. Em Porto Alegre, entra em contato com a vida literária e inicia-se no jornalismo. Começa então a publicar contos e romances, entre os quais, Clarissa, que logo se tornou um sucesso. Viajou para vários países, lecionou Literatura Brasileira nos EUA e trabalhou na OEA. Voltando ao Brasil, dedica-se a escrever e produz uma vasta obra.
Escritor de grandes dimensões, em sua produção se incluem romances, crônicas, literatura infantil. Os romances que compõem a trilogia O Tempo e o Vento (O Continente, O Retrato, O Arquipélago) traçam um painel histórico de várias gerações: desde a época colonial sucedem-se as lutas entre portugueses e espanhóis, farrapos e imperiais, maragatos e pica-paus (nomes dos partidos em guerra política). Duas famílias, os Terra Cambará e os Amaral, são durante dois séculos o fio narrativo que unifica a história. Érico Veríssimo compõe uma verdadeira saga romanesca, com todas as suas características: guerras intermináveis, aventuras, amores, traições, gerações que se sucedem, criando um painel histórico da comunidade rio-grandense e do próprio Brasil. A obra é uma aglutinação de novelas, onde ressaltam as figuras épicas de Ana Terra e do Capitão Rodrigo Cambará. O estilo de Érico Veríssimo é coloquial, poético, intimista. Sua técnica de construção é o contraponto: onde várias histórias se desenvolvem paralelamente, a ação concentrada e o dinamismo. Em suas últimas obras, como O Prisioneiro, O Senhor Embaixador e Incidente em Antares, desenvolveu a ficção política, ambientada nos dias atuais.
Obras : Fantoches; Clarissa; Música ao Longe; Caminhos Cruzados; Um Lugar ao Sol; Olhai os Lírios do Campo; Saga; O Resto é Silêncio; Noite; O Tempo e o Vento: O Continente, O Retrato, O Arquipélago; O Senhor Embaixador; Incidente em Antares; Aventuras de Tibicuera; Gato Preto em Campo de Neve.

Terceira fase Modernista no Brasil (1945- +/- 1960)

A literatura brasileira, assim como o cenário sócio-político, passa por transformações.
A prosa tanto no romance quanto nos contos busca uma literatura intimista, de sondagem psicológica, introspectiva, com destaque para Clarice Lispector. Ao mesmo tempo, o regionalismo adquire uma nova dimensão com Guimarães Rosa e sua recriação dos costumes e da fala sertaneja, penetrando fundo na psicologia do jagunço do Brasil central. Um traço característico comum a Clarice e Guimarães Rosa é a pesquisa da linguagem, por isso são chamados instrumentalistas. Enquanto Guimarães Rosa preocupa-se com a manutenção do enredo com o suspense, Clarice abandona quase que completamente a noção de trama e detém-se no registro de incidentes do cotidiano ou no mergulho para dentro dos personagens.
Na poesia, surge uma geração de poetas que se opõem às conquistas e inovações dos modernistas de 22. A nova proposta foi defendida, inicialmente, pela revista Orfeu (1947). Assim, negando a liberdade formal, as ironias, as sátiras e outras “brincadeiras” modernistas, os poetas de 45 buscam uma poesia mais “equilibrada e séria”. Os modelos voltam a ser os Parnasianos e Simbolistas. Principais autores (Ledo Ivo, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Geir de Campos e Darcy Damasceno). No fim dos anos 40, surge um poeta singular, pois não está filiado esteticamente a nenhuma tendência: João Cabral de Melo Neto.

Referências históricas

1945 = fim da 2ª GM, início da Era Atômica (Hiroxima e Nagasaki), ONU, Declaração dos Direitos do Homem, Guerra Fria. No Brasil, fim da ditadura Vargas, redemocratização brasileira, retomada de perseguições políticas, ilegalidades e exílios.

Autores Principais

Guimarães Rosa (1908 - 1967)

Mineiro, formou-se em Medicina e clinicou pelo interior, foi ministro e pela carreira diplomática esteve em Hamburgo, Bogotá e Paris. Foi eleito membro da ABL e faleceu 3 dias depois de sua posse.
A obra de G. Rosa é extremamente inovadora e original. Seu livro, Sagarana (1946), vem colocar uma espécie de marco divisor na literatura moderna do Brasil: é uma obra que se pode chamar de renovadora da linguagem literária. Seu experimentalismo estético, aliando narrativas de cunho regionalista a uma linguagem inovadora e transfigurada, veio transformar completamente o panorama da nossa literatura.
O livro Grande Sertão: Veredas (1956), romance narrado em primeira pessoa por Riobaldo num monólogo ininterrupto onde o autor e o leitor parecem ser os ouvintes diretos do personagem, G. Rosa recuperou a tradição regionalista, renovando-a. Há um clima fantástico na narrativa: Riobaldo conta suas aventuras de jagunço que quer vingar a morte de seu chefe, Joca Ramiro, assassinado pelo bando de Hermógenes.
Sua narrativa é entremeada por reflexões metafísicas em torno dos acontecimentos e dois fatos se repropõem constantemente: seu pacto com o Diabo e seu amor por Diadorim (na verdade, Deodorina, filha de Joca Ramiro, disfarçada de jagunço). As dúvidas de Riobaldo têm raízes místicas e sua narrativa torna-se então não mais um documento regionalista, mas uma obra de caráter universal, que toca em problemas que inquietam todos os homens: o significado da existência, as dimensões da realidade. Mas não é só isto que é novo em G. Rosa: sua linguagem é extremamente requintada.
Recuperando as matrizes arcaicas da língua portuguesa e fundindo-as com a fala sertaneja, G. Rosa chega a criar um linguajar mítico, onde o novo e o primitivo perdem as dimensões tornando-se um linguajar ao mesmo tempo real e irreal, pessoal e universal. Arcaísmos, neologismos, rupturas, fusões, toda uma técnica elaboradíssima que torna seu discurso literário ímpar em toda a nossa literatura.
Grande Sertão: Veredas e as novelas de Corpo de Baile incluem e revitalizam recursos da expressão poética: células rítmicas, aliterações, onomatopéias, ousadias mórficas, elipses, cortes e deslocamentos de sintaxe, vocabulário insólito, arcaico ou neológico, associações raras, metáforas, anáforas, metonímias, fusão de estilos.

“ — Êpa! Nomopadrofilhospiritossantamêin! Avança, cambada de filhos-da-mãe, que chegou minha vez!... / E a casa matraqueou que nem panela de assar pipocas, escurecida à fumaça dos tiros, com os cabras saltando e miando de maracajás, e Nhô Augusto gritando qual um demônio preso e pulando como des demônios soltos. / — Ô gostosura de fim-de-mundo!...”


--A Hora e a Vez de Augusto Matraga
Obras : Sagarana (1946), Corpo de Baile (depois desdobrado em Manuelzão e Miguilim, No Urubuquaquá no Pinhém, Noites do Sertão, 1956), Grande Sertão: Veredas (1956), Primeiras Estórias (1962), Tutaméia - Terceiras Estórias (1967): Estas Estórias (1969), Ave, Palavra (1970).

Clarice Lispector (1925 - 1977)

Ucraniana, veio com meses para o Brasil - por isso, sentia se “brasileira”. Tem por formação Direito. Em 1944 forma-se e publica o livro que escreveu durante o curso - Perto do Coração Selvagem surpreendendo a crítica e agradando ao público.
Casa-se com um diplomata, afastando-se do Brasil durante longos períodos, mas sem interromper a produção artística.
Principal nome da poesia intimista da moderna literatura brasileira, questionamento do ser, “estar-no-mundo”, a pesquisa do ser humano, resultando no romance introspectivo.
Características de sua producão literária:
·         sondagem dos mecanismos mais profundos da mente humana;
·         técnica “impressionista” de apreensão dessa realidade interior (predominância de impressões, de sensações);
·         ruptura com a seqüência linear da narrativa;
·         predomínio do tempo psicológico e, portanto, subversão do tempo cronológico;
·         características físicas das personagens diluem-se: muitas nem nome apresentam;
·         as ações passam a ter importância secundária, servindo principalmente como ilustração de características psicológicas das personagens (introspecção psicológica);
·         introdução da técnica do fluxo da consciência - quebra os limites espaço-temporais e o conceito de verossimilhança, fundindo presente e passado, realidade e desejo na mente dos personagens, cruzando vários eixos e planos narrativos sem ordem ou lógica aparente;
·         presença da epifania (“revelação”): aparentemente equilibradas e bem ajustadas, subitamente as personagens sentem um estranhamento frente a um fato banal da realidade. Nesse momento, mergulham num fluxo de consciência, do qual emergem sentindo-se diferentes em relação a si mesmas e ao mundo que as rodeia; esse desequilíbrio momentâneo por certo mudará sua vida definitivamente;
·         suas principais personagens são mulheres, mas não se limitam ao espaço do ambiente familiar: Clarice visa a atingir valores essenciais humanos e universais tais como a falsidade das relações humanas, o jogo das aparências, o esvaziamento do mundo familiar, as carências afetivas e as inseguranças delas decorrentes, a alienação, a condição da mulher, a coexistência dos contrastes, das ambigüidades, das contradições do ser, num processo meio “barroco”;
·         fusão de prosa e poesia, com emprego de figuras de linguagem: metáforas, antíteses (eu x não-eu, ser x não ser), paradoxos, símbolos e alegorias, aliterações e sinestesias;
·         uso de metalinguagem - “Algumas pessoas cosem para fora; eu coso para dentro”- em associação com os processos intimistas e psicológicos, político-sociais, filosóficos e existenciais (A Hora da Estrela, 1977). “Depois que descobri em mim mesma como é que se pensa, nunca mais pude acreditar no pensamento dos outros”.
Obras:
·         Romances : Perto do Coração Selvagem (1944); O Lustre (1946); A Cidade Sitiada (1949); A Maçã no Escuro (1961); A Paixão segundo G. H. (1964); Uma Aprendizagem ou Livro dos Prazeres (1969); Água Viva (1973); A Hora da Estrela (1977).
·         Contos : Alguns Contos (1952); Laços de Família (1960); A Legião Estrangeira (1964); Felicidade Clandestina (1971), Imitação da Rosa (1973), A Via - Crucis do Corpo (1974); A Bela e a Fera (1979).
·         Entrevista : De Corpo Inteiro
·         Literatura infantil : Mistério do Coelhinho Pensante (1967); A Mulher que Matou os Peixes (1969); A Vida Íntima de Laura (1974), Quase de Verdade.

João Cabral de Melo Neto (1920 - )

Pernambucano, passa a infância em engenhos de açúcar em contato com a terra e o povo (o que despertou seu interesse pelo folclore nordestino e pela literatura de cordel), com a palavra escrita (livros e jornais, desde os dois anos de idade) e a parentela ilustre e culta (primo de Manuel Bandeira e Gilberto Freire). É eleito por unanimidade para a ABL (1969)
Estreou em 1942 com Pedra do Sono de forte influência de Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes. Ao publicar O Engenheiro, em 1945, traça os rumos definitivos de sua obra. Em 1956, escreve o poema dramático Morte e Vida Severina, que, encenado em 1966, com músicas de Chico Buarque, consagra-o definitivamente.
Só pertenceria à Geração de 45 se levado em conta o critério cronológico; pois esteticamente afasta-se da proposta do grupo.
Características de sua produção literária: no início da carreira, apresenta um tendência à objetividade, convivendo com imagens surrealistas e oníricas (relativas aos sonhos): aos poucos, afasta-se da influência surrealista e aprofunda a tendência à substantivação, à economia da linguagem, submetendo as palavras a um processo crescente de depuração, com uso de metáforas, personificações, alegorias e metonímias (a pedra; a faca; o cão); a partir de 1945, influenciado por uma concepção arquitetônica, procede à geometrização do poema, aproximando a arte do Poeta à do Engenheiro; a preocupação com o descarnamento, com a confecção da poesia dessacralizada, afastada cada vez mais do subjetivismo e da introspecção, leva-o à elaboração do poema objeto.
Nele, o fruir poético atinge-se através da lógica do raciocínio, da razão, eliminando-se emoções superficiais (ruptura total com o sentimentalismo); o Poeta questiona o próprio ato de escrever e a função da poesia; na década de 50, surge e amadurece a preocupação política e principalmente a denúncia social do Nordeste e sua gente: os “severinos” retirantes, as tradições e o folclore regional, a herança medieval, a estrutura agraria canavieira, injusta e desigual... Aparece ainda a paisagem da Espanha, que apresenta pontos em comum com o cenário nordestino. Continua viva e atuante a reflexão sobre a Arte em suas várias manifestações, desde a pintura (Miró, Picasso, Vicente do Rego Monteiro), a literatura (Paul Valéry, Cesário Verde, Augusto dos Anjos, Graciliano Ramos, Drummond), passando pelo futebol e fechando com a sua própria maneira de poetar: “Sempre evitei falar de mim, falar-me. Quis falar de coisas. Mas na seleção dessas coisas não haverá um falar de mim?” (Morte e Vida Severina - Auto de Natal Pernambucano)
Morte e Vida Severina, obra mais popular de João Cabral, é um auto de Natal do folclore pernambucano. Sua linha narrativa segue dois movimentos que aparecem no título: “morte” e “vida”. No primeiro movimento, há o trajeto de Severino, personagem-protagonista, que segue do sertão para Recife, em face da opressão econômico-social. Severino tem a força coletiva de um personagem típico: representa o retirante nordestino. No segundo movimento, o da “vida”, o autor chama a atenção para a confiança no homem e em sua capacidade de resolver problemas.
Obras:
·         Prosa : Considerações sobre a Poeta Dormindo (1941); Juan Miró (1950)
·         Poesia : Pedra do Sono (1942); Engenheiro (1945); Psicologia da Composição (1947); O cão sem Plumas (1950); Rio (1954); Poemas reunidos (os livros anteriores mais Os Três Mal-Amados, 1954); Duas Águas (os livros anteriores mais Morte e Vida Severina, Paisagens com figuras e Uma Faca só Lâmina, 1956); Quaderna (1960); Dois Parlamentos (1961); Terceira Feira (os dois livros anteriores mais Serial, 1961); A Educação pela Pedra (1966), Poesias Completas (1968); Museu de Tudo (1975); Escola das Facas (1987); Auto do Frade (1984); Agrestes (1985); Crime na Calle Relator (1987); Sevilha Andando (1987-1993).

Textos


Fragmento de Perto do Coração Selvagem
No momento em que a tia foi pagar a compra, Joana tirou o livro e meteu cuidadosamente entre os outros, embaixo do braço. A tia empalideceu. Na rua a mulher buscou as palavras com cuidado: — Joana... Joana, eu vi...
Joana lançou-lhe um olhar rápido. Continuou silenciosa: — Mas você não diz nada? — não se conteve a tia, a voz chorosa.— Meu Deus, mas o que vai ser de você? — Não sé assuste, tia.
— Mas uma menina ainda... Você sabe o que fez ? — Sei...
— Sabe... sabe a palavra...?
— Eu roubei o livro, não é isso?
— Mas, Deus me valha! Eu já nem sei o que faço, pois ela ainda confessa!
— A senhora me obrigou a confessar.
— Você acha que se pode... que se pode roubar? — Bem... talvez não.
— Por que então...? — Eu posso.
— Você?! — gritou a tia.
— Sim, roubei porque. quis. Só roubarei quando quiser. Não faz mal nenhum.
— Deus me ajude quando faz mal Joana?
— Quando a gente rouba e tem medo. Eu não estou contente nem triste.


--Clarice Lispector

O retirante explica ao leitor quem é e a que vai (in Morte e Vida Severina)
— O meu nome é Severino, não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria; como há muitos Severinos com mães chamadas Maria. fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco: há muìtos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. Como então dizer quem fala ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba.
Mas ísso ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia com nome de Severino filhos de tantas Marias mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia. Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas, e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida). Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina: a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima, a'de tentar despertar terra sempre mais extinta, a de querer arrancar algum roçado da cinza, Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias e melhor possam seguir a história de minha vida, passo a ser o Severino que em vossa presença emigra.


--Cabral de Melo Neto


O artista ordena o caos (in Grande Sertão: Veredas)
Olhe: conto ao senhor. Se diz que, no bando de Antônio Dó, tinha um grado jagunço, bem remediado de posses - Davidão era o nome dêle. Vai, um dia, coisas dessas que às vêzes acontecem, êsse Davidão pegou a ter mêdo de morrer. Safado, pensou, propôs êste trato a um outro, pobre dos mais pobres, chamado Faustino: o Davidão dava a êle dez contos de réis, mas, em lei de caborje — invisível no sobrenatural — chegasse primeiro o destino do Davidão morrer em combate, então era o Faustino quem morria, em vez dêle. E o Faustino aceitou, recebeu, fechou. Parece que, com efeito, no poder de feitiço do contrato êle muito não acreditava. Então, pelo seguinte, deram um grande fogo, contra os soldados do Major Alcides do Amaral, sitiado forte em São Francisco. Combate quando findou, todos os dois estavam vivos, o Davidão e o Faustino. A de ver ? Para nenhum dêles não tinha chegado a hora-e-dia. Ah, e assim e assim foram, durante os meses, escapos, alteração nenhuma não havendo; nem feridos êles não saíam...Que tal, o que o senhor acha? Pois, mire e veja: isto mesmo narrei a um rapaz de cidade grande, muito inteligente, vindo com outros num caminhão, para pescarem no Rio. Sabe o que o môço me disse? Que era assunto de valor, para se compor uma estória em livro. Mas que precisava de um final sustante!, caprichado. O final que êle daí imaginou, foi um: que, um dia, o Faustino pegava também a ter mêdo, queria revogar o ajuste! Devolvia o dinheiro. Mas o Davidão não aceitava, não queria, por forma nenhuma. Do discutir, ferveram nisso, ferravam numa luta corporal. A fino, o Faustino se provia na faca, investia, os dois rolavam no chão, embolados. Mas, no confuso, por sua própria mão dêle, a faca cravava no coração do Faustino, que falecia...
Apreciei demais essa continuação inventada. A quanta coisa limpa verdadeira uma pessoa de alta instrução não concebe! Aí podem encher êste mundo de outros movimentos, sem os êrros e volteios da vida em sua lerdeza de sarrafaçar. A vida disfarça? Por exemplo. Disse isso ao rapaz pescador, a quem sincero louvei. E êle me indagou qual tinha sido o fim, na verdade de realidade, de Davidão e Faustino. O fim? Quem sei. Soube sòmente só que o Davidão resolveu deixar a jagunçagem - deu baixa do bando, e, com certas promessas, de ceder uns alqueires de terra, e outras vantagens de mais pagar, conseguiu do Faustino dar baixa também, e viesse morar perto dêle, sempre. Mais dêles, ignoro. No real da vida, as coisas acabam com menos formato, nem acabam. Melhor assim. Pelejar por exato, dá êrro contra a gente. Não se queira. Viver é muito perigoso...


Quem ainda tiver alguma dúvida, por favor poste aqui ou simplesmente me procure na escola para que possamos sanar.


Beijo-Beijo


Professora Simone Calixto

Seja Bem Vindo

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Espero sinceramente ser útil a você.

Muita Luz e Paz!

Professora Simone Calixto