domingo, 20 de maio de 2012

VERGONHA: Tribunais absolvem acusados de sexo com menor, apesar de nova lei

Em 2009, lei tornou crime qualquer ato sexual com menor de 14 

anos.Levantamento do G1 mostra decisões de 2ª instância que 

livraram réus.

Desde 2009, todo ato de cunho sexual praticado com menor de 14 

anos, mesmo com consentimento, é considerado crime de estupro de 

vulnerável. Levantamento do G1 junto às decisões dos Tribunais de Justiça de todo o 

país mostra que, mesmo após alterações do Código Penal, juízes e desembargadores 

continuam absolvendo réus.
A questão voltou a ser discutida depois que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) 


prostituía. Para criminalistas, o entendimento estava correto porque o caso 

ocorreu antes da edição da nova lei do estupro. Se tivesse ocorrido depois, a 

absolvição já não mais se justificaria (Entenda a discussão abaixo).
Arte estupro 1 (Foto: Arte/G1)
Magistrados, no entanto, continuam 

aplicando o entendimento antigo aos 

casos novos.
Levantamento do G1 com 752 decisões 

de segunda instância disponíveis nos 

Tribunais de Justiça de todo o país 

(parte está em segredo de Justiça ou não foi  

publicada) mostra decisões que absolveram réus 

mesmo para casos ocorridos após a Lei 12.015/2009. 

Em primeira instância, esses processos 

correm em segredo de justiça.
É permitido aos juízes dar novas interpretações às 

leis, o que, na prática, acaba criando direitos. Nas decisões, os desembargadores criticam a legislação 

atual, que impede, segundo eles, o bom senso nos julgamentos.
O descontentamento foi um dos motivos para a proposta de alteração do estupro de vulnerável no 

Código Penal, segundo o procurador da República Luiz Carlos Gonçalves, relator do anteprojeto de 

reforma no Senado. “Estamos concordando em parte com essa crítica e reduzindo a idade de 

consentimento para 12 anos”, afirmou ele ao G1.
Entenda a polêmica

A Lei 12.015/2009 criou no Código Penal a figura do ‘estupro de vulnerável’, 

tornando crime qualquer ato de cunho sexual com menores de 14, incluindo um 

simples beijo na boca. Pela lei, mesmo sem violência, as vítimas são 

consideradas, pela idade, desprotegidas, vulneráveis.
Antes, a discussão era sobre se houve violência no ato: uma corrente defendia a 

presunção relativa (a aparência, conhecimento, vida sexual anterior e o 

consentimento da vítima poderiam absolver o réu) e outra a absoluta (qualquer 

caso deveria levar à condenação, pela presumida violência).
“A nova lei inteligentemente fala em praticar ato sexual com vítima 

vulnerável. 

Ela pode ter capacidade de entender o que está fazendo, mas, mesmo 

sabendo, não importa”, afirma o procurador de Justiça licenciado 

Fernando Capez. “Não há o que se falar em presumir ou não 

violência, essa expressão ficou ultrapassada.”
Para Fábio Aguiar Munhoz Soares, juiz da 17ª Vara Criminal do Tribunal de 

Justiça de São Paulo, a lei atual é “exagerada” e não é impassível de 

interpretação. “Se fosse levar a lei ao pé da letra, teria que condenar e ponto 

final. Mas temos que pensar: para que serve o juiz? Ele é um mero aplicador da 

lei? Se pensarmos assim, estaremos desprezando a função de julgar”, afirma. 

“Toda vez que a lei fixa a situação de idade, cabe ao juiz dizer. Assim ajuda a 

fazer a lei.”
Aos 13 anos

A maioria das vítimas nos processos consultados pelo G1 tem 13 anos e 

sofreu abuso dentro de casa, pelo pai ou 

padrasto, ou denunciou uma pessoa conhecida: um 

vizinho, o professor, o motorista do transporte escolar ou 

um amigo próximo da família.
G1 encontrou 46 decisões para crimes ocorridos após a lei, contendo algum

tipo de discussão sobre as alterações no Código Penal. São os primeiros

processos que começam a chegar aos Tribunais de Justiça. Para que um caso

seja julgado por um grupo de desembargadores, primeiro é preciso que o

Ministério Público denuncie o acusado, que ele se torne réu, seja julgado por

um juiz, que profere uma sentença para absolver ou condenar, e 

um recurso seja apresentado. O trâmite pode levar anos.
 um recurso seja apresentado. O trâmite pode levar anos.
Arte estupro 2 (Foto: Arte/G1)
Do total de 46 acórdãos, 26 foram para

condenar os réus e 15 foram para

absolver. O restante se refere a medidas

socioeducativas (a punição aplicada a

menores). Na faixa entre os 12 e 13

anos, está a maior parte das absolvições

que levam em conta o consentimento.

Foram 14 condenações e 8 réus

absolvidos porque a vítima consentiu a

prática. Em quatro acórdãos, o acusado

havia sido condenado em primeira

instância.
Menino consentiu


Uma das decisões é de 20 de abril, em

que foi vencedor o voto do

desembargador Guilherme de Souza

Nucci, do Tribunal de Justiça-SP, que

absolveu um homem porque o menino

de 13 anos consentiu os beijos e o sexo

oral e afirmou gostar do réu. O acórdão


(decisão tomada por um colegiado) não foi unânime. Leia mais sobre o caso
Em Mato Grosso do Sul, um escrivão de polícia foi absolvido porque o juiz 

entendeu que a menina de 13 anos consentiu a prática. E recebeu dinheiro pelo 

sexo: R$ 30 e R$ 50. No processo, ela afirmou não ser mais virgem. “Foram 5 

pessoas [antes do réu].”
"De fato, forçoso concluir que procede o inconformismo da defesa", escrevena 

decisão do dia 30 de janeiro de 2012, o juiz Francisco Gerardo de Sousa, 

relator. 

"Apesar da tenra idade, restou sobejamente demonstrado nos 

autos que a vítima não só consentiu os atos como também tinha 

a plena consciência deles.”
Namorados

Os desembargadores também criticam ter que condenar os acusados quando as 

próprias famílias os defendem. No Paraná, a mãe de uma menina de 12 anos 

denunciou o namorado da filha, de 29 anos, mas depois se arrependeu. “Um 

homem trabalhador, boa pessoa, sem vícios”, disse ao juiz. Já a menina afirmou 

que “teve relação sexual com seu namorado porque quis, sendo que foi ela quem convidou ele para tal coisa”.
“O novo sistema adotado pelo Código Penal para os crimes sexuais dificulta um 

tanto o uso desta válvula de escape para o bom senso", escreveu o relator, 

desembargador Miguel Pessoa, em decisão de 8 de março de 2012. "Em suma, 

na aplicação da nova lei, deve o julgador verificar com esmero se houve 

realmente um estupro ou apenas um inocente namoro.”
Para Pessoa, o juiz não pode “levar a lei ao pé da letra, e sim, ao interpretá-la, 

sentenciar buscando os verdadeiros interesses sociais, haja vista as profundas 

mudanças ocorridas no que toca a descoberta da sexualidade”.
O novo sistema adotado pelo Código Penal para os crimes 

sexuais dificulta um tanto o uso desta válvula de escape para o 

bom senso"
Miguel Pessoa, desembargador do TJ do Paraná


Adolescentes


Já quando os casos referem-se a dois menores de idade, os acórdãos mostram 

entendimentos ainda mais contraditórios. Em alguns, o Ministério Público 

recorre pedindo punição pelo ato infracional análogo a estupro, enquanto 

desembargadores pedem cautela. Em outros, ocorre o oposto.
No Rio Grande do Sul, o MP perdeu um recurso para punir um jovem de 16 

anos e 2 meses por ter feito sexo com a namorada de 13 anos e 4 meses. 

Segundo uma testemunha, o casal “voltava abraçado do colégio”. Os 

desembargadores consideraram o fato de a menina ingerir anticoncepcionais e 

pedir camisinhas ao ex-namorado.
Em Santa Catarina, foi aplicada a medida socioeducativa contra um jovem 

menor de 18 anos porque engravidou uma menina de 13 anos, sua vizinha e 

colega de classe. Em primeira instância, o adolescente havia sido absolvido. 

“Basta que a vítima seja menor de 14 anos", escreveu em 8 de novembro de 

2011 o relator, desembargador Alexandre D'Ivanenko. O adolescente deveria 

cumprir a prestação de serviços à comunidade por 6 meses, mas a punição 

prescreveu. Basta que a vítima seja menor de 14 anos"


Alexandre D'Ivanenko, desembargador do TJ de Santa Catarina

No Rio Grande do Norte, o desembargador relator, Virgílio Macedo Jr., tomou 

decisão contrária: "Não é prudente, nem mesmo razoável, que o juiz atenha-se 

somente às letras da lei, pois a valoração maior está na preponderância da 

justiça”. “Presumir de maneira absoluta a vulnerabilidade em fatos onde ela não 

existe, pode fazer surgir certas injustiças irreparáveis, como por exemplo, 

subtrair a liberdade de ir e vir de uma pessoa inocente.”
O caso era de um jovem de 20 anos, absolvido depois de ter sido condenado em 

primeira instância a uma pena de 8 anos de reclusão. Ele namorava uma menina 

de 13 anos e 9 meses. Segundo o processo, ele alegou que “cedeu à paixão e ao 

amor, pois suas intenções foram e são as melhores possíveis, inclusive com a 

intenção de casamento”.
Não é prudente, nem mesmo razoável, que o juiz atenha-se 

somente às letras da lei, pois a valoração maior está na 

preponderância da justiça"

Virgílio Macedo Jr., desembargador do TJ do Rio Grande do Norte


Diminuição da pena

O entendimento dos tribunais também reflete a discussão de criminalistas 

quando a lei entrou em vigor: uma lei penal mais severa, ou seja, que aumenta a 

pena para determinados crimes, não pode ser aplicada para casos anteriores. 

Mas se o réu recorrer pode ter a pena diminuída com base nessa 

legislação mais benéfica. O levantamento mostra que nenhuma 

decisão prejudicou os condenados.
Houve divergência, no entanto, entre os desembargadores em casos em que o 

estupro estava descrito como uma carícia por cima da roupa da vítima, uma 

tentativa que não chegou a ser finalizada com o ato sexual ou algo de 

brevíssima duração. Algumas decisões desclassificaram o crime 

de estupro para tentativa ou contravenção penal de 

importunação ofensiva ao pudor, crimes menos graves. "É o 

direito do condenado", afirma Munhoz Soares.
Palavra da vítima


Ainda segundo o juiz de São Paulo, que trata diariamente desse tipo de 

processo, o depoimento das vítimas é avaliado como de 

relevância maior do que em qualquer outro. Isso porque o 

crime nem sempre deixa rastro e é cometido às escondidas. 

"Em regra, a palavra da vítima tem muita força sim”, afirma.
Em regra, a palavra da vítima tem muita força sim"

Fábio Aguiar Munhoz Soares, juiz da 17ª Vara Criminal do TJ-SP

Ainda assim, o G1 encontrou mais de uma decisão em que o juiz ou 

desembargador não confiou no que dizia a vítima. Em Campinas, um juiz chega 

a ser advertido sobre o modo como teria interrogado uma menina de 11 anos, 

que acusava um homem de 64 de molestá-la. “(...) advertiu-a [a vítima] diversas 

vezes, além de utilizar termos chulos com a garota”, escreveu o relator, 

desembargador Silmar Fernandes.
O desembargador transcreveu parte das perguntas feitas pelo juiz: “Ele queria 

que você pusesse a boca no p... dele? ‘L: Não.’ (...) Ele chegou a por o p... pra 

fora da calça dele?” O réu estava em semiaberto, mesmo condenado a pena de 8 

anos, quando a regra é o inicial fechado. O nome do juiz não aparece na decisão.
Em Piracicaba (SP), o juiz Wander Pereira Rossette Júnior absolveu um réu do 

estupro de um menino com 9 anos de idade, portador de deficiência física e 

mental, que a mãe disse ter presenciado. “Não iria acusar um inocente sem mais 

nem menos”, escreveu o relator do recurso, Luiz Soares de Mello, para reformar 

a sentença e condenar o agressor a 8 anos de reclusão em regime fechado. 

Procurado pelo G1, o juiz informou que não se pronunciaria sobre casos em 

andamento.

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Professora  Psicopedagoga Simonne Machado




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