anos.Levantamento do G1 mostra decisões de 2ª instância que
livraram réus.
Desde 2009, todo ato de cunho sexual praticado com menor de 14
anos, mesmo com consentimento, é considerado crime de estupro de
vulnerável. Levantamento do G1 junto às decisões dos Tribunais de Justiça de todo o
país mostra que, mesmo após alterações do Código Penal, juízes e desembargadores
continuam absolvendo réus.
A questão voltou a ser discutida depois que o STJ (Superior Tribunal de Justiça)
absolveu um acusado de estupro de uma menina de 13 anos porque ela se
prostituía. Para criminalistas, o entendimento estava correto porque o caso
ocorreu antes da edição da nova lei do estupro. Se tivesse ocorrido depois, a
absolvição já não mais se justificaria (Entenda a discussão abaixo).
Magistrados, no entanto, continuam
aplicando o entendimento antigo aos
casos novos.
Levantamento do G1 com 752 decisões
de segunda instância disponíveis nos
Tribunais de Justiça de todo o país
(parte está em segredo de Justiça ou não foi
publicada) mostra decisões que absolveram réus
mesmo para casos ocorridos após a Lei 12.015/2009.
Em primeira instância, esses processos
correm em segredo de justiça.
É permitido aos juízes dar novas interpretações às
leis, o que, na prática, acaba criando direitos. Nas decisões, os desembargadores criticam a legislação
atual, que impede, segundo eles, o bom senso nos julgamentos.
O descontentamento foi um dos motivos para a proposta de alteração do estupro de vulnerável no
Código Penal, segundo o procurador da República Luiz Carlos Gonçalves, relator do anteprojeto de
reforma no Senado. “Estamos concordando em parte com essa crítica e reduzindo a idade de
consentimento para 12 anos”, afirmou ele ao G1.
Entenda a polêmica
A Lei 12.015/2009 criou no Código Penal a figura do ‘estupro de vulnerável’,
tornando crime qualquer ato de cunho sexual com menores de 14, incluindo um
simples beijo na boca. Pela lei, mesmo sem violência, as vítimas são
consideradas, pela idade, desprotegidas, vulneráveis.
Antes, a discussão era sobre se houve violência no ato: uma corrente defendia a
presunção relativa (a aparência, conhecimento, vida sexual anterior e o
consentimento da vítima poderiam absolver o réu) e outra a absoluta (qualquer
caso deveria levar à condenação, pela presumida violência).
“A nova lei inteligentemente fala em praticar ato sexual com vítima
vulnerável.
Ela pode ter capacidade de entender o que está fazendo, mas, mesmo
sabendo, não importa”, afirma o procurador de Justiça licenciado
Fernando Capez. “Não há o que se falar em presumir ou não
violência, essa expressão ficou ultrapassada.”
Para Fábio Aguiar Munhoz Soares, juiz da 17ª Vara Criminal do Tribunal de
Justiça de São Paulo, a lei atual é “exagerada” e não é impassível de
interpretação. “Se fosse levar a lei ao pé da letra, teria que condenar e ponto
final. Mas temos que pensar: para que serve o juiz? Ele é um mero aplicador da
lei? Se pensarmos assim, estaremos desprezando a função de julgar”, afirma.
“Toda vez que a lei fixa a situação de idade, cabe ao juiz dizer. Assim ajuda a
fazer a lei.”
Aos 13 anos
A maioria das vítimas nos processos consultados pelo G1 tem 13 anos e
sofreu o abuso dentro de casa, pelo pai ou
padrasto, ou denunciou uma pessoa conhecida: um
vizinho, o professor, o motorista do transporte escolar ou
um amigo próximo da família.
O G1 encontrou 46 decisões para crimes ocorridos após a lei, contendo algum
tipo de discussão sobre as alterações no Código Penal. São os primeiros
processos que começam a chegar aos Tribunais de Justiça. Para que um caso
seja julgado por um grupo de desembargadores, primeiro é preciso que o
Ministério Público denuncie o acusado, que ele se torne réu, seja julgado por
um juiz, que profere uma sentença para absolver ou condenar, e
um recurso seja apresentado. O trâmite pode levar anos.
tipo de discussão sobre as alterações no Código Penal. São os primeiros
processos que começam a chegar aos Tribunais de Justiça. Para que um caso
seja julgado por um grupo de desembargadores, primeiro é preciso que o
Ministério Público denuncie o acusado, que ele se torne réu, seja julgado por
um juiz, que profere uma sentença para absolver ou condenar, e
um recurso seja apresentado. O trâmite pode levar anos.
um recurso seja apresentado. O trâmite pode levar anos.
Do total de 46 acórdãos, 26 foram para
condenar os réus e 15 foram para
absolver. O restante se refere a medidas
socioeducativas (a punição aplicada a
menores). Na faixa entre os 12 e 13
anos, está a maior parte das absolvições
que levam em conta o consentimento.
Foram 14 condenações e 8 réus
absolvidos porque a vítima consentiu a
prática. Em quatro acórdãos, o acusado
havia sido condenado em primeira
instância.
condenar os réus e 15 foram para
absolver. O restante se refere a medidas
socioeducativas (a punição aplicada a
menores). Na faixa entre os 12 e 13
anos, está a maior parte das absolvições
que levam em conta o consentimento.
Foram 14 condenações e 8 réus
absolvidos porque a vítima consentiu a
prática. Em quatro acórdãos, o acusado
havia sido condenado em primeira
instância.
Menino consentiu
Uma das decisões é de 20 de abril, em
que foi vencedor o voto do
desembargador Guilherme de Souza
Nucci, do Tribunal de Justiça-SP, que
absolveu um homem porque o menino
de 13 anos consentiu os beijos e o sexo
oral e afirmou gostar do réu. O acórdão
Uma das decisões é de 20 de abril, em
que foi vencedor o voto do
desembargador Guilherme de Souza
Nucci, do Tribunal de Justiça-SP, que
absolveu um homem porque o menino
de 13 anos consentiu os beijos e o sexo
oral e afirmou gostar do réu. O acórdão
(decisão tomada por um colegiado) não foi unânime. Leia mais sobre o caso
Em Mato Grosso do Sul, um escrivão de polícia foi absolvido porque o juiz
entendeu que a menina de 13 anos consentiu a prática. E recebeu dinheiro pelo
sexo: R$ 30 e R$ 50. No processo, ela afirmou não ser mais virgem. “Foram 5
pessoas [antes do réu].”
"De fato, forçoso concluir que procede o inconformismo da defesa", escrevena
decisão do dia 30 de janeiro de 2012, o juiz Francisco Gerardo de Sousa,
relator.
"Apesar da tenra idade, restou sobejamente demonstrado nos
autos que a vítima não só consentiu os atos como também tinha
a plena consciência deles.”
Namorados
Os desembargadores também criticam ter que condenar os acusados quando as
próprias famílias os defendem. No Paraná, a mãe de uma menina de 12 anos
denunciou o namorado da filha, de 29 anos, mas depois se arrependeu. “Um
homem trabalhador, boa pessoa, sem vícios”, disse ao juiz. Já a menina afirmou
que “teve relação sexual com seu namorado porque quis, sendo que foi ela quem convidou ele para tal coisa”.
“O novo sistema adotado pelo Código Penal para os crimes sexuais dificulta um
tanto o uso desta válvula de escape para o bom senso", escreveu o relator,
desembargador Miguel Pessoa, em decisão de 8 de março de 2012. "Em suma,
na aplicação da nova lei, deve o julgador verificar com esmero se houve
realmente um estupro ou apenas um inocente namoro.”
Para Pessoa, o juiz não pode “levar a lei ao pé da letra, e sim, ao interpretá-la,
sentenciar buscando os verdadeiros interesses sociais, haja vista as profundas
mudanças ocorridas no que toca a descoberta da sexualidade”.
Adolescentes
Já quando os casos referem-se a dois menores de idade, os acórdãos mostram
entendimentos ainda mais contraditórios. Em alguns, o Ministério Público
recorre pedindo punição pelo ato infracional análogo a estupro, enquanto
desembargadores pedem cautela. Em outros, ocorre o oposto.
No Rio Grande do Sul, o MP perdeu um recurso para punir um jovem de 16
anos e 2 meses por ter feito sexo com a namorada de 13 anos e 4 meses.
Segundo uma testemunha, o casal “voltava abraçado do colégio”. Os
desembargadores consideraram o fato de a menina ingerir anticoncepcionais e
pedir camisinhas ao ex-namorado.
Em Santa Catarina, foi aplicada a medida socioeducativa contra um jovem
menor de 18 anos porque engravidou uma menina de 13 anos, sua vizinha e
colega de classe. Em primeira instância, o adolescente havia sido absolvido.
“Basta que a vítima seja menor de 14 anos", escreveu em 8 de novembro de
2011 o relator, desembargador Alexandre D'Ivanenko. O adolescente deveria
cumprir a prestação de serviços à comunidade por 6 meses, mas a punição
prescreveu. Basta que a vítima seja menor de 14 anos"
Alexandre D'Ivanenko, desembargador do TJ de Santa Catarina
No Rio Grande do Norte, o desembargador relator, Virgílio Macedo Jr., tomou
decisão contrária: "Não é prudente, nem mesmo razoável, que o juiz atenha-se
somente às letras da lei, pois a valoração maior está na preponderância da
justiça”. “Presumir de maneira absoluta a vulnerabilidade em fatos onde ela não
existe, pode fazer surgir certas injustiças irreparáveis, como por exemplo,
subtrair a liberdade de ir e vir de uma pessoa inocente.”
O caso era de um jovem de 20 anos, absolvido depois de ter sido condenado em
primeira instância a uma pena de 8 anos de reclusão. Ele namorava uma menina
de 13 anos e 9 meses. Segundo o processo, ele alegou que “cedeu à paixão e ao
amor, pois suas intenções foram e são as melhores possíveis, inclusive com a
intenção de casamento”.
Diminuição da pena
O entendimento dos tribunais também reflete a discussão de criminalistas
quando a lei entrou em vigor: uma lei penal mais severa, ou seja, que aumenta a
pena para determinados crimes, não pode ser aplicada para casos anteriores.
Mas se o réu recorrer pode ter a pena diminuída com base nessa
legislação mais benéfica. O levantamento mostra que nenhuma
decisão prejudicou os condenados.
Houve divergência, no entanto, entre os desembargadores em casos em que o
estupro estava descrito como uma carícia por cima da roupa da vítima, uma
tentativa que não chegou a ser finalizada com o ato sexual ou algo de
brevíssima duração. Algumas decisões desclassificaram o crime
de estupro para tentativa ou contravenção penal de
importunação ofensiva ao pudor, crimes menos graves. "É o
direito do condenado", afirma Munhoz Soares.
Palavra da vítima
Ainda segundo o juiz de São Paulo, que trata diariamente desse tipo de
processo, o depoimento das vítimas é avaliado como de
relevância maior do que em qualquer outro. Isso porque o
crime nem sempre deixa rastro e é cometido às escondidas.
"Em regra, a palavra da vítima tem muita força sim”, afirma.
Em regra, a palavra da vítima tem muita força sim"
Fábio Aguiar Munhoz Soares, juiz da 17ª Vara Criminal do TJ-SP
Ainda assim, o G1 encontrou mais de uma decisão em que o juiz ou
desembargador não confiou no que dizia a vítima. Em Campinas, um juiz chega
a ser advertido sobre o modo como teria interrogado uma menina de 11 anos,
que acusava um homem de 64 de molestá-la. “(...) advertiu-a [a vítima] diversas
vezes, além de utilizar termos chulos com a garota”, escreveu o relator,
desembargador Silmar Fernandes.
O desembargador transcreveu parte das perguntas feitas pelo juiz: “Ele queria
que você pusesse a boca no p... dele? ‘L: Não.’ (...) Ele chegou a por o p... pra
fora da calça dele?” O réu estava em semiaberto, mesmo condenado a pena de 8
anos, quando a regra é o inicial fechado. O nome do juiz não aparece na decisão.
Em Piracicaba (SP), o juiz Wander Pereira Rossette Júnior absolveu um réu do
estupro de um menino com 9 anos de idade, portador de deficiência física e
mental, que a mãe disse ter presenciado. “Não iria acusar um inocente sem mais
nem menos”, escreveu o relator do recurso, Luiz Soares de Mello, para reformar
a sentença e condenar o agressor a 8 anos de reclusão em regime fechado.
Procurado pelo G1, o juiz informou que não se pronunciaria sobre casos em
andamento.
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http://simonnemachado.blogspot.com.br/
Professora Psicopedagoga Simonne Machado