Ampliar constatações e considerações que abrangem o ensino da Arte
na escola pública e aspectos da política educacional. Nossa inquietação, quanto
ao percurso do ensino artístico no país e a sua realidade nos dias atuais,
levou nos a contextualizá-lo a aspectos da política educacional, associando o
ensino a questões que incitam a conscientização dos professores de Arte, sua
atuação e o envolvimento com a prática pedagógica diante das condições
educacionais que nos permite viver a política educacional marcada pela
globalização e pela pós-modernidade.
Palavras-chave: Ensino
de Arte. Política educacional. Formação de professores. Globalização.
Introdução:
o cenário do ensino de Artes no século XX e primeiros anos do século XXI
Shiroma, Moraes e
Evangelista (2002) nos chamam a atenção para o caráter histórico da educação na
política brasileira até meados de 1970, quando se direcionava para o
fortalecimento do Estado. Políticas públicas eram implementadas na educação,
revestidas de uma "forte motivação centralizadora" e associadas a
discursos de construção nacional, em que valores que engrandecessem a
"nação forte" fossem aplicados às políticas educacionais.
Na primeira metade do
século XX as disciplinas Desenho, Trabalhos Manuais, Música e Canto Orfeônico
faziam parte dos programas das escolas primárias e secundárias, com uma visão
de ensino baseada na escola tradicional (BRASIL, 1997). Assim, encontramos no
ensino de música, por meio do Canto Orfeônico, o aspecto de caráter nacional na
formação da população que vivenciou esse período da história da educação. Mas,
os pressupostos da escola nova também contribuíram, nos anos 30, para novas
propostas no ensino da Arte.
Entre os anos 20 e
70, as escolas brasileiras viveram experiências diversas no ensino da Arte, mas
nos anos 30 e 40 dominou o Canto Orfeônico, projeto elaborado pelo compositor
Heitor Villa-Lobos, que pretendia difundir a linguagem musical de maneira
sistemática, juntamente com princípios de civismo e coletividade, condizentes
com o pensamento político da época (BRASIL, 1997).
Nesse percurso
histórico, a Lei nº. 4.024 (BRASIL, 1961) - Lei de Diretrizes e Bases Educação
Nacional - LDBN, de 1961, instituiu a Educação Musical. Seus dispositivos
estabeleceram novas diretrizes para a política educacional e definiram
orientações que redesenharam a proposta curricular da legislação anterior, mas
Romanelli (1997, p. 181) afirma que, "na prática, as escolas acabaram
compondo o seu currículo de acordo com os recursos materiais e humanos de que
já dispunham, ou seja, continuaram mantendo o mesmo currículo de antes",
apesar de considerarem que "a possibilidade de os Estados e os
estabelecimentos anexarem disciplinas optativas ao currículo mínimo" ter
sido um avanço em matéria de educação.
Na década de 60, o
país enfrentava o regime militar como modelo de sua ordenação política e
apresentou-se um novo cenário, diferente do atual. Naquele momento, pensava-se
em adequar o ensino ao modelo do desenvolvimento econômico da época, em que a
tendência a uma Pedagogia Tecnicista, segundo Fusari e Ferraz (2001), passou a
atender o mundo tecnológico e a sociedade industrial em expansão. Havia uma
busca do Estado voltada para o investimento num modelo de educação que formasse
mão-de-obra qualificada e que viesse a favorecer o processo de importação
tecnológica. Quanto a isso, Shiroma, Moraes e Evangelista (2002, p. 36) afirmam
que o "educador e educando haviam-se transformado em capital humano",
para a produção de lucros individuais e sociais, e Romanelli (1997, p. 196) argumenta
que, a partir dos anos 60, o governo percebeu "a necessidade de se
adotarem, em definitivo, as medidas para adequar o sistema educacional ao
modelo do desenvolvimento econômico que então se intensificava no Brasil".
Com a reforma de
1971, a Lei nº. 5.692 (BRASIL, 1971) incluiu a Arte no currículo escolar com o
título de Educação Artística, porém era considerada apenas uma "atividade
educativa" e não uma disciplina: "Será obrigatória a inclusão de
Educação Moral e Cívica, Educação Física,
Educação Artística e Programas de
Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus [...]".
Admitimos que a introdução da Educação Artística no currículo escolar por esta
LDBN foi um avanço, tanto pelo aspecto de sustentação legal para esta prática,
quanto por ter sido considerada importante na formação dos indivíduos. Porém,
essa alteração criou questões novas a serem enfrentadas, principalmente para os
professores de cada uma das disciplinas artísticas.
Após esta Lei, os
professores de Desenho, Música, Trabalhos Manuais, Canto Coral e Artes
Aplicadas, que utilizavam para as aulas os conhecimentos específicos de suas
linguagens, passaram a ver esses saberes transformados em "atividades
artísticas", o que fica claro na análise do Parecer nº 540/77 (CONSELHO
FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1977): "não é uma matéria, mas uma área bastante
generosa e sem contornos fixos, flutuando ao sabor das tendências e dos
interesses". Segundo Fusari e Ferraz (2001), os professores das escolas
públicas encontraram dificuldades em apreender métodos de ensino nas salas de
aula, resultando numa prática pouco ou nada fundamentada, necessitada de
aprofundamentos teórico-metodológicos. Neste sentido, as autoras (FUSARI;
FERRAZ, 2001, p. 43) afirmam que:
Dentre os problemas apresentados
no ensino artístico, após a Lei 5692/71, encontram-se aqueles referentes aos
conhecimentos básicos de arte e métodos para apreendê-los durante as aulas,
sobretudo nas escolas públicas. O que se tem constatado é uma prática diluída,
[...], na qual métodos e conteúdos de tendência tradicional e novista se
misturam, sem grandes preocupações, com o que seria melhor para o ensino de
Arte.
Em 1996, a Lei nº.
9.394 (BRASIL, 1996, Art. 26, § 2º) estabeleceu que o ensino da Arte
constituísse "componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da
educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos
alunos". Apesar do "avanço" desta Lei, a escola e o sistema
educativo atual têm enfrentado desafios que transcendem a dimensão estrutural
do currículo e a dinâmica das metodologias de ensino. As políticas educacionais
da atualidade necessitam adequar-se às questões sociais que estão refletidas na
escola pública, como o desemprego, a violência e a marginalização, que se
acentuaram como possíveis reflexos da globalização da economia, da política e
da cultura.
Os problemas atuais
da sociedade, dos bairros e da comunidade, que adentram pelo portão das
escolas, influenciam o modo pelo qual as políticas públicas são recebidas e
postas em ação no ambiente escolar. Talvez seja importante estudar as políticas
adotadas em diferentes períodos da educação, para que seja possível identificar
as contribuições que, ao ensino atual, cabe oferecer à grande maioria das
escolas públicas, que enfrentam dificuldades para colocar em prática as
diretrizes e ações políticas estabelecidas no plano de governo, à luz da
legislação.
Visto que o artigo 10
da Lei nº. 9.394 (BRASIL, 1996) aponta que um dos deveres do Estado é
"elaborar e executar políticas e planos educacionais, em consonância com
as diretrizes e planos nacionais de educação, integrando e coordenando as suas
ações e as dos seus Municípios", notamos que é responsabilidade do Estado
pôr em prática as diretrizes das políticas educacionais que atendam de forma
eficaz às necessidades da educação.
Magalhães (2002, p.
164-165) expressa a sua preocupação com o ensino da Arte no Brasil, ao afirmar
que:
"Muitas são as questões
que envolvem os motivos de tantas fragilidades conceituais e metodológicas no
campo do ensino-aprendizagem em Arte: a inexistência de recursos humanos, a
inexperiência pedagógica e a conseqüente falta de questionamentos, são as causas
apontadas pelo Parecer nº540/77, [...]. Faz-se necessário repensar o papel da
Arte na educação escolar frente às reformas curriculares advindas da LDB atual
(Lei 9.394/96) e a conseqüente divulgação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais-Arte, elaborados pelo MEC [...] que ratificam a presença das diversas
linguagens artísticas nas escolas - música, teatro, dança e artes visuais e a
Proposta de Diretrizes Curriculares sistematizada pela Comissão de
Especialistas de Ensino de Artes Visuais da SESu/MEC.
Em vista disso, urge a
necessidade de re-significar os currículos escolares de maneira geral,
principalmente, a formação do professor de Arte frente à rapidez das mudanças
deste final de milênio. Como os cursos de Licenciatura em Artes estão
preparando o professor para um posicionamento crítico frente às novas
perspectivas teórico-metodológicas subjacentes nos documentos propostos pelo
MEC"?
Esta argumentação da
autora nos permite refletir sobre a qualidade do ensino de Educação
Artística
apresentada atualmente no ensino fundamental e médio das escolas públicas. O
ensino de hoje tem correspondido aos critérios estabelecidos pelas propostas da
política atual? As políticas de orientação curricular em Artes são postas em
ação e bem recebidas pelos professores? E a questão da formação desses
profissionais?
Torna-se importante
destacarmos que a Lei nº. 9.394 foi alterada pela Lei nº. 2.732 de 2008
(BRASIL, 2008), aprovada em 21 de maio deste mesmo ano, e que dispõe sobre a
obrigatoriedade do ensino da Música na educação básica. O Artigo 26 da Lei de
20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996) passa a vigorar acrescido dos seguintes
parágrafos:
§ 6º A música deverá
ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de que
trata o § 2º.
§ 7º O ensino da música
será ministrado por professores com formação específica na área.
Vale ressaltar que a
Lei também esclarece a respeito do sistema de ensino, que terá três anos para
adaptar-se a essa nova exigência legal, tendo em vista a organização dos novos
conteúdos a serem trabalhados na disciplina.
A verdade é que a
Arte, de uma forma geral, não tem sido valorizada nas escolas como disciplina
de importância dentro do processo pedagógico, o que se reflete na contratação
de profissionais não ou pouco qualificados, e num certo menosprezo da Arte em
relação às outras disciplinas mais tradicionais. Esperamos que, por meio da
valorização da música como prática pedagógica em todos os níveis da educação
básica, possamos presenciar o despertar de uma cultura democrática em que
valores como diversidade, sensibilidade e cidadania sejam postos em evidência.
Dilemas
e ações nos anos 1990 e início dos anos 2000: breve abordagem
Os Parâmetros
Curriculares Nacionais - PCNs (BRASIL, 1997) são propostas do Ministério da
Educação e do Desporto (MEC), datadas de 1997, 1998 e 1999, para a abordagem
curricular da educação básica, com o objetivo de serem um referencial comum
para a educação de todos os estados do Brasil. Assumiram a feição de política
pública ao estabelecerem uma meta educacional para a qual devem convergir as
ações políticas do MEC.
Ao orientar os
professores que trabalham com Arte, o PCN (BRASIL, 1997) apresenta direções,
caminhos, conteúdos, linguagens e critérios de avaliação a fim de expandir as
possibilidades para os profissionais de Educação Artística. Por certo, os PCNs,
de uma maneira geral, não exercem mais o mesmo impacto que já exerceram no
final dos anos 90, bem como nos primeiros anos do século XXI da educação
básica, pois foram elaborados no governo Fernando Henrique Cardoso. É
admissível que ainda mantenham orientações que sejam válidas e observadas;
contudo, as orientações do Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE vão,
progressivamente, sendo acolhidas como novas diretrizes para a educação, apesar
de não terem sido implantadas ainda todas as diretrizes da política
educacional.
Ainda fazendo o uso
dos PCNs, muitos professores têm tido dificuldades em aplicar as sugestões
apresentadas por eles, de forma que também se torna questionador o papel destes
como diretriz política eficiente nos dias atuais. Algumas questões reflexivas
nos levam a indagar também a respeito da formação desses professores e seu
envolvimento com a qualificação docente, pois a melhoria da qualidade do ensino
requer maior atenção para a implementação de políticas públicas de formação
inicial e continuada dos profissionais de educação (BRASIL, 2001).
Considerando-se os
resultados ainda pouco significativos no desenvolvimento da qualidade do ensino
público, segundo índices nacionais e internacionais, as políticas públicas de
educação, especialmente as de orientação curricular, deveriam dar maior ênfase,
segundo acreditamos, à realidade escolar, o que acarretaria os menores efeitos
perversos possíveis. Notamos que há um esgotamento do paradigma que,
historicamente, fundamenta as políticas de reforma curricular.
De acordo com Almeida
(2003, p. 75), por volta da década de 80, novas abordagens foram introduzidas
no ensino da Arte no Brasil. A imagem1 ganhou
um lugar de destaque na sala de aula, o que representa uma das tendências da
Arte contemporânea e uma novidade para o ensino da época. As imagens produzidas
tanto pela cultura artística (pintores, escultores) como as produzidas pela
mídia (propaganda de TV e publicitária gráfica, clip musical, internet)
passaram a ser utilizadas pelos professores e alunos da educação básica.
O uso de diferentes
imagens possibilitou aos professores maiores opções de conteúdos a serem
explorados com os alunos, diversificando as possíveis formas de aprendizagem.
As imagens passaram a ser valorizadas entre os educadores comprometidos com o
desenvolvimento estético e artístico no ensino de Artes: "O professor
decide quais imagens farão parte do repertório merecedor da apreciação dos seus
alunos" (ALMEIDA, 2003, p. 73).
A partir de então, os
docentes deveriam estar sempre em contato com a produção de imagens do seu
tempo e atentos àquelas que eram produzidas pelos alunos em sala através de
desenhos e pinturas. O resgate da cultura da imagem se tornou necessário, o que
passou a ser visto pelos estudiosos e pesquisadores como fator relevante para a
formação do aluno.
Almeida (2003, p. 75)
ainda discute a influência que a mediação das tecnologias tem provocado nas
formas de pensar e expressar a Arte e como o artista sente a necessidade de
buscar, em outras áreas do conhecimento, idéias que se possam somar as suas:
[...] o artista contemporâneo
atento ao desenvolvimento tecnológico e científico vai incorporando novas
ferramentas, que são meios diferentes de trabalho, buscando nas diversas áreas
do conhecimento um compartilhar de idéias.
Nos últimos trinta
anos, as tecnologias adentraram todas as esferas da vida humana. A educação se
tornou um dos alvos desse processo da inserção das novas tecnologias na
dinâmica do seu cotidiano. O impacto dos meios tecnológicos sobre a criação
artística vem produzindo novas formas de expressão ao longo da história das
Artes. A fotografia, o cinema e o vídeo encontraram suas próprias formas de
expressão, além de possibilitarem a junção da narrativa, do teatro e mais o uso
dos recursos tecnológicos que a indústria trouxe à existência. A música passou
a sofrer, já no final dos anos 40 e início dos anos 50, os impactos das
técnicas de reprodução tanto na forma de expressão, como na produção em massa e
na veiculação2.
A utilização do
computador em sala de aula "revolucionou" a educação e a maneira pela
qual o aluno se relaciona com os conteúdos que lhe são apresentados. Esta
prática não propicia unicamente uma mudança objetiva e uma nova maneira de
realizar tarefas, mas ultrapassou sua dimensão de utilidade, gerando uma nova
forma de relação do aluno com a escrita, uma nova forma de comunicação, de
organização do pensamento e uma nova percepção do tempo e do espaço. Segundo
Pires (2003, p. 63):
[...] tais transformações afetam
tanto as crianças que têm um computador em seu quarto, quanto àquelas que nunca
chegaram a utilizá-lo. Trata-se de experiências diferenciadas que, no entanto,
inscrevem-se num contexto compartilhado, na medida em que a existência do
computador se impõe e marca a realidade [...].
O grande desafio da
educação através da Arte encontra-se no fato de ela deixar de ser apenas mais
uma disciplina do currículo escolar e se tornar "algo incorporado à vida
do sujeito, que o faça buscar a presença da arte como uma necessidade e um
prazer, como fruição ou como produção, porque em ambas a arte promove a
experiência criadora da sensibilização" (MEIRA, 2003, p. 131).
Para que tal objetivo
seja alcançado, é necessário que os educadores desenvolvam uma consciência
política em que estejam integradas arte, educação e cultura, juntamente com uma
proposta que dê prioridade às necessidades da classe popular que frequenta as
escolas públicas.
O professor tem um papel fundamental na condução de suas
propostas, devendo estar atento às carências que os alunos da escola pública
apresentam nos conteúdos de Arte.
Cada escola inserida
numa determinada comunidade possui sua própria realidade social que difere das
realidades de outras escolas localizadas em comunidades, bairros ou cidades
diferentes. Este fato interfere diretamente na maneira pela qual o docente irá
selecionar os conteúdos a serem aplicados, pois isso dependerá não somente dos
recursos de que a escola possa dispor, mas também dos alunos para quem se
dirige a ação pedagógica. Jesus (2002, p. 111) confirma esta idéia:
"Faz-se necessário trabalhar com profissionais da educação de maneira que
eles, sendo capazes de compreender suas práticas e refletir sobre elas, sejam
também capazes de transformar as suas lógicas de ensino".
Entendemos que seja
importante para os professores dessa disciplina que haja uma compreensão
histórica do ensino da Arte nas escolas públicas do Município, uma análise das
políticas que já foram adotadas em períodos passados a partir da legislação
anterior e das políticas atuais, com o objetivo de auxiliá-los na prática
pedagógica.
Todo o caminho
percorrido pelo ensino das Artes no Brasil, segundo Barbosa (1999), vai desde o
ensino jesuítico, com uma valorização exacerbada das artes literárias e com a
inclusão das aulas de Desenho no currículo, após a reforma educacional
executada pelo Marquês de Pombal. O ensino de hoje é marcado pela utilização de
tecnologias avançadas como a informática, nas aulas de Arte, principalmente
quando estão vinculadas às linguagens visuais.
Assim, durante a
trajetória do ensino até os dias atuais, foram necessárias várias alterações na
prática escolar, até mesmo na legislação. Portanto, resta identificarmos se o
ensino atual tem correspondido ao que deve ser, tomando como referência as
orientações trazidas pelo PCN (BRASIL, 1997) e o direcionamento que os professores
dão aos conteúdos que apresentam em sala de aula. O Plano de Desenvolvimento da
Educação (BRASIL, 2007) associa as conquistas alcançadas na qualidade da
educação, desde o seu lançamento, aos professores que possuem formação que os
capacite a exercer o magistério.
As políticas que
incentivam o ensino de Arte devem contribuir para que a prática pedagógica
atenda à necessidade de aprendizagem do aluno da escola pública dentro do seu
contexto social, cultural e econômico. As políticas não podem mais ficar
distantes da realidade dessas escolas e dos seus alunos, uma vez que se
questiona a qualidade do ensino artístico em muitas escolas por lhes faltarem
infra-estrutura, material de apoio e professores qualificados. As políticas de
incentivo ao ensino necessitam acompanhar as modificações na educação e dar a
sua contribuição. Os professores precisam estar sempre se atualizando, pois,
sem adquirir um conhecimento básico em Arte, torna-se impossível contribuir
para que uma consciência crítica e valores vinculados à cidadania se
desenvolvam em seus alunos.
A
formação do professor de Artes na atualidade: globalização e pós-modernidade
como desafios
Um tema instigante e
uma realidade desafiadora, que persiste na atualidade, é quanto à formação de
docentes cuja função é o ensino de Arte para o ensino fundamental e médio no
país.
Torna-se
questionadora essa realidade no quadro educacional brasileiro, pois, muitas
vezes, ou melhor, na maior parte das circunstâncias, profissionais sem formação
de nível superior ocupam a função de docentes. Para a área de Artes, isso
significa que os docentes da área têm carecido de uma formação básica,
específica e, ao mesmo tempo, abrangente de Arte, seja ela nas áreas de música,
dança, artes visuais ou teatro, como estão explicitadas no PCN de Artes
(BRASIL, 1997).
Segundo Pereira (1999), desde a década de 1930,
quando os cursos de licenciatura que habilitam professores para o exercício do
magistério foram criados no Brasil, a proposta curricular de formação desses
professores permanecia sem alterações significativas em seu modelo. A
tramitação do anteprojeto que gerou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (BRASIL, 1996) suscitou, nos anos 1990, uma nova onda de debates sobre
a formação docente no Brasil, em que participaram ativamente as entidades
representantes de profissionais da educação e o mundo acadêmico. Assim, o novo
modelo educacional a ser proposto foi amplamente discutido no Congresso
Nacional, sobretudo, os novos parâmetros para a formação de professores que se
tornavam evidentes com a Lei.
Na época em que a LDB
foi aprovada, o contexto era marcado pela hegemonia das políticas neoliberais
que estavam sendo implementadas na América Latina. O Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o Banco Mundial "procuravam promover a reforma do
Estado, minimizando o seu papel", e favoreciam "o predomínio das
regras do mercado em todos os setores da sociedade, incluindo as atividades
educacionais" (PEREIRA, 1999).
Hoje, é notória a grande necessidade que temos da
criação de cursos de licenciatura em todo o país, tendo em vista atender aos
professores que atuam sem a formação mínima exigida pela Lei. O Plano Nacional
de Educação (BRASIL, 2001) evidencia esta realidade. E no caso da disciplina
Arte para a educação básica, a situação não é diferente.
À medida que o tempo
passa nos temo-nos deparado com a necessidade dos docentes da área de se
adaptarem às transformações que as condições impostas pelo capital trouxeram ao
sistema educacional, que se apresenta como coadjuvante dos processos
"evolutivos" do modelo econômico.
Refletir sobre a
formação de professores de Arte torna-se imperativo para aqueles que se
identificam com a área, levando em consideração as diferentes etapas da
história do ensino artístico no país, às quais nos referimos nesse artigo: o
início do século XX, quando o ensino era ministrado de forma a atender aos
interesses de um Estado nacionalista e centralizador, e a atualidade, quando
nos encontramos inseridos numa educação afetada pela globalização da economia e
pela pós-modernidade.
A partir da
implantação da política econômica neoliberal, transformações determinantes
passaram a ocorrer no mundo e levaram as sociedades a se enquadrarem num
sistema imposto pelos países que primeiro se industrializaram. Entendemos que
esse processo alterou as funções de organização do Estado, e ao mesmo tempo,
privou-o de investir como deveria em várias áreas da sociedade, entre elas, a
educação.
O Estado, sob o ponto
de vista de Rummert (2005, p.1) pode ser "compreendido como a forma de
organização da dominação de uma classe sobre toda a sociedade, revestindo-se de
grande complexidade." Esta classe, detentora do poder econômico, torna-se,
no âmbito do Estado, "também em classe politicamente dominante",
pois, segundo os seus interesses, tem influenciado na adoção dos parâmetros
educacionais aos quais nos referimos.
Encontrar uma
definição para a educação na pós-modernidade significaria, segundo Souza (2003,
p. 15), enfrentar de modo crítico "as principais questões que regem os
processos de subjetivação do mundo atual", bem como entender a cultura da
nossa época, em que os sujeitos encontram-se constituídos em torno do consumo,
do tempo livre e do prazer. O fato é que a nossa cultura tornou-se pós-moderna,
regida e fragmentada pelo sistema imposto pelo capital, em que encontramos
características que permeiam e se refletem na educação e nas Arte atuais.
Contudo, é oportuno
lembrarmos uma pergunta feita por Franco (1999, p. 101): o "que significa
preparar para o trabalho em um mundo como este"? E a partir disso,
perguntamos: o que significa formar professores de Arte nos dias atuais? Como
os cursos de licenciatura nas áreas de Arte têm encaminhado suas propostas
curriculares para alunos que, por sua vez, serão formadores de cidadãos num
futuro próximo? Com quais objetivos formam-se professores de Arte?
As mudanças trazidas
pela globalização, e que afetam todas as áreas da esfera humana, contribuem
para que as obras de Arte entrem nas escolas pelos museus virtuais, o que seria
algo impossível sem o uso da tecnologia. Anteriormente à informatização nas
escolas, esse recurso ainda não era realidade, e o acesso às obras, sobretudo
às obras de arte que se encontram em museus, era bem menor. Não queremos
afirmar, aqui, que as obras de arte perderam o seu fascínio devido ao acesso
facilitado. Mas chamamos a atenção para o fato da facilidade do acesso permitir
que grande parte de pessoas que, dificilmente buscariam admirá-las, estabeleçam
um contato mais próximo com as obras de arte, especialmente na escola.
Esse acesso às artes
visuais, que se tornou algo comum para a sociedade atual, também pode ser
exemplificado por meio de telas de artistas famosos que se encontram impressas
em capas de caderno, livros, revistas e disponíveis na internet, por exemplo. Concluímos que, devido às
possibilidades permitidas pelos avanços da globalização e pelos aparatos
tecnológicos, a análise e a percepção das produções visuais, bem como as
diversas concepções estéticas, tornaram-se mais acessíveis e existem num
sentido mais comum a todos.
As obras continuam
sendo apreciadas nos museus, mas uma maneira de pensar que adentrou a
identidade das culturas penetrou também todos os setores da sociedade,
inclusive as escolas. Portanto, como consequência dos processos sociais da
globalização, as culturas estão cada vez mais próximas umas das outras e o
valor das artes visuais na vida dos indivíduos e seus significados expressivos
colaboram para as possíveis articulações com o domínio estético-expressivo e o
domínio ético na educação básica.
Deste modo, passa a haver a necessidade de os professores se adaptarem
ao uso da tecnologia como um suporte necessário para as aulas de Arte, bem como
ao uso de imagens e artistas que explorem temas sociais. Barbosa (2003) escreve
referindo-se a críticos de Arte no Brasil que passaram a desprezar temas que
artistas brasileiros exploravam e que denunciam realidades. Muitos desses
artistas têm sido utilizados nas aulas de Arte, tal como Candido Portinari, por
exemplo. Mas devido ao sistema globalizado que rege o mundo, alguns temas
sociais não são postos em evidência, ficando escondidos. Segundo a autora, este
fato também se estende na América Latina.
Chegamos num ponto
chave que pode tornar-se um dos fios condutores da discussão apresentada: o
modo de vida do capitalismo tardio ou pós-industrial (JAMESON, 1996) tornou-se
o grande responsável e a mola-mestra de todas as transformações que hoje
permeiam a economia, a educação, a Arte, a cultura e o mundo do trabalho. O
declínio de uma valorização da originalidade nas Artes deu lugar à suposição de
que a Arte pode ser "arte" na repetição, e de que a genialidade do
produtor artístico e o que ele deseja expressar não são mais valorizados. E, se
não fosse somente isso, "é doloroso notar a perversidade destrutiva da
intelectualidade em países de terceiro mundo" (BARBOSA, 2003, p. 113), que
têm sido instrumento de desprezo por obras de Arte autênticas e expressivas.
Devemos ressaltar, como afirma Frigotto (1999, p. 26), que vivemos "sob a égide de
uma sociedade classista, vale dizer, estruturada na extração de mais-valia
absoluta, relativa e extra," em que as relações sociais são, por base,
estabelecidas primeiramente por critérios materialistas. Educadores e educandos
são agentes sociais que constituem essa contraditória trama de consciência
crítica e de alienação, interagindo, assim, num processo educativo marcado pela
lógica do mercado e por uma
"noção de
equivalência entre consumo e cidadania" (REIS; RODRIGUES, 2005, p. 2).
Precisamos entender e
levar em consideração que a formação profissional atual, e aqui nos referimos à
formação de professores, é vista como uma resposta estratégica, ou até mesmo
uma consequência natural dos "problemas postos pela globalização
econômica", gerados por uma busca da reestruturação produtiva, da qualidade
e da competitividade, dando origem às transformações no mundo do trabalho
(FRANCO, 1999, p. 101).
Se professores de Arte são agentes sociais,
culturais e políticos, que promovem aos indivíduos a oportunidade de ampliar o
entendimento para garantir a efetivação de uma cidadania ativa e participante
(BRASIL, 1997), envolvendo as práticas artísticas, eles precisam abordar seus
conteúdos e práticas de forma a levar seus alunos a refletirem na atualidade e
em seus parâmetros.
É proposta do próprio PCN que os professores
auxiliem seus alunos a posicionarse (Pôr em posição: )com sensibilidade e
critérios éticos, diante de um conjunto de circunstâncias, pois trabalhar ética
e estética na produção de Arte dos alunos e de artistas significa considerar
suas possibilidades criadoras correlacionadas com as realidades socioculturais
e comunicacionais em que vivem.
Já que é tarefa do
poder público "a coordenação da política nacional de educação, articulando
os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa em relação às demais
instâncias educacionais" (BRASIL, 1996), questionamos o seu papel, pois,
diante de um mundo de culturas e saberes globalizados, tem deixado a desejar no
que se refere ao investimento em políticas que priorizem a valorização dos
professores de Arte, e que conceda a estes a possibilidade de obter subsídios
para um investimento maior na formação de cidadãos na educação básica.
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Professora Psicopedagoga
Simonne Machado