sexta-feira, 23 de março de 2012

RESUMOS DE DIVERSOS LIVROS PARA VESTIBULAR E AFINS

Auto da Barca do Inferno

Gil Vicente
  • Inferno, detalhe de quadro português anônimo de 1520
    Inferno, detalhe de quadro português anônimo de 1520

Antes de mais nada, "auto" é uma designação genérica para peça, 

pequena representação teatral. Originário na Idade 

Média, tinha de início caráter religioso; depois tornou-

se popular, para distração do povo. Foi Gil Vicente (1465-c. 1537) que 

introduziu esse tipo de teatro em Portugal.

O "Auto da Barca do Inferno" (c. 1517) representa o juízo final 

católico de forma satírica e com forte apelo moral. O cenário é uma espécie de porto, 

onde se encontram duas barcas: uma com destino ao inferno, comandada pelo diabo, e a 

outra, com destino ao paraíso, comandada por um anjo. Ambos os comandantes 

aguardam os mortos, que são as almas que seguirão ao paraíso ou ao inferno.

Chegam os mortos

Os mortos começam a chegar. Um fidalgo é o primeiro. Ele representa a nobreza, e é 

condenado ao inferno por seus pecados, tirania e luxúria. O diabo ordena ao fidalgo que 

embarque. Este, arrogante, julga-se merecedor do paraíso, pois deixou muita gente 

rezando por ele. Recusado pelo anjo, encaminha-se, frustrado, para a barca do inferno; 

mas tenta convencer o diabo a deixá-lo rever sua amada, pois esta 

"sente muito" sua falta. O diabo destrói seu argumento, afirmando 

que ela o estava enganando.

Um agiota chega a seguir. Ele também é condenado ao inferno por ganância e avareza.

Tenta convencer o anjo a ir para o céu, mas não consegue. Também pede ao diabo que o

deixe voltar para pegar a riqueza que acumulou, mas é impedido e acaba na barca do

inferno.

O terceiro indivíduo a chegar é o parvo (um tolo, ingênuo). O diabo tenta convencê-lo a

entrar na barca do inferno; quando o parvo descobre qual é o destino dela, vai falar com o

anjo. Este, agraciando-o por sua humildade, permite-lhe entrar na barca do céu.

O frade e a alcoviteira


A alma seguinte é a de um sapateiro, com todos os seus instrumentos de trabalho. 

Durante sua vida enganou muitas pessoas, e tenta enganar também o diabo. Como não 

consegue, recorre ao anjo, que o condena como alguém que roubou do povo.

O frade é o quinto a chegar... com sua amante. Chega cantarolando. Sente-se ofendido

quando o diabo o convida a entrar na barca do inferno, pois, sendo representante religioso,

crê que teria perdão. Foi, porém, condenado ao inferno por falso moralismo religioso.

Brísida Vaz, feiticeira e alcoviteira, é recebida pelo diabo, que lhe diz que seu o maior bem

são "seiscentos virgos postiços". Virgo é hímen, representa a virgindade. Compreendemos

que essa mulher prostituiu muitas meninas virgens, e "postiço" nos faz acreditar que

enganara seiscentos homens, dizendo que tais meninas eram virgens. Brísida Vaz tenta

convencer o anjo a levá-la na barca do céu inutilmente. Ela é condenada por prostituição e

feitiçaria.

De judeus e "cristãos novos"


A seguir, é a vez do judeu, que chega acompanhado por um bode. Encaminha-se direto ao

diabo, pedindo para embarcar, mas até o diabo recusa-se a levá-lo. Ele tenta subornar o

diabo, porém este, com a desculpa de não transportar bodes, o aconselha a procurar outra

barca. O judeu fala então com o anjo, porém não consegue aproximar-se dele: é impedido,

acusado de não aceitar o cristianismo. Por fim, o diabo aceita levar o judeu e seu bode, 

mas não dentro de sua barca, e, sim, rebocados.

Tal trecho faz-nos pensar em preconceito antissemita do autor, porém, para entendermos

por que Gil Vicente deu tal tratamento a esse personagem, precisamos contextualizar a

época em que o auto foi escrito. Durante o reinado de dom Manuel, de 1495-1521, 

muitos judeus foram expulsos de Portugal, e os que ficaram, tiveram

que se converter ao cristianismo, sendo perseguidos e chamados de

"cristãos novos". Ou seja, Gil Vicente segue, nesta obra, o espírito da

época.

Representantes do judiciário


O corregedor e o procurador, representantes do judiciário, chegam, a seguir, trazendo

livros e processos. Quando convidados pelo diabo para embarcarem, começam a tecer 

suas defesas e encaminham-se ao anjo. Na barca do céu, o anjo os impede de entrar: são 

condenados à barca do inferno por manipularem a justiça em benefício próprio. Ambos 

farão companhia à Brísida Vaz, revelando certa familiaridade com a cafetina - o que nos 

faz crer em trocas de serviços entre eles e ela...

O próximo a chegar é o enforcado, que acredita ter perdão para seus pecados, pois em

vida foi julgado e enforcado. Mas também é condenado a ir ao inferno por corrupção.

Por fim, chegam à barca quatro cavaleiros que lutaram e morreram defendendo o

cristianismo. Estes são recebidos pelo anjo e perdoados imediatamente.

O bem e o mal


Como você percebeu, todos os personagens que têm como destino o inferno possuem

algumas características comuns, chegam trazendo consigo objetos terrenos,

representando seu apego à vida; por isso, tentam voltar. E os personagens a quem se 

oferece o céu são cristãos e puros. Você pode perceber que o mundo aqui ironizado pelo 

autor é maniqueísta: o bem e o mal, o bom e o ruim são metades de um mundo moral 

simplificado.

O "Auto da Barca do Inferno" faz parte de uma trilogia (Autos da Barca "da Glória", "do

Inferno" e "do Purgatório"). Escrito em versos de sete sílabas poéticas, possui apenas um

ato, dividido em várias cenas. A linguagem entre os personagens é coloquial - e é através

das falas que podemos classificar a condição social de cada um dos personagens.

Valores de duas épocas

Escrita na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, a obra

oscila entre os valores morais de duas épocas: ao mesmo tempo que há uma severa

crítica à sociedade, típica da Idade Moderna, a obra também está religiosamente voltada 

para a figura de Deus, o que é uma característica medieval.

A sátira social é implacável e coloca em prática um lema, que é "rindo, corrigem-se os

defeitos da sociedade". A obra tem, portanto, valor educativo muito forte. A sátira vicentina

serve para nos mostrar, tocando nas feridas sociais de seu tempo, que havia um mundo melhor, em que todos eram melhores. Mas é um mundo perdido, infelizmente. Ou seja, a mensagem final, por trás dos risos, é um tanto pessimista.


Memórias de um Sargento de Milícias



Capítulo 1


Leonardo Pataca e Maria da Hortaliça embarcam para o Brasil. Entre pisadelas e beliscões os dois 


jovens portugueses enamoram-se, envolvem-se e, meses mais tarde, nasce Leonar­dinho, o protagonista 


do romance. É, estranhamente, um me­ni­no gordo e grande, apesar de ter nascido tão cedo. A parteira e 


barbeiro são seus padrinhos de batismo.



Capítulo 2


Leonardo Pataca descobre-se traído por Maria e surra a mulher. O amante que estava com ela 


desaparece. Leonardinho rasga uns documentos que o pai esquecera sobre a mesa. O pai dá-lhe um 


pontapé que o manda longe. O menino vai viver com o padrinho. Maria da Hortaliça já não se encontra 


com o marido, pois fugira para Portugal com o capitão de um navio. 




Capítulo 3


O padrinho protege Leonardo. A madrinha cobra energia do barbeiro. Acha que Leonardo precisa ser 


castigado, já que é levado demais. O padrinho quer o afilhado padre, pois anda apreensivo com o futuro 


do pequeno



Capítulo 4


Apaixonado por uma cigana que não o quer, Leonardo Pataca acaba preso, por recorrer a bruxarias, a 


fim de conquistá-la. Quem o prende é o Major Vidigal


Capítulo 5


O narrador fala de Vidigal, um homem temido e influente, apesar de parecer mole e lento. Ele é cruel 


com os que não trabalham e não tem piedade dos criminosos. Todos os que participavam da cerimônia 


de feitiçaria com Leonardo são chicoteados, para que dancem, até que não mais aguentem. Leonardo 


Pataca acaba na cadeia


Capítulo 6


A comadre consegue libertar Leonardo Pataca. Leonardinho dorme em um acampamento cigano depois 


de seguir a procissão.



Capítulo 7



Fala da comadre, de seus momentos de esperteza e dos de inocência, da profissão de parteira, de suas 


benzedeiras, cochichos e rezas.



Capítulo 8


A Comadre pedira a um tenente-coronel seu conhecido que conseguisse do rei algum benefício para 


Leonardo Pataca.


Capítulo 9


Conta-se a história do padrinho, que se apossou das economias de um capitão, às portas da morte, ao 


invés de entregá-las à filha do falecido, conforme prometera. O dinheiro proporciona-lhe uma vida boa e 


confortável.



Capítulo 10


Leonardo fora libertado, porque o tenente-coronel tinha um filho que seduzira Maria da Hortaliça em 


Portugal, deflorando-a e abandonando-a, em tempos passados, e ajudar Pataca foi uma forma de pagar 


pelo mal cometido pelo filho.



Capítulo 11


Leonardinho não tem vocação para padre e é lerdo para aprender. O padrinho preocupa-se por ele. A 


vizinha briga com o petiz, que a imita. O padrinho, que já discutira com ela, por causa da desavença com 


o pequeno, diverte-se com a imitação feita.



Capítulo 12


Na escola, Leonardinho é punido constantemente com a palmatória, pois só faz travessuras. Termina 


abandonando os estudos, depois de muito fugir da escola.


Capítulo 13


Leonardinho fica amigo de um garoto que é coroinha e diz ao padrinho que também gostaria de servir 


na Igreja, como o outro. Em verdade, por ser malandro demais e não gostar dos estudos, o menino 


pretende encontrar um meio de fazer mais peraltices. Como o barbeiro tem vontade que o pequeno siga 


a carreira sacerdotal, imagina que será bom que ele comece a conviver no meio eclesiástico. Sabe que, 


apesar de tê-lo feito frequentar a escola novamente, o afilhado não se empenha e vive fugindo das aulas


Os meninos, que se tornaram amigos em uma das fugas de Leonardinho, vingam-se da vizinha com a 


qual o padrinho brigara, jogando fumaça de incenso em seu rosto e também lhe entornando um pouco 


de cera na mantilha que estava usando.


Capítulo 14


A cigana com a qual Leonardo Pataca se havia envolvido é amante de um padre que exerce a função de 


mestre de cerimônias da Igreja da Sé. Ele deverá proferir o sermão, por ocasião de uma festa que 


ocorrerá na igreja em questão. Um capuchinho italiano toma-lhe o lugar no púlpito, quando o padre se 


atrasa para a cerimônia. Em realidade, o grande responsável pelo problema é Leonardinho, que lhe 


informa o horário do acontecimento com uma hora de diferença do que deveria ser. Acaba sendo 


mandado embora, pelo que fez


Capítulo 15


Chico-Juca é contratado para comparecer a uma reunião festiva que ocorrerá na casa da cigana da qual 


Pataca gosta. É a forma que o pai de Leonardinho arranja para se vingar dela e do padre com o qual se 


envolvera. Não satisfeito com o que já programara, Pataca complementa sua vingança, avisando o Major 


Vidigal do que está ocorrendo. O padre vai parar na cadeia, para a satisfação de Leonardo.



Capítulo 16


As coisas encaminham-se muito mal para o padre flagrado pelo Major. Arrependido e humilhado, ele 


toma a decisão de deixar a amante cigana. Mesmo desa­gradando a comadre, que tanto o aju­dara, 


Leonardo Pataca retoma o relacionamento com a traidora e é recriminado por sua atitude. Cho­cada, a 


comadre o repreende.


Capítulo 17


A gorda D. Maria simpatiza com Leonardinho. Ela aprecia demais as demandas ou ações judiciais. 


Quando acontece a procissão recebe o Compadre em sua casa, além do afilhado. Também estão lá a 


Comadre e a vizinha, que tem a saia pisada pelo pequeno peralta, enquanto todos falam a respeito das 


traquinagens que ele faz o tempo todo. Leo­nardinho rasga a saia da mulher e continua a centralizar o 


assunto da conversa, já que trocam idei­as sobre seu futuro. Para a velha senhora dona da casa, em toda 


a sua bondade e amor pelos me­nos afortunados, o menino deve-se tornar um "procurador de causas", 


pois seria o melhor para ele



Capítulo 18



Mais velho, Leonardo Pataca junta-se a Chiquinha, filha da Comadre, com quem acabará tendo uma 


filha. 


Quanto a Leonardinho, torna-se, segundo o narrador, um "vadio-mestre", um "vadio-tipo". Vão por água 


abaixo os planos feitos para ele pelo com­padre, pois não se torna padre. Tão pouco segue os desejos 


da Comadre ou de Dona Maria. Sem trabalho, sem preocupações, leva a vida aven­tureira que lhe é 


tremendamente agradável.


Faz visitas a D. Maria, acompanhando o padrinho. A velha senhora vencera mais uma de suas 


demandas, tornando-se tutora de uma sobrinha órfã chamada Luisinha. A moça veio da roça e é uma 


pessoa de­sen­­gonçada, alta e magricela. Sua herança havia sido de mil cruzados. Leonardinho tem 


dificuldade em controlar o riso quando a conhece, em um longo ves­tido de chita roxa, muito 


deselegante. E sempre se ri, quando se lembra dela. E sempre se lembra dela.




Capítulo 19


Leonardinho e Luisinha aproximam-se grada­tivamente e o amor entre eles começa a brotar.



Capítulo 20



Depois que acontece a Festa do Divino, o casal torna-se mais unido e íntimo, fortalecendo os sen­


timentos que nutrem um pelo outro.


Capítulo 21


Visitando D. Maria, padrinho e afilhado veem-se diante do Sr. José Manuel, um velhaco de primeira, que 


adula a velha para conseguir chegar até Luisinha. Suas pretensões visam à herança que a moça deverá 


receber com a morte de D. Maria, já que será a única beneficiária da tutora.


Capítulo 22


A Comadre une-se ao Compadre, a fim de traçarem seus planos para desarmar a tramoia de José 


Manuele auxiliar o afilhado.



Capítulo 23



Leonardinho já se apercebeu das intenções de José Manuel e sente vontade de cortar-lhe o pescoço 


com uma navalha do Compadre. Seu padrinho, entretanto, aconselha-o e procura acalmar-lhe os 


ciúmes. 


O rapaz, muito desajeitado, consegue se de­clarar a Luisinha, após idas e vindas bastante cômicas, 


tremores e dúvidas, risos nervosos e um extremo desgaste


2ª parte do livro Memórias de um Sargento de Milícias


Manuel Antonio de Almeida


Capítulo 1


Leonardo Pataca, pai de Leonardinho, tem uma filha com Chiquinha e a Comadre responsabiliza-se em fazer o parto. A menina será tranquila e risonha, o avesso do irmão


Capítulo 2 


A Comadre, como excelente fuxiqueira que é, leva ao conhecimento de D. Maria 


histórias que se contam sobre uma determinada ocorrência policial bastante 


comentada naquele tempo. Diz que ficou sabendo que José Manuel havia sido 


responsável pelo roubo de uma jovem e de uma bolsa com dinheiro. Facilitam-se os 


planos feitos por ela, o Com­padre e o afilhado, tendo em vista que José Manuel se 


desvaloriza demais perante Dona Maria, que é uma mulher honesta e não suporta 


falta de caráter.


Capítulo 3


José Manuel não desiste de Luisinha, apesar dos pesares. Deseja saber 


quem o intrigou com D. Ma­ria.


Capítulo 4


O Mestre de Rezas é cego e tem fama de ser um bom arranjador de casamentos. 


Ajuda José Manuel a se aproximar de Luisinha e procura descobrir quem falara mal 


do rapaz para D. Maria.


Capítulo 5


Com a morte do padrinho, Leonardinho torna-se seu único herdeiro. Leonardo Pataca sabe disso, por intermédio da Comadre, e prontifica-se a tomar conta do filho, por puro interesse. O rapaz não consegue esquecer o pontapé que o pai, um dia, lhe dera. Não o agrada viver com um homem que vira tão poucas vezes. Sem opção, porém, acaba indo morar com o pai, Chiquinha e a irmãzinha


Capítulo 6


Apesar de ter herdado "um bom par de mil cruzados", Leonardinho acaba escorraçado da casa do pai, que o persegue com um espadim em punho, em mais um dia de brigas entre o moço e Chiquinha, a mulher do pai. Tudo acontece porque Leonardinho não vê Luisinha na casa de D. Maria, quando vai até lá; e, por esse motivo, irrita-se.


Capítulo 7


Leonardinho conhece Vidinha, mulata que gosta de tocar viola e cantar suas 


modinhas, quando reencontra um ex-sacristão seu amigo, que o chama para fazer 


com­panhia a ele e ao bando de amigos que o segue naquela ocasião. Agrada-o ouvir 


Vidinha, com seus dentes brancos e os lábios umedecidos, cantar entre eles. Tomás 


da Sé leva-o para a casa na qual também vive Vidinha - e Leonardinho ali 


per­manece, ligando-se à moç


Capítulo 


As viúvas e seus filhos vivem na mesma casa. Leonardinho passa a conviver com a família. Vidinha é uma das três moças que lá moram. Além delas, existem três rapazes. Os moços são funcionários da estrada de ferro. A idade dos jovens todos 


está por volta dos vinte anos


Capítulo 9


José Manuel procura desfazer a má impressão que as intrigas haviam deixado em D. 


Maria a respeito dele. A madrinha procura o afilhado, sem conseguir encontrá-lo em 


lugar algum. Quando vai até a casa de D. Maria, leva uma reprimenda por tudo o que 


dissera a respeito de José Manuel, já que o pre­tendente de Luisinha conseguira 


livrar-se das acusações, auxiliado pelo Mestre de Rezas. A Comadre pede desculpas 


a D. Maria, já que não tem meios de aju­dar Leonardinho naquele momento.




Capítulo 10



Vidinha é o pomo da discórdia em sua casa, pois desperta o interesse do primo e 


também o de Leonardinho. Acontece uma briga e o rapaz deseja partir. As viúvas e 


Vidinha estão a favor dele. É convencido a permanecer com a família. A Comadre 


consegue achá-lo logo após a briga.


Capítulo 11


A Comadre e as viúvas conversam. Leonardinho fica. Quando está em um 


piquenique, divertindo-se, acaba prisioneiro do Major Vidigal, por vadiage


Capítulo 12


José Manuel ganha uma das demandas para D. Maria e, desta forma, consegue o 


"sim" da velha senhora ao seu pedido de casamento. Luisinha está bastante aca­


brunhada com o desaparecimento de Leonar­dinho, que não mais a procurara. Sem 


qualquer entusiasmo, aceita casar-se. O noivo vive a fazer os cálculos de quanto irá 


lucrar com o enlace. Casam-se os noivos e é feita uma grande festa.








Capítulo 13



O Major Vidigal acaba desmoralizado, pois Leonar­dinho serve-se de uma agitação que 

ocorria na rua por onde passava aprisionado e foge. Volta para a casa da mulata Vidinha. 

Como jamais nenhum safado lhe escapara e por não estar acostumado com falta de 

respeito, Vidigal irrita-se como nunca e procura-o incansavelmente, 

em companhia dos granadeiros.






Capítulo 14


Encontrar o fujão é uma questão de honra para o Major. Quer se vingar, pois não aceita ter 

sido alvo de chacotas. A Comadre, por sua vez, implora a Vidigal pelo afilhado, sem saber 

que ele já não está mais na prisão. Chega a chorar, ficando de joelhos, mas riem de sua 

atitude.



Capítulo 15


Sabendo que o afilhado está em liberdade e desejando salvá-lo da ira do Major Vidigal, a 

Comadre vai até a casa ds viúvas, passa uma descompostura em Leonardinho e exige que 

ele comece a trabalhar. Consegue-lhe um emprego na despensa ou ucharia real, local em 

que estão depositados mantimentos.

Para Vidigal, essa é uma notícia ruim, pois seu perseguido deixa de ser um vadio, não 

havendo mais motivo para prendê-lo. Leonardinho, porém, não toma jeito. Rouba 

provisões da ucharia, levando-as para Vidinha. Envolve-se com a mulher de um dos 

empregados do Paço Real - o toma-largura -, visi­tando-lhe a mulher, na ausência deste, 

pois a moça é bela e desperta-lhe o interesse. O toma-largura acaba encontrando o 

maroto tomando um caldo com sua mulher e, desconfiado, persegue-o. Leo­nardinho acaba na rua, sem emprego.



Capítulo 16


Vidinha, que já andava abandonada pelo moço, acaba sabendo do que acontecera, pois 

as notícias correm de boca em boca. Movida pelo ciúme e pela raiva, toma satisfações 

com a mulher do toma-largura e aproveita para fazer desfeita para o pobre coitado. 

Leonardinho, que seguira a jovem até a ucharia, termina em poder de Vidigal.



Capítulo 17

O toma-largura e a mulher não reagem ante os desacatos de Vidinha. O homem, ao 

contrário, interessa-se por ela e procura saber onde mora, depois que ela se vai. Quer 

conquistá-la, ter uma aventura e vingar-se daquele que o ultrajara.



Capítulo 18

Ninguém consegue encontrar Leonardinho, que está devidamente oculto por Vidigal. 

Procuram-no, mas é em vão. Nem na Casa da Guarda pode ser encontrado. A família de 

Vidinha chega à conclusão de que ele não deseja que o encontrem. Tirada essa 

conclusão, todos passam a detestá-lo. A Comadre é outra que perde seu tempo 

inutilmente, pois não consegue achar o afilhado.

Somente quando o Major Vidigal surge em uma reunião festiva, em que o toma-largura se 

excede após beber demais, em com­panhia dos familiares de Vidinha, é que o desa­

parecimento de Leonardinho se esclarece. Em realidade, Vidigal fizera-o granadeiro e seu 

auxiliar, a fim de aproveitar-lhe a sabedoria em malandragem. Como o toma-largura 

ficasse rondando a casa de Vidinha, a família dela terminou por convidá-lo para par­ticipar 

de uma "patuscada em Cajueiros", que foi exa­tamente onde o granadeiro Leonardo deu-

lhe ordem de prisão.



Capítulo 19


Leonardinho, granadeiro do Regimento Novo por ordem de Vidigal, sentara praça assim 

que saíra da prisão. O Major vê que não se enganara com relação ao moço, pois este se 

mostra competente em suas funções. No entanto, continua a fazer suas peraltices, o que 

não lhe permite cumprir completamente com as funções que lhe haviam sido atribuídas.



Capítulo 20


Em casa de Leonardo Pataca acontece uma come­moração. Teotônio - jogador, tocador e 

cantor - está presente, entoando suas melodias. Entretanto, ele irrita o Major Vidigal, ao 

lhe imitar os trejeitos na presença de todos, despertando-lhes o riso. Vidigal inconforma-se 

com a brincadeira e dá ordens a Leo­nardinho, para que aprisione o outro. O grana­deiro 

segue até a casa do pai, para cumprir as ordens recebidas. É acolhido com simpatia e 

gosta de Teotônio, o que o leva a revelar-lhe a missão que lhe haviam destinado. Ele e 

Teotônio, então, resolvem tapear o Major Vidigal e, para tanto, traçam um plano adequado.



Capítulo 21

Um amigo desmascara Leonardinho diante de Vidigal, ao cumprimentá-lo pela façanha 

que tramara com Teotônio. O Major percebe-se enganado e mais uma vez prende o 

maroto. A madrinha consegue libertá-lo, ao descobrir uma antiga namo­rada do Major, por 

meio de D. Maria. José Manuel re­ve­la seu verdadeiro caráter, quando chega ao fim a lua 

de mel.



Capítulo 22


Auxiliadas por Maria Regalada, a Comadre e a tia de Luisinha tentam libertar o moço. 

Regalada e a Comadre procuram obter um relaxamento de prisão para ele. O Major não 

quer ceder, porém a ex-namorada segreda-lhe, ao ouvido, algo que o faz mudar de ideia, 

soltar o moço e ainda ajudá-lo no que é possível.



Capítulo 23

Concluem-se os fatos iniciados no capítulo anterior.



Capítulo 24

O sargento Leonardo e Luisinha reencontram-se durante o velório de José Manuel, que 

falecera devido a um ataque do coração, causado por uma demanda que D. Maria havia 

movido contra ele. Ao rever a moça, Leonardo admira-a e é correspondido nisto.



Capítulo 25


O namoro de ambos é retomado, assim que termina o luto da jovem pelo falecido. Como o 

granadeiro não pode se casar, por ser um sargento de linha, o casal recorre ao Major, 

pedindo sua intervenção. Vidigal vive com Maria Regalada, que cumprira o que lhe 

prometera, para que libertasse Leonardinho anteriormente. É ela, mais uma vez, quem 

interfere e convence o Major a passar Leonardo de granadeiro a Sargento de 

Milícias, a fim de que possa se casar com Luisinha.

De posse da herança que o padrinho lhe deixara e que o pai, Leonardo Pataca, acabara 

por devolver-lhe, o moço desposa Luisinha finalmente. Fecha-se o romance, noticiando-se 

a morte de D. Maria e a de Leonardo Pataca, além de vários acontecimentos tristes, que o 

narrador diz preferir poupar o leitor de conhecer.







  • A Cidade e as Serras



    A Cidade e as Serras

    Eça de Queirós
    Foto que Eça de Queirós considerava seu melhor retrato
    Foto que Eça de Queirós considerava seu melhor retrato
    Este último romance de Eça de Queirós foi publicado em 1901, um ano após sua morte.

    Como o próprio nome da obra revela (a cidade se opõe ao campo), pretende criticar o

    Um interessante foco narrativo
    Dizem os críticos que neste romance Eça aproveita para fazer seus personagens 

    Esse foco narrativo (ou seja, essa maneira de contar a história) tem um nome técnico, "eu-como-testemunha", e é muito apropriado para obras que desejam ser críticas, pois o personagem-narrador acompanhará o protagonista em suas aventuras; e, como contará a história tempos depois, pode ser bem crítico e analisar melhor o que aconteceu. No 

    Vida fácil no campo
    Embora muito inteligente e capaz, Jacinto vive do dinheiro herdado da família. Desde pequeno tudo dava certo em sua vida. Já adulto, elegante e culto, parece achar que os males humanos seriam curados com a volta das pessoas à vida no campo. É muito fácil pensar assim, quando, tendo muito dinheiro, não precisamos plantar nem colher nem viver as privações do trabalho agrícola. Há, portanto, uma moralidade muito simplificada nesta obra, que faz com que os críticos julguem o personagem um pouco tolo e Eça de Queirós um tanto superficial.

    De início, a maior preocupação de Jacinto era defender o progresso, a civilização e a cidade grande. Achava ele que ser civilizado é enxergar adiante, ver o futuro. José Fernandes (narrador e seu amigo) fica espantado quando reencontra Jacinto em Paris, em sua mansão na Avenida Campos Elísios, número 202. Há todo o tipo de modernidade e luxo, além de uma biblioteca com milhares de títulos dos principais escritores e cientistas do mundo.

    Convidado por Jacinto a morar em Paris, o narrador percebe (e nos conta) que Jacinto vai-se decepcionando com a superficialidade das pessoas com quem convive. Ele passa a conviver mal com o barulho futurista da cidade, com o movimento e burburinho das pessoas em festas e reuniões e com a tecnologia, que sempre o deixa na mão.

    A ida para o campo
    Os incidentes da vida moderna criavam, na verdade, tédio em Jacinto. Seu criado fiel, Grilo, conta ao narrador que o mal de seu patrão "era fartura". "O meu Príncipe sente abafadamente a fartura de Paris...", diz ele. Jacinto, numa mudança existencial, passou a achar que Paris era uma ilusão, tudo era abafado e não havia grandeza na cidade, mas apenas comerciantes, cortesãs, famílias desagregadas... Começa a filosofar, e o narrador nos conta o que ele dizia: "o burguês triunfa, muito forte, todo endurecido no pecado - e contra ele são impotentes os prantos dos humanitários..."

    Um dia Jacinto decide: mudará para Tormes, sua propriedade rural, onde seus avós estavam enterrados. Ambos os amigos partem então de Paris para as serras. Nosso narrador ainda diz que Jacinto afirmava que "encontrariam o 202 no interior", contando, é claro, com o conforto daquela propriedade, um castelo.

    As coisas não dão tão certo: o advogado do milionário não o esperava tão cedo, as malas todas da viagem ficaram perdidas e os dois amigos ficaram a pé para atravessar a serra. Pior: ninguém sabia na casa que eles viriam, por isso não havia conforto, nada estava preparado.

    O milagre da comida caseira
    Irritado, pois, afinal, não sabia viver sem conforto, Jacinto afirmou que iria a Lisboa. Mas Melchior, o caseiro, arranjou-lhes uma comida simples, sem taças de cristal nem porcelana. Começa a mudança do protagonista: "Diante do louro frango assado no espeto e da salada (...) a que apetecera na horta, agora temperada com um azeite da serra digno dos lábios de Platão, terminou por bradar: 'É divino'."

    Apaixonado pela nova vida, o dono da mansão do "202" em Paris ficará em Tormes, mesmo sozinho, pois seu amigo, o narrador, havia partido para outra cidade. Intrigado com essa espantosa decisão do amigo, José Fernandes volta a visitá-lo e o encontra forte, corado, "parecia um camponês".

    O campo muda o homem
    Conhecendo a pobreza que há nos campos, Jacinto começa a cuidar dos humildes. Queria fazer benfeitorias, ou seja, trazer certa "civilização" ao interior de Portugal. Numa das festas desse mundo interiorano, conheceremos também a ignorância e o atraso em que viviam os camponeses. Havia (nos conta o narrador) uma "mentalidade política atrasada, absolutista", enquanto nas cidades havia novas doutrinas e teorias (como o positivismo, praticado por ambos, Jacinto e José Fernandes).

    Numa das visitas à família do amigo, Jacinto conhecerá a prima de Fernandes, Joaninha, uma camponesa típica. Apaixonado, o rico rapaz acaba casando-se com ela, tem dois filhos sadios e alegres. Depois de cinco anos de felicidade,o dilema existencial entre a "cidade e as serras" se resolverá, finalmente, pois chegarão à fazenda os caixotes antes embarcados em Paris e perdidos há anos. Jacinto aproveitará muito pouco do que há de "civilização" nas malas.

    E o narrador, depois de passar mais algum tempo em Paris, volta ao campo, para sempre, convencido de que Jacinto estava certo: era bem melhor a vida no campo.

    O livro termina desta forma: "E na verdade me parecia que, por aqueles caminhos, através da natureza campestre e mansa - o meu Príncipe (..), a minha prima Joaninha (...) e eu (...), tão longe de amarguradas ilusões e de falsas delícias (...), seguramente subíamos para o Castelo da Grã-Ventura".

    A Consciência de Zeno

    Italo Svevo

    O italiano Ettore Schmitz usou o pseudônimo de Svevo para escrever um dos primeiros romances que faz uso da técnica psicanalítica, lançado em 1923. Nele, um rico comerciante de Trieste conta a seu psicanalista a sua vida: a paixão por uma jovem e o casamento com a irmã dela, as tentativas frustradas de parar de fumar, os sucessos e fracassos comerciais, tudo narrado num tempo lento.


    Síntese
    Já no fim da vida, Zeno Cosini, um bem-sucedido empresário de Trieste (norte da Itália), decide fazer um balanço de suas experiências no divã de um analista.



    Ali, deitado no estreito sofá, ele começa a se dar conta de que toda a sua história, passada e presente, se compõe de pequenos fracassos: o casamento com uma mulher que ele não escolheu, o trabalho que não lhe agradava, as tentativas falhadas de parar de fumar ou de simplesmente mudar de rumo, ter outro destino. A lenta escavação dos fatos e das impressões pela memória é então submetida à visão implacável, irônica e às vezes hilariante de Zeno - que assim, de certa forma, consegue libertar-se da "doença", mas não de suas neuroses.



    Imediatamente aclamada por autores do porte do romancista James Joyce e do poeta Eugenio Montale, esta obra-prima de Italo Svevo (1861-1928) põe do avesso as distinções entre sanidade e loucura, sucesso e derrota, ao mesmo tempo em que expõe ao ridículo os valores da moral burguesa. Valendo-se de recursos próprios da psicanálise, como a livre associação de ideias, o romance faz ainda uma sátira da ciência criada por Freud - de quem Svevo, aliás, foi tradutor.



    É assim que Zeno chega à conclusão de que sua vida, afinal, "foi mais bela do que a dos assim chamados sãos". Italo Svevo morreu cinco anos depois de alcançar a consagração literária com este romance.

    A Farsa de Inês Pereira

    Gil Vicente
    A Farsa de Inês Pereira é considerada a mais complexa peça de Gil Vicente. Ao apresentá-la, o teatrólogo português diz: "A seguinte farsa de folgar foi representada ao muito alto e mui poderoso rei D. João, o terceiro do nome em Portugal, no seu Convento de Tomar, na era do Senhor 1523. O seu argumento é que, porquanto duvidavam certos homens de bom saber, se o Autor fazia de si mesmo estas obras, ou se as furtava de outros autores, lhe deram este tema sobre que fizesse: é um exemplo comum que dizem:

    Mais vale asno que me leve que cavalo que me derrube

    E sobre este motivo se fez esta farsa".

    A obra pode ser dividida em cinco partes: a primeira é um retrato da rotina na qual se insere a protagonista; a segunda reflete a situação da mulher na sociedade da época, cujos registros são dados pela mãe de Inês, pela própria Inês e por Lianor Vaz; a terceira mostra o comércio casamenteiro, representado pelos judeus comerciantes e pelo arranjo matrimonial-mercantil de Inês com Brás da Mata; a quarta considera o casamento, o despertar para a realidade, contrapondo-a ao sonho que embalava as fantasias da protagonista e, finalmente, a quinta parte reflete a realidade brutal da qual Inês, experiente e vivida, procura tirar proveito próprio. A peça apresenta uma situação concreta, com uma personagem bem delineada psicologicamente e um fio condutor melhor configurado que as produções anteriores de Gil Vicente.

    O enredo é simples: uma jovem sonhadora procura, por meio do casamento com um homem que saiba tanger viola, fugir à rotina doméstica. Despreza a proposta de Pero Marques, filho de um camponês rico, homem tolo e ingênuo, e aceita se casar com Brás da Mata, escudeiro pelintra e pobretão. No entanto, os sonhos da heroína são logo desfeitos, porque o marido revela sua verdadeira personalidade, maltratando-a e explorando-a. Brás da Mata vai para a África e lá vem a falecer. Inês, ensinada pela dura experiência, toma consciência da realidade e aceita se casar com Pero Marques, seu primeiro pretendente. Depressa também a jovem aceita a corte de um falso ermitão. A farsa termina com o marido (cantado por ela como cuco, gamo e cervo, tradicionalmente concebidos como símbolos do homem traído) levando-a às costas (asno que me carregue) até a gruta em que vive o ermitão, para um encontro nada ingênuo.

    A Hora da Estrela

    Clarice Lispector

    Rodrigo S. M., o narrador, constitui um dos personagens centrais de "A Hora da Estrela", de Clarice Lispector. Ao mesmo tempo em que cria e narra a vida de Macabéa, identifica-se com ela, mesmo quando a agride. Dessa forma, você já deve ter percebido que o texto é metalinguístico: um autor - narrador que fala de sua própria obra e busca nela e com ela conhecer-se e reconhecer-se.


    Macabéa é alagoana, virgem, ignorante, tem dezenove anos e diz-se "datilógrafa". Veio para o Rio de Janeiro com uma tia que cuidara dela desde os dois anos de idade. Quando a tia morre, Macabéa muda-se para um quarto que divide com quatro moças que trabalhavam nas Lojas Americanas: Maria da Penha, Maria Aparecida, Maria José e Maria.



    Raimundo, o patrão de Macabéa, avisa-lhe que será despedida (Macabéa errava demais na datilo­grafia, ficará apenas com Glória (a colega de Macabéa na firma e que se considerava sensual e bonita). Macabéa gostava de ouvir a Rádio Relógio porque os locutores falavam "palavras diferentes", embora ela desconhecesse os significados e não soubesse o que fazer com as informações.



    Um dia em que chovia muito, Macabéa encontrou Olímpico de Jesus, que se apresentou como Olímpico de Jesus Moreira Chaves, metalúrgico, paraibano. Os dois apresentam ruídos no processo de comunicação: ela por não saber e não ter o que dizer e ele por se sentir superior, principalmente em relação ao aspecto linguístico, porém pouco sabia. Olímpico era ambicioso, era capaz de qualquer ato para ascender socialmente. Até que ele conhece Glória e resolve afastar-se de Macabéa.



    Com o rompimento, Macabéa compra um batom vermelho, pinta os lábios no banheiro da firma em busca da identidade desejada: a atriz Marilyn Monroe. Glória zomba da colega, contudo resolve convidá-la para um lanche em sua casa no domingo. Em seguida, indica-lhe um médico.



    O médico, que não gostava de trabalhar com pobres e para pobres, distrata Macabéa e ela, mesmo assim, agradece. Constata-se que Macabéa está com tuberculose.



    Quando ela volta a falar com Glória, esta indica-lhe uma cartomante: Madama Carlota. A cartomante mente para Macabéa, que sai de lá convencida de que será outra, de que será feliz e de que encontrará seu príncipe. Ao dar um passo para atravessar a rua, ela é atropelada por um carro Mercedes Benz ouro. Esta é a hora da estrela, quando ela será "tão grande como um cavalo morto": ferida de morte, a personagem vomita um pouco de sangue, mas queria ter vomitado "uma estrela de mil pontas". O narrador termina refletindo sobre a morte não só de Macabéa, mas também sobre a dele: "por enquanto é tempo de morangos. Sim".

    A hora e vez de Augusto Matraga (Sagarana)

    Guimarães Rosa
    Narrado em terceira pessoa, o conto enfatiza duas constantes da vida do sertão: a violência e o misticismo, na interminável luta do bem e do mal.

    Augusto Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves, das Pindaíbas e do Saco-da-Embira, conhecido como Nhô Augusto e também como Augusto Matraga, é o maior valentão do lugar, briga com todo mundo e maltrata por pura perversidade. Debochado, tira as mulheres e namoradas dos outros. Não se preocupa com sua mulher, Dona Dionóra, nem com sua filha, Mimita, nem com sua fazenda, que começa a se arruinar.

    Já em descrédito econômico e político, sobrevém o castigo: sua mulher, Dionóra, foge com Ovídio Moura levando a filha, e seus bate-paus (capangas), mal pagos, põem-se a serviço do seu pior inimigo; o Major Consilva Quim Recadeiro foi quem levou a notícia da defecção dos capangas. Nhô Augusto resolve ter com eles, antes de matar Dionóra e Ovídio, mas no caminho é atacado, numa tocaia, por seus inimigos, que o espancam e o marcam com ferro de gado em brasa. Quase inconsciente, no momento em que vai ser assassinado, reúne as últimas forças e se atira no despenhadeiro do rancho do Barranco. Tomam-no por morto. É, contudo, encontrado por um casal de negros velhos: a mãe Quitéria e o pai Serapião, que tratam de Nhô Augusto, que sara, mas fica com sequelas deformantes.

    Começa então uma nova vida, no povoado do Tombador, para onde levou os pretos, seus protetores. Regenera-se e, esperando obter o céu, leva uma vida de trabalho duro, penitência e reza. Arrependido de suas maldades, ajuda a todos, e reza com devoção: quer ir para o céu, "nem que seja a porrete", e sonha com um "Deus valentão".

    Passados seis anos, tem notícias de sua ex-família através de Tião da Thereza: a esposa, Dona Dionóra, vive feliz com Ovídio, e vai casar-se com ele; Mimita, sua filha, foi enganada por um cometa (espécie de caixeiro viajante) e caiu na perdição. Matraga sente saudades, sofre, mas se resigna.

    Certo dia, aparece o Joãozinho Bem-Bem, jagunço de larga fama, acompanhado de seus capangas: Flosino Capeta, Tim Tatu-tá-te-vendo, Zeferino, Juruminho e Epifânio. Matraga hospeda-os com grande dedicação e admira as armas e o bando de Joãozinho Bem-Bem. Mas se recusa a acompanhar o bando, mesmo convidado pelo chefe e não aceita qualquer ajuda dos jagunços. Quer mesmo ir para o céu.

    Totalmente recuperado, Matraga despede-se dos velhinhos e parte, sem destino, num jumento. Chega ao Arraial do Rala-Coco, onde reencontra Joãozinho Bem-Bem e seu bando, prestes a executar uma cruel vingança contra a família de um assassino que fugira. Augusto Matraga desperta para a sua hora e vez: intervém em nome da justiça, opõe-se ao chefe do bando, liquida diversos capangas, tomado de verdadeiro furor. Bate-se em duelo singular com Joãozinho Bem-Bem. Ambos morrem - Joãozinho primeiro. Nessa hora, Augusto Matraga é identificado por seu antigos conhecidos.

    Observe a importância do número três durante toda a narrativa: a personagem principal tem três nomes - Augusto Matraga, Augusto Esteves e Nhô Augusto; os lugares em que transcorrem as fases de sua vida também são três - Murici, onde vive inicialmente; o Tombador, onde faz penitência; o Rala-Coco, lugarejo próximo a Murici, onde encontra sua hora e vez. Além disso, ele também vive em trios: inicialmente, na praça, ele está com duas prostitutas; em casa, ele vive com a mulher e a filha; depois de ter sido surrado e marcado a ferro, vive com um casal de pretos; e, no final, aparece um último trio: ele, Joãozinho Bem-Bem e o velho a quem protege.

    A Linha de Sombra

    Joseph Conrad
    Um inexperiente capitão, em sua primeira viagem no comando de um navio, enfrenta duas crises: sua tripulação está moribunda por causa de uma febre e faltam ventos para navegar. Para escapar desse beco sem saída, o arrogante capitão terá de cruzar a tal linha de sombra que separa toda experiência-limite. O romance foi escrito por Conrad quando seu filho Borys combatia na Primeira Guerra.

    Síntese
    Sem nenhum motivo aparente, um jovem da marinha mercante inglesa resolve abandonar a vida no mar.

    Está decidido a partir do distante porto oriental onde se encontra para regressar a seu país de origem. Mas surge uma última missão e o jovem assume o comando de um velho navio atracado em Bancoc (Tailândia), cujo capitão morrera recentemente, em circunstâncias misteriosas.

    Sofrendo com as tempestades, a tripulação doente e uma ameaçadora sensação de aniquilamento, o protagonista tenta conduzir o navio a seu destino, ao mesmo tempo em que se deixa levar pelas estranhas histórias de seu imediato, consumido pela febre.

    Com domínio total da psicologia das personagens e da situação-limite que vivem, Joseph Conrad (1867-1924) reflete nesta novela, a partir de elementos de sua própria biografia, sobre o rito de passagem entre a juventude e a idade madura - passagem que ele mesmo experimentou ao abandonar a relativamente autônoma vida marítima pela incerta experiência literária.

    A Menina sem Estrela

    Nelson Rodrigues
    • O dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues
      O dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues
    Nelson Rodrigues (1912-1980) é mais conhecido como escritor de peças teatrais. Muita gente sequer imagina que existam outros textos em prosa, tão interessantes quanto seu teatro, como suas criativas e bem-humoradas crônicas esportivas. Mas nada o representa melhor do que suas próprias memórias, estampadas nas 80 crônicas do livro "A Menina Sem Estrela" (referência à sua filha Daniela, que nasceu cega).

    Estilo marcante
    Tais crônicas foram escritas em 1967, para o jornal carioca "Correio da Manhã", quando Nelson Rodrigues já era famoso pelas montagens de suas peças teatrais e estava com 54 anos. Sendo memórias, começam da maneira mais tradicional possível: "Nasci a 23 de agosto de 1912, no Recife".

    Mas como esta não era bem sua característica, visto que não suportava "o óbvio ululante", imediatamente muda de assunto, lembra que na mesma época a espiã Mata-Hari estava em plena atividade em Paris e dá dados sobre a personagem, como se ela fosse sua parenta.

    Com Nelson Rodrigues era assim, os acontecimentos não precisavam ter uma conexão real e verdadeira, a ligação era feita por sua vontade e associação de ideias. Assim, já avisa que suas lembranças não aparecerão em ordem cronológica.

    História do país
    O autor de "Vestido de Noiva" vai contando tudo que tem vontade sobre a sua vida e a dos conhecidos, sem o menor pudor, e, ao mesmo tempo, nos apresenta, como pano de fundo, parte da história do Brasil do século 20, presenciada por ele.

    Esta talvez nem tenha sido sua intenção, mas não é possível fugir da história, principalmente pelo fato de ele ter exercido a profissão de jornalista desde os treze anos, estando, deste modo, sempre perto das notícias, que surgem nas memórias com as impressões do dramaturgo: Revolução de 30, Estado Novo, suicídio de Getúlio Vargas, tempo de JK etc.

    Dramas familiares e humor
    Ainda que sua vida em família tenha sido cheia de momentos dramáticos desde a infância, o autor de "O Beijo no Asfalto" não perde o humor, que se apresenta ácido, corrosivo. Até dos momentos mais tristes ele consegue tirar graça, devido ao jeito que escreve, palavras que escolhe e o tom que nos apresenta.

    A vida da sua família foi cheia de tragédias, que aparecem nas crônicas com naturalidade, como na de no 22, em que ele faz uma relação entre o sofrimento causado pela morte do seu irmão e sua produção artística: "o meu teatro não seria como é, nem eu seria como sou, se eu não tivesse sofrido na carne e na alma, se não tivesse chorado até a última lágrima de paixão o assassinato de Roberto".

    Obsessões
    Tudo isso coube dentro das suas peças teatrais. Ele conta, inclusive, em quais peças e em que momentos pôs em cena uma passagem verdadeira, devido ao peso do sofrimento que carregava. Com um olhar agudo, consegue pegar flagrantes do cotidiano e colocar em seu teatro, dando verossimilhança.

    Também há crônicas em que estão expostas suas várias obsessões, dentre as quais: a infidelidade feminina, a nudez, a gripe espanhola, a úlcera, a tuberculose, a morte, os velórios, a cegueira e seu desejo enorme de ficar famoso e reconhecido por todos, apesar de achar a unanimidade estúpida. Acreditava que "O que dá ao homem o mínimo de unidade interior é a soma de suas obsessões".

    Frases de efeito
    As frases de efeito são uma forte característica de Nelson Rodrigues e estão presentes em todos os seus textos. "O que nós chamamos de reputação é a soma dos palavrões que inspiramos através dos tempos", dizia. Noutra crônica, enquanto reclama da falta de criatividade das reportagens policiais, que já não alimentavam mais o imaginário, aponta a televisão como substituta: "A novela dá de comer à nossa fome de mentira".

    Em sua primeira peça: "A Mulher Sem Pecado", um personagem paralítico de repente dispara: "A fidelidade devia ser facultativa" e o autor, que se encontrava na plateia, afunda na cadeira, por não ter visto no público o impacto imaginado. Recomendo, de imediato, a crônica 66, repleta de frases bombásticas sobre o racismo do brasileiro.

    A Mulher Desiludida

    Simone de Beauvoir

    Filósofa, mulher de Jean-Paul Sartre e a mais famosa escritora feminista, Simone reuniu nesse livro três novelas de mulheres de meia idade que, repentinamente, enfrentam crise, solidão e fracasso. Na novela que dá título ao livro, uma esposa abandona a serenidade ao descobrir que o marido tem um caso. Em "O Monólogo", ao passar o Ano Novo sozinha, uma mulher remói as frustrações que acumulou na vida.


    Síntese
    Simone de Beauvoir foi uma das vozes mais atuantes e autorizadas do feminismo no século 20, quase um emblema. Casada com o filósofo Jean-Paul Sartre, autora do polêmico ensaio "O Segundo Sexo" (1949), Beauvoir lançou em 1967, pouco antes de completar 60 anos de idade, sua melhor obra literária: "A Mulher Desiludida".



    O livro reúne três narrativas sobre uma questão central, que poderia ser definida como "a condição feminina", numa sociedade ainda dominada pelos homens.

    A essa altura o leitor pode estar achando que tem nas mãos uma tese sociológica disfarçada de ficção. Nada disso. O grande mérito de "A Mulher Desiludida" é conseguir superar os pressupostos ideológicos da escritora e criar, a partir daí, grande literatura.

    Na primeira narrativa, a mais autobiográfica, vemos um casal de intelectuais maduros, ambos de esquerda, em conflito com as posições cada vez mais conservadoras do filho, Philippe. O conto prenuncia não só as reflexões posteriores de Beauvoir sobre a velhice, mas também o confronto de gerações que explodiu em maio de 68.

    O segundo quadro deste tríptico é o monólogo angustiado de Murielle, que, depois de dois casamentos fracassados e do suicídio da filha, rumina em solidão o seu ódio pelo mundo e por um Deus que talvez não exista.

    Na última história, a mais longa, acompanhamos o irreversível desabamento da vida familiar de Monique, uma típica dona de casa que de repente se vê abandonada pelo marido e desprezada pelas filhas.

    A Relíquia

    Eça de Queirós
    "A Relíquia", publicada em 1887, é um dos livros mais irreverentes de Eça de Queirós (1845-1900), o grande mestre da prosa realista-naturalista em Portugal e um dos maiores estilistas de nossa língua.
    Sem nenhum favor, Eça é hoje reconhecido e apreciado, mesmo fora do âmbito de nossa literatura, como o principal responsável pela definição do moderno idioma português e como um dos grandes precursores do romance do século 20.

    O realismo de Eça, porém, precisa ser bem caracterizado, pois é mais complexo do que sugerem as definições habituais desse estilo.
    Eça sabe ver o mundo de modo rigoroso, com um olhar frio e de desencanto. Mas, a exemplo de seu mestre, Flaubert, também sabe usar e abusar do humor, da ironia e da fantasia, não como atitudes opostas à de um espírito objetivo, mas como outras formas de apreensão da realidade.
    O realismo de Eça não exclui o quimérico e o sarcástico, como bem notou o escritor argentino Jorge Luis Borges, grande admirador de Eça e, ele mesmo, um dos principais autores do que, em nossos dias, se vulgarizou sob o rótulo de "realismo mágico".

    Essa observação vale especialmente para "A Relíquia". O livro, por um lado, se inclui entre os grandes romances da segunda fase do escritor, a que vai de "O Crime do Padre Amaro" (1875) a "Os Maias" (1888).

    Nesse período, Eça procurou fazer um "inquérito à vida portuguesa", uma séria crítica das instituições que julgava responsáveis pela decadência e estagnação de Portugal: a Monarquia, a Igreja e a Burguesia.

    Por outro lado, "A Relíquia" pode ser considerada, junto à fábula "O Mandarim", a obra mais fantasista de Eça.

    Sua leveza antecipa o abandono do esquema naturalista e a identifica com as obras da terceira e última fase do autor, a dos romances como "A Ilustre Casa de Ramires" e "A Cidade e as Serras", em que o realismo se une ao lirismo.

    "A Relíquia" faz uma grande crítica e uma sátira hilariante do catolicismo em Portugal, por meio das memórias do narrador Teodorico Raposo, o "Raposão" (como as mulheres o chamam).

    Raposo é um jovem bacharel que, órfão, vive sob as ordens de Maria do Patrocínio, sua tia terrível e avara, casta e beatíssima, que controla a fortuna que o sobrinho espera herdar, em breve, com a morte da "Titi".
    Raposo, sabendo que "há razões de família como há razões de Estado", finge grande devoção e cumpre o desejo da tia carola, que, preocupada com a saúde incerta, o envia como seu representante na missão religiosa de percorrer a Terra Santa.

    Na companhia de Topsius, um caricaturesco arqueólogo alemão que vem a conhecer, Raposo vive grandes peripécias no Egito e na Palestina.
    A maior delas é uma enigmática viagem ao passado, à antiga Jerusalém, que ocupa o centro do livro. Nessa viagem-sonho, Raposo assiste aos bastidores do martírio de Cristo e descobre "a lenda inicial do cristianismo": a ressurreição não ocorreu.

    O livro se encerra com outro desmascaramento, o do próprio Raposo pela "Titi". Enganando-se no momento de entregar à tia a preciosa relíquia que trouxera (a coroa de espinhos de Cristo, que forjara com Topsius), Raposo lhe entrega outra "relíquia", um embrulho com a camisola de Miss Mary, uma prostituta que conhecera em Alexandria.

    Ao final do livro, Raposo conclui que perdera a herança da tia por não ter tido a coragem de afirmar: "Eis aí a relíquia! É a camisa de Maria Madalena!" (aludindo às iniciais "M.M." que, num bilhete, a acompanhavam).

    Como é comum em Eça, há no romance cenas simbólicas, cuja função é a de explicitar as teses do autor. Eça não aceitava o cristianismo como afirmação do sobrenatural, isto é, "a ideia de um deus transcendente que criou o universo" (Antônio José Saraiva).

    Em "A Relíquia", é o próprio Cristo quem afirma a Raposo, ao final do livro: "Eu não sou Jesus de Nazaré, nem outro Deus criado pelos homens (...). Sou anterior aos deuses transitórios: eles dentro em mim nascem, dentro em mim duram; dentro em mim se transformam (...). Chamo-me a Consciência".

    A Revolução dos Bichos

    George Orwell
    O sonho de um velho porco de criar uma granja governada por animais, sem a exploração dos homens, concretiza-se com uma revolução. Como acontecem com as revoluções, a dos bichos também está fadada à tirania, com a ascensão de uma nova casta ao poder. Nesta fábula feita sob medida para a Revolução Russa, todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros.

    Síntese
    Num belo dia, os animais da fazenda do sr. Jones se dão conta da vida indigna a que são submetidos: eles se matam de trabalhar para os homens, lhes dão todas as suas energias em troca de uma ração miserável, para ao final serem abatidos sem piedade. Liderados por um grupo de porcos, os bichos então expulsam o fazendeiro de sua propriedade e pretendem fazer dela um Estado em que todos serão iguais.

    Logo começam as disputas internas, as perseguições e a exploração do bicho pelo bicho, que farão da granja um arremedo grotesco da sociedade humana.

    Publicada em 1945, A Revolução dos Bichos foi imediatamente interpretada como uma fábula satírica sobre os descaminhos da Revolução Russa, chegando a ter sido utilizada pela propaganda anticomunista.

    A novela de George Orwell de fato fazia uma dura crítica ao totalitarismo soviético; mas seu sentido transcende amplamente o contexto do regime stalinista.

    Mais do que nunca esta pequena obra-prima da ficção inglesa parece falar aos nossos dias, quando a concentração de poder e de riquezas, a manipulação da informação e as desigualdades sociais parecem atingir um ápice histórico.

    A Sibila

    Augustina Bessa-Luis
    Agustina Bessa-Luís é considerada uma das maiores revelações da literatura moderna e contemporânea de Portugal. A Sibila, romance de 1954, recebido com entusiasmo pela crítica, torna-se o ponto de partida para uma vasta obra voltada para temas universais que, ao mesmo tempo, inserem-se nas vertentes do nacionalismo português, bem como do regionalismo.

    Em A Sibila, a autora casa perfeitamente os tempos passado e presente, colocando as dúvidas, as angústias e os problemas mais substanciais que determinam a rigidez de personagens que afloram em um espaço agrícola tipicamente regional.

    No plano da intriga, trata-se da reconstrução da trajetória da família Teixeira e de sua casa secular que caminha da decadência/ruína ao ressurgimento grandioso/triunfal. Situada no norte de Portugal, a casa de Vessada é o motivo primeiro para o registro de situações que ocorrem tanto entre as paredes, quanto nas redondezas da casa.

    As situações vividas e descritas revelam gradativamente o sistema de valores que rege um universo fechado. Ao mesmo tempo deixam entrever a visão de mundo dos homens e mulheres que povoam esse universo, notadamente a partir de uma força que emana do lado feminino: sob a gestão de mulheres fortes e destemidas, capazes de lutar para o reerguimento de seu patrimônio. O poder de mando da mulher vai se revelando e se efetivando após um incêndio da casa. Quina (Joaquina Augusta) é o destaque do clã feminino, Germa (Germana), sua herdeira que serve de ponte para o futuro.

    Ao morrer, Quina lega a Germa sua continuidade (herança) porque em ambas existe a coincidência do estado de equilíbrio. São uma espécie de sibila, detentoras de secretas potências, "alguma coisa que ultrapassa o humano".

    A Volta do Marido Pródigo (Sagarana)

    Guimarães Rosa

    Lalino, um mulato muito vivo, ajudante numa construção de estrada, não gosta do trabalho. Abandona sua mulher e o meio rural para procurar na capital a felicidade com que sonha: bonitas mulheres à vontade, iguais às que vira em revistas. Depois de algum tempo, cansa-se e fica com saudades: volta. Mas sua mulher, Maria Rita, agora vive com outro. Lalino quer ganhar de volta a consideração do povo e a mulher. Oferece-se uma oportunidade: cooperar como cabo eleitoral do Major, com vistas a ganhar as eleições próximas. Graças a uma série de artimanhas que, no primeiro momento, parecem ser desastrosas para a política do Major, mas que na verdade são intrigas muito hábeis contra o adversário político, Lalino garante o sucesso eleitoral do patrão. Reconcilia-se com a mulher, Maria Rita, que nunca o deixara de amar. A narrativa aproxima-se das novelas picarescas e é um retrato bem-humorado das oscilações interesseiras das convicções políticas do interior.

    Novamente temos um burrinho, animal que, como os bois e cavalos, é presença obrigatória nos contos de Sagarana, que a crítica define como um verdadeiro "tratado de bovinologia". Esses animais são humanizados e alegorizam a própria condição humana.

    Alguma Poesia

    Drummond de Andrade
    Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) é o maior poeta brasileiro deste século e um dos maiores de todos os tempos em língua portuguesa, ao lado de Camões e Pessoa, poetas que parodiou e homenageou mais de uma vez, como em "A Máquina do Mundo" e "Sonetilho do Falso Fernando Pessoa" (ambos poemas de seu livro "Claro Enigma").

    Drummond é um marco inicial da segunda geração modernista, a que se projetou a partir dos anos 30. No quadro geral de nosso modernismo, porém, Drummond avulta como um dos maiores inventores e mestres, como o autor que melhor assimilou e depurou o espírito da Semana de 22, que foi a principal matriz de sua poesia, pelo menos até os anos 60, quando ele já era um "clássico" e um modelo para novos autores.

    "Alguma Poesia" (1930) é o primeiro livro de Drummond e reúne sua produção em verso desde 1925. Alguns de seus 49 poemas já haviam sido publicados anteriormente, em revistas da época. O mais famoso deles, "No Meio do Caminho", estreou em 1928 na "Revista de Antropofagia" e provocou escândalos que hoje parecem inverossímeis. Drummond acompanhou atentamente a "biografia" de seu poema, selecionando e publicando mais tarde, em livro, as críticas e as tentativas de interpretação da imagem da "pedra no meio do caminho". É impossível resumir a repercussão desse poema, que foi traduzido em muitas línguas e se tornou um símbolo não só da poesia de Drummond mas de toda a "fase heroica" do modernismo.

    Expressão do impasse, um dos maiores temas do poeta de "José", a "pedra no caminho" entrou na fala e na música popular: basta ouvir Tom Jobim e os versos iniciais de "Águas de Março" e "Retrato em Branco e Preto".
    Também é célebre o "Poema de Sete Faces", que abre o livro, com sete estrofes que parecem desconexas, numa montagem como a da pintura cubista. Ele é um modelo do estilo joco-sério de Drummond: "Mundo mundo vasto mundo/ se eu me chamasse Raimundo/ seria uma rima, não seria uma solução". Essa dicção ao mesmo tempo leve e grave existe até nos poemas-piada do livro, como em "Cidadezinha Qualquer", "Anedota Búlgara" e "Quadrilha". Este último ("João amava Teresa que amava Raimundo...") faz uma crítica à sociedade burguesa. Nele, o "amor natural" se opõe ao casamento burguês (o de Lili e J. Pinto Fernandes, único nomeado pelos sobrenomes).

    Em "Europa, França e Bahia", esse espírito de crítica e engajamento social, que se intensificou na obra posterior do poeta, se mostra mais claramente. E há ainda muito mais em "Alguma Poesia". Como disse José Guilherme Merquior, o título do primeiro livro de Drummond impressiona pela sua modéstia.

    Amor de Perdição

    Camilo Castelo Branco

    Camilo Castelo Branco conquistou fama com a novela passional Amor de Perdição. Bem ao gosto romântico, a característica principal da novela passional é o seu tom trágico. As personagens estão sempre em luta contra terríveis obstáculos para alcançar a felicidade no amor. Normalmente, essa busca é frustrante. Mesmo quando os amantes ficam juntos, isso é conseguido a custa de muito sofrimento. Os direitos do coração, frequentemente, vão de encontro aos valores sociais e morais. Segundo o autor, Amor de Perdição foi escrito durante 15 dias, em 1861, quando ele estava preso na cadeia da Relação, na cidade do Porto, por ter-se envolvido em questões de adultério.


    Como o drama de Romeu e Julieta, a obra focaliza dois apaixonados que têm como obstáculo para a realização amorosa a rivalidade entre as famílias. A ação se passa em Portugal, no século 19. O narrador diz contar fatos ocorridos com seu tio Simão. Residentes em Viseu, duas famílias nobres, os Albuquerques e os Botelhos, odeiam-se por causa de um litígio em que o corregedor Domingos Botelho deu ganho de causa contrário aos interesses dos primeiros. Simão é um dos cinco filhos do corregedor.


    Devido ao seu temperamento explosivo, Simão envolve-se em confusões. Seu pai o manda estudar em Coimbra, mas ele se envolve em novas confusões e é preso. Liberto, volta para Viseu e se apaixona por Teresa Albuquerque, sua vizinha.


    A partir daí, opera-se uma rápida transformação no rapaz. Simão se regenera, torna-se estudioso, passa a ter como valor maior o amor, e todos os seus princípios são dele decorrentes. Os pais descobrem o namoro.

    O corregedor manda o filho para Coimbra. Para Teresa restam duas opções: casar-se com o primo Baltasar ou ir para o convento. Proibidos de se encontrar, os jovens trocam correspondência, ajudados por uma mendiga e por Mariana, filha do ferreiro João da Cruz. Mariana encarna o amor romântico abnegado.

    Apaixona-se por Simão, embora saiba que esse amor jamais poderá ser correspondido, seja pelo fato de Teresa dominar o coração do rapaz seja pela diferença social: ela era de condição humilde, filha de um ferreiro. Mesmo assim, ama a ponto de encontrar felicidade na felicidade do amado.


    Depois de ameaças e atentados, Teresa rejeita o casamento. Por isso será enviada para o convento de Monchique, no Porto. Simão resolve raptá-la, acaba por matar seu rival e se entrega à polícia. João da Cruz oferece-se para ajudá-lo a fugir, mas ele não aceita, pois é o típico herói romântico.



    Matou por amor à Teresa, portanto assume seu ato e faz questão de pagar. Enquanto Simão vai para a cadeia, sua amada vai para o convento. Mariana, por sua vez, procura estar sempre ao lado de Simão, ajudando-o em todas as ocasiões. Condenado à forca, a sentença é comutada e Simão é degredado para a Índia.



    Quando ele está partindo, Teresa, moribunda, pede que a coloquem no mirante do convento, para ver o navio que levará seu amado para longe. Após acenar dizendo adeus, morre. Seu amor exagerado a leva à perdição.



    Durante a viagem, Mariana, que acompanha Simão, mostra-lhe a última carta de Teresa. Ele fica sabendo da sua morte, tem uma febre inexplicável e morre. Seu amor exagerado o leva à perdição. Na manhã seguinte, seu corpo é lançado ao mar. Mariana não suporta a perda e se joga ao mar, suicidando-se abraçada ao cadáver de Simão. Seu amor exagerado a leva à perdição.

    Angústia

    Graciliano Ramos
    Romance em que Luís da Silva, funcionário público e escritor frustrado, confessa de forma desesperada um homicídio. A vítima, Julião Tavares, havia conquistado a mulher que Luís amava.

    A construção caótica do texto reflete o estado mental de um sujeito feio que se apaixonara por uma jovem de cabelos de milho, unhas pintadas, beiços vermelhos e o pernão aparecendo. Aqui, o humilhado se vinga com palavras.

    Síntese
    Luís da Silva tem 35 anos, é funcionário público, escreve eventualmente para os jornais e leva uma existência que se poderia considerar, em todos os aspectos, ordinária. No entanto, o seu mundo interior, cheio de "estranhos hiatos", está longe de ser banal. Narrador de sua própria história, Luís da Silva vive ruminando frustrações intelectuais, memórias da infância, o desejo incontrolável pela vizinha Marina e o ódio pelo bem-sucedido Julião Tavares, que lhe rouba a pretendente.

    Escrito num andamento de pesadelo, mas com a concretude do pequeno detalhe cotidiano que é a marca do estilo de Graciliano Ramos (1892-1953), Angústia faz uma lenta imersão na consciência desse personagem complexo e atormentado, que afunda no inferno do ciúme e do ressentimento até cometer um ato extremo.

    Como bem observou o crítico Otto Maria Carpeaux, "todos os romances de Graciliano Ramos são tentativas de destruição" - e este não foge à regra. "Não sou um rato, não quero ser um rato", repete para si o protagonista.

    Lançado em 1936, quando o autor estava preso pelo governo de Getúlio Vargas, o livro ganhou o prêmio "Lima Barreto", da Revista Acadêmica, e contribuiu para fazer de Mestre Graça (como era conhecido pelos amigos) um dos maiores escritores da literatura brasileira.

    As Cidades Invisíveis

    Italo Calvino

    O viajante veneziano Marco Polo descreve para o imperador Kublai Khan as cidades que visitara. O desejo de Khan é montar o império perfeito a partir dos relatos que ouve. São lugares imaginários, sempre com nomes de mulheres: Pentesileia, Cecília, Leônia. Os relatos curtos são agrupados por blocos: as cidades e a memória, as cidades delgadas, as cidades e as trocas, as cidades e os mortos, as cidades e o céu.


    Síntese
    No século 13, após uma viagem que teria durado 30 meses, o mercador veneziano Marco Polo chegou às portas do Extremo Oriente e conheceu a capital do imenso império de Kublai Khan: Cambaluc, atual Pequim. Lá o jovem Marco permaneceu por 17 anos, desempenhando importantes funções diplomáticas na corte do Grande Khan. Isso é o que está registrado nos compêndios de história.



    Em "As Cidades Invisíveis" (1972), Italo Calvino extrapola os fatos possíveis e imagina um diálogo fantástico entre "o maior viajante de todos os tempos" e o famoso imperador dos tártaros. Melancólico por não poder ver com os próprios olhos toda a extensão dos seus domínios, Kublai Khan faz de Marco Polo o seu telescópio, o instrumento que irá franquear-lhe as maravilhas de seu império.



    Polo então começa a descrever minuciosamente 55 cidades por onde teria passado, agrupadas numa série de 11 temas: "as cidades e a memória", "as cidades e o céu", "as cidades e o mortos" etc. As visões, projetadas numa rigorosa arte combinatória, bebem de muitas fontes, desde as "Mil e Uma Noites" até as megalópoles que vemos no cinema. O resultado é um livro extraordinário e indefinível. 

    Breve Romance de Sonho

    Arthur Schnitzler
    Albertina, esposa de um médico vienense muito bem-sucedido (Fridolin), conta a ele uma fantasia sexual. Um chamado de um cliente à beira da morte põe o médico num jogo no qual sexo e morte têm valores similares, e a vida corre sempre perigo. Quando retorna para casa, Albertina conta a ele seu sonho: que estava numa bacanal em que o marido era condenado à morte. Freud era um dos admiradores de Schnitzler.

    Síntese
    Tudo vai bem na vida do dr. Fridolin e de sua mulher, Albertine. Ambos são jovens, belos, prósperos e têm uma filhinha adorável. Pode-se dizer que, na Viena dos anos 1920, eles formam uma família burguesa exemplar.

    Até que, numa noite, depois de um baile de máscaras e vários goles de champanhe, Albertine decide confessar ao marido uma antiga fantasia erótica. Perturbado pela história secreta de sua mulher, o dr. Fridolin sai no meio da noite para atender a um paciente em estado grave.

    A partir desse momento, tudo o que parecia dar sustentação ao mundo das personagens começa a entrar numa espécie de vertigem. Rapidamente o dr. Fridolin se vê enredado numa estranha aventura sexual, em que o desejo e o perigo de morte se autoalimentam. Ao final da narrativa, o leitor fica com a impressão de que a volta à "realidade de todos os dias" não será mais possível - não para as personagens que a vivenciaram.

    Nesta pequena obra-prima de Arthur Schnitzler, as estruturas da vida psíquica e familiar são abaladas e expostas até os alicerces. Baseado nela, o cineasta norte-americano Stanley Kubrick fez, em 1999, seu filme de despedida: "De Olhos Bem Fechados", com Tom Cruise e Nicole Kidman nos papéis principais.

    Brás, Bexiga e Barra Funda

    Antônio de A. Machado

    Alcântara Machado nasceu dentro do espírito modernista de 1922. Em 1927, publicou uma seleção de pequenos contos que batizou com o título de Brás, Bexiga e Barra Funda, obra com que se destacou no movimento, podendo ser considerado o primeiro escritor a receber influência direta de modernistas, sobretudo de Oswald de Andrade.

    Os 11 contos que compõem a obra nasceram da experiência do autor como jornalista e, portanto, apresentam o sabor da notícia. Como cenário, tem três bairros paulistanos, nítida ambientação ítalo-brasileira.


    O autor defende a tese de que alguns imigrantes, principalmente o italiano, trazem em si a alegria, o canto e a movimentação. Ao pisarem o solo brasileiro, carregam a força do trabalho e a vontade de se saírem bem na nova terra. Ao se adaptarem, misturam-se de forma espontânea, a ponto de se confundirem com a paisagem.



    Os personagens, moços e moças, adultos e velhos são captados de maneira singela, revelando com traços estilizados seus jeitos de ser, pensar, viver, que influenciarão definitivamente a cultura paulistana. Alcântara Machado observa-os como um repórter, denominando-os de "novos mestiços", fixando aspectos da vida, do trabalho e do cotidiano dessa gente simples, simpática, aberta e batalhadora.

    Cada conto se transforma em flashes dos bairros registrados e o enredo, jornalisticamente, vai-se transformando em crônicas da cidade durante a década de 20. Antônio de Alcântara Machado foi bom aprendiz das técnicas de escritura de Oswald de Andrade, utilizou a linguagem telegráfica com precisão, conduziu as cenas de forma cinematográfica, com cortes perfeitos e dinâmicos, imitando a movimentação pretendida pelo cinema, e, por isso, isentou a narrativa de descrições; o cenário surge rápido entre uma e outra ação. São Paulo vai se tornando transparente através do registro de uma época de trabalho e progresso.

    A obra apresenta excelente investigação da influência que o imigrante trouxe inclusive para o linguajar paulistano, revelando no autor o artista consciente de que o literato é também um historiador, ao observar a realidade urbana que o cerca.

    Cem Anos de Solidão

    Gabriel García Marques
    O livro conta a história de Macondo, uma cidade mítica, e a dos descendentes de seu fundador, José Arcadio Buendía, durante um século. Usando recursos do realismo mágico, estilo que ajudaria a difundir a partir de seu lançamento, em 1967, o livro mescla revoluções e fantasmas, incesto, corrupção e loucura, tudo tratado com naturalidade. A história começa quando as coisas não tinham nome e vai até a chegada do telefone.

    Síntese
    Um comboio carregado de cadáveres. Uma população inteira que perde a memória. Mulheres que se trancam por décadas numa casa escura. Homens que arrastam atrás de si um cortejo de borboletas amarelas.

    São esses alguns dos elementos que compõem o exuberante universo deste romance, no qual se narra a mítica história da cidade de Macondo e de seus inesquecíveis habitantes.

    Lançado em 1967, Cem Anos de Solidão é tido, por consenso, como uma das obras-primas da literatura latino-americana moderna. O livro logo tornou o colombiano Gabriel García Márquez (1928) uma celebridade mundial; quinze anos depois, em 1982, ele receberia o Prêmio Nobel de Literatura.

    Aqui o leitor acompanhará as vicissitudes da numerosa descendência da família Buendía ao longo de várias gerações. Todos em luta contra uma realidade truculenta, excessiva, sempre à beira da destruição total.

    Todos com as paixões à flor da pele. E o "realismo mágico" de García Márquez não dilui a matéria de que trata - no caso, a história brutal e às vezes inacreditável dos países latino-americanos. Pelo contrário: só a torna mais viva.

    Contos Novos

    Mário de Andrade

    Contos Novos reúne nove curtas narrativas compostas ao longo da vida por Mário de Andrade (1893-1945) e só publicadas postumamente.


    A mais antiga teve sua composição iniciada em 1924; a maior parte, porém, foi concebida e finalizada nos últimos dez anos da vida do escritor. Ao contrário do que se poderia esperar, o estilo dos contos reflete pouca influência da literatura da segunda geração modernista, a que se projetou a partir da década de 30 e que é considerada mais madura e refletida. Os Contos Novos se ligam ao espírito da primeira fase do Modernismo, à experimentação que marca a Semana de 22 e, de certo modo, toda a obra de Mário de Andrade.



    Os contos podem ser classificados em dois grandes grupos, segundo o seu foco narrativo. Os de primeira pessoa são quatro e têm como protagonista o próprio narrador, Juca. Eles se caracterizam pela introspecção e pela sondagem psicológica, de inspiração freudiana, que repassa momentos significativos da infância ("Tempo da Camisolinha"), adolescência ("Frederico Paciência") e maturidade do protagonista (caso de "O Peru de Natal", o conto mais célebre do livro, que trata do confronto de Juca com a imagem e a memória do pai morto e odiado). Há neles um fundo autobiográfico, sugerido pelo próprio Mário, que chega a se auto-referir no primeiro desses contos ("Vestida de Preto").

    Os contos narrados em terceira pessoa combinam o lirismo e a investigação subjetiva com o engajamento social, que se faz bastante claro em "Primeiro de Maio", "O Ladrão" e "O Poço". Nesses casos, a inspiração de Mário é não só humanitária, mas também marxista, de denúncia da injustiça social e da patética alienação do trabalhador.

    Uma exceção nesse grupo é "Atrás da Catedral de Ruão", conto que se concentra na linha psicológica e retrata o drama da virgindade de Mademoiselle, uma professora de francês de 43 anos. Mário usou no texto muitas expressões nesse idioma, que serve curiosamente como um código cifrado e disfarça, afinal, muito do pudor do escritor.

    Os Contos Novos têm sido apreciados por razões diversas, que vão da facilidade de sua leitura, do realismo e da dicção coloquial das narrativas, ao interesse ou à simples curiosidade pela biografia e pelos processos de composição de Mário.

    O conjunto dos contos é porém muito desigual, e eles não se incluem entre os melhores momentos da prosa do escritor, que estão em "Belazarte" e "Macunaíma". Na verdade, os Contos Novos parecem voltados à defesa de uma estranha tese.


    O escritor afirmou, certa vez, que a psicologia de um homem simples, "do povo", era no fundo mais complexa do que a de um personagem de Proust, o grande autor de "Em Busca do Tempo Perdido". Apesar do empenho de Mário de Andrade, a demonstração literária de sua tese é bem pouco convincente.

    Conversa de bois (Sagarana)

    Guimarães Rosa
    O narrador da novela ouviu a tragédia, que vai contar ao leitor, de Manuel Timborna, que a ouviu da irara Risoleta, testemunha do acontecido.

    Pelo sertão anda um carro de bois: na frente, Tiãozinho, o menino guia: logo atrás as quatro juntas, com oito bois, que conversam enquanto puxam a carroça: Buscapé e Namorado, Capitão e Brabagato, Dançador e Brilhante, Realejo e Canindé; em cima do carro vai Agenor Soronho. Carregam uma carga de rapadura e, sobre ela, mal acomodado e sacolejando, o caixão com um defunto, o pai de Tiãozinho, ex-guia dos bois do Agenor Soronho.

    Tiãozinho vai chorando: sofre com a morte do pai e com a de Didico, sofre também com o calor, o cansaço e os maus-tratos que recebe do carreiro Agenor, que o faz sofrer, que aguilhoa brutalmente os bois. Por doença e morte de seu pai, Tiãozinho ficara totalmente dependente de Agenor Soronho, que sustenta a família do menino, interessado em se tornar amante da viúva, com quem mantivera já misteriosas relações, durante a doença do pai de Tiãozinho.

    O boi Brilhante vai contando aos demais a estória do boi Rodapião, que morreu por assimilar os processos mentais dos homens. Os bois vão conversando entre si sobre a opressão dos bois pelos homens e a possibilidade de vencerem sua superiori­dade. Sentem-se solidários com o menino.

    Ao entardecer, na ladeira do Morro-do-Sabão, Agenor encontra, espatifado, o carro da Estiva, carreado por João Bala. Havia caído ao tentar subir a ladeira. Agenor consola o carreiro e, em seguida, para provar a Tiãozinho que era um carreiro de verdade, escala a subida em que João Bala fracassara. Sai vitorioso e coloca-se na dianteira do carro, junto aos bois, e cochila. Os bois percebem que o "homem-do-pau-comprido-com-marimbondo-na-ponta" está dormindo. Jogam-se bruscamente para a frente, atropelando-se para derrubar Agenor Soronho, que cai. A roda do carro passa sobre o seu pescoço, sem que se possa saber se morreu dormindo ou se acordou para saber que morria.

    Retomando, sob outro prisma, o conto inicial "O Burrinho Pedrês", este "Conversa de Bois" é uma alegoria sobre a justiça dos animais e a crueldade dos homens.

    Corpo Fechado (Sagarana)

    Guimarães Rosa

    O narrador, médico em Laginha, vilarejo do interior, é convidado por Manuel Fulô para ser padrinho de casamento. Manuel detesta qualquer tipo de trabalho e, enquanto bebem cerveja, divertem-se, ele contando e o doutor ouvindo as histórias e os casos: do rato que tinha em casa enjaulado e que estava, por artimanha sua, criando amizade a um gato rajado; dos valentões do lugar - José Boi, Desidério, Miligido, Dêjo (Adejalma) e Targino, o mais recente, e que teve a insolência de reunir seu bando e comer carne com cachaça em frente da igreja, numa sexta-feira da Paixão; dos ciganos que ele, Manuel Fulô, teria trapaceado na venda de cavalos; de sua rivalidade com Antonico das Pedras-Águas, o feiticeiro. Manuel possui uma mula, Beija-Fulô, e Antonico é dono de uma bela sela mexicana; cada um dos dois gostaria de adquirir o bem do outro.


    Aparece então Targino, o valentão do lugar, e anuncia, cinicamente, que vai passar a noite, antes do casamento, com a noiva de Manuel Fulô. Ele fica desesperado; ninguém pode ajudá-lo, pois Targino domina o lugarejo. Aparece então o feiticeiro Antonico e propõe um trato a Manuel Fulô: vai "fechar-lhe o corpo", mas exige em pagamento a mula Beija-Fulô, maior orgulho e paixão de Manuel. O trato é aceito.



    De corpo fechado, Manuel Fulô enfrenta o bandido Targino e, para espanto de todos, mata-o com uma faquinha do tamanho de um canivete. O casamento com a das Dor realiza-se sem problemas e de vez em quando consegue emprestada sua antiga mulinha Beija-Fulô, para ostentar, à cavaleiro, sua nova condição de valentão de Laginha.

    Espumas Flutuantes

    Castro Alves
    Castro Alves (1847-1871) apareceu numa época particularmente agitada da vida política e ideológica do Brasil. A ebulição daquele momento envolveu a literatura e fez da poesia declamada em espaços públicos (inclusive nas praças) uma forma privilegiada de comunicação.

    Era um tempo em que se faziam frequentemente comícios e se discutia a Guerra do Paraguai, a questão militar, os problemas centrais do Segundo Império, a viabilidade da República etc.

    Com seu discurso de tom elevado e sua figura bela e empolgante, o poeta chegava na hora certa. Foi consagrado principalmente porque sua eloquência agradava muitíssimo ao público da época em que viveu.

    A escravidão foi o tema mais candente de seus poemas de sentido social, mas ele não foi apenas o "poeta dos escravos", como é chamado, e "Navio Negreiro", "Vozes d'África" e outros poemas de temática abolicionista não foram incluídos em Espumas Flutuantes (coletânea que publicou em 1870), reservados que foram para outro livro, afinal publicado postumamente, chamado Os Escravos.

    Castro Alves foi também um grande poeta do amor e da morte, e esses temas existenciais avultam em Espumas Flutuantes, deixando em segundo plano a poesia de fundo cívico e social que também se encontra no livro. Como poeta do amor, Castro Alves é um caso singular entre os nossos românticos.

    Sua expressão amorosa é carregada de sensualidade, e a representação da mulher, nos melhores momentos de seus poemas eróticos, é marcada por uma realidade, uma "carnalidade" inteiramente ausente da poesia de seus contemporâneos e predecessores imediatos, que tendiam à pura idealização feminina, seja na figura da mulher-anjo, seja na da mulher-demônio.

    Castro Alves, diversamente, fala de mulheres "de carne e osso", por assim dizer, mulheres que são objeto de desejos concretos. A escola condoreira, de que ele é a maior figura, caracteriza-se pelo gosto das imagens grandiosas, realçadas por antíteses, por hipérboles (exageros) e pelo tom elevado, de oratória enfática e messiânica, a serviço de causas sociais.

    No poeta das Espumas Flutuantes, essas características não se encontram apenas em poemas de temática que se pode chamar épica, porque abordam grandes questões coletivas, mas aparecem também em poemas propriamente líricos, seja os de tema amoroso, seja os que nos revelam o poeta como um admirável pintor de paisagens.

    Suas imagens, quase sempre arrojadas e intensas, costumam alternar o pequeno e o grandioso e têm o que se pode chamar "pendor cósmico" - uma preferência pelos magnos elementos da natureza, como oceanos, céus, noite, estrelas, montanhas e tufões.

    Guardador de Rebanhos (Poemas Completos)

    Alberto Caeiro UM DOS PSEUDÔNIMOS DO MAGISTRAL FERNANDO PESSOA
    I

    Eu nunca guardei rebanhos,
    Mas é como se os guardasse.
    Minha alma é como um pastor,
    Conhece o vento e o sol
    E anda pela mão das Estações
    A seguir e a olhar.
    Toda a paz da Natureza sem gente
    Vem sentar-se a meu lado.
    Mas eu fico triste como um pôr de sol
    Para a nossa imaginação,
    Quando esfria no fundo da planície
    E se sente a noite entrada
    Como uma borboleta pela janela.

    Mas a minha tristeza é sossego
    Porque é natural e justa
    E é o que deve estar na alma
    Quando já pensa que existe
    E as mãos colhem flores sem dar por isso.

    Como um ruído de chocalhos
    Para além da curva da estrada,
    Os meus pensamentos são contentes.
    Só tenho pena de saber que eles são contentes,
    Porque, se o não soubesse,
    Em vez de serem contentes e tristes,
    Seriam alegres e contentes.
    Pensar incomoda como andar à chuva
    Quando o vento cresce e parece que chove mais.

    Não tenho ambições nem desejos.
    Ser poeta não é ambição minha.
    É a minha maneira de estar sozinho.

    E se desejo às vezes,
    Por imaginar, ser cordeirinho
    (Ou ser o rebanho todo
    Para andar espalhado por toda a encosta
    A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
    É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
    Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
    E corre um silêncio pela erva fora.

    Quando me sento a escrever versos
    Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
    Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
    Sinto um cajado nas mãos
    E vejo um recorte de mim
    No cimo dum outeiro,
    Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias
    Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
    E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
    E quer fingir que compreende.

    Saúdo todos os que me lerem,
    Tirando-lhes o chapéu largo
    Quando me veem à minha porta
    Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
    Saúdo-os e desejo-lhes sol,
    E chuva, quando a chuva é precisa,
    E que as suas casas tenham
    Ao pé de uma janela aberta
    Uma cadeira predilecta
    Onde se sentem, lendo os meus versos.
    E ao lerem os meus versos pensem
    Que sou qualquer cousa natural -
    Por exemplo, a árvore antiga
    À sombra da qual quando crianças
    Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
    E limpavam o suor da testa quente
    Com a manga do bibe riscado.

    II

    O meu olhar é nítido como um girassol.
    Tenho o costume de andar pelas estradas
    Olhando para a direita e para a esquerda,
    E de vez em quando olhando para trás...
    E o que vejo a cada momento
    É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
    E eu sei dar por isso muito bem...
    Sei ter o pasmo comigo
    Que tem uma criança se, ao nascer,
    Reparasse que nascera deveras...
    Sinto-me nascido a cada momento
    Para a eterna novidade do mundo...
    Creio no mundo como num malmequer,
    Porque o vejo. Mas não penso nele
    Porque pensar é não compreender...
    O mundo não se fez para pensarmos nele
    (Pensar é estar doente dos olhos)
    Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.

    Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
    Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
    Mas porque a amo, e amo-a por isso,
    Porque quem ama nunca sabe o que ama
    Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

    Amar é a eterna inocência,
    E a única inocência é não pensar..
    os dois poemas apresentados acentuam a importância dos sentidos, viga mestra da poesia de Caeiro, e refutam o "pensar".


  • V

    Há metafísica bastante em não pensar em nada.

    O que penso eu do mundo?
    Sei lá o que penso do mundo!
    Se eu adoecesse pensaria nisso

    Que ideia tenho eu das cousas?
    Que opinião tenho sobre Deus e a alma
    E sobre a criação do mundo?
    Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
    E não pensar. É correr as cortinas
    Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

    O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
    O único mistério é haver quem pense no mistério.
    Quem está ao sol e fecha os olhos,
    Começa a não saber o que é o sol
    E a pensar muitas cousas cheias de calor.
    Mas abre os olhos e vê o sol,
    E já não pode pensar em nada,
    Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
    De todos os filósofos e de todos os poetas.
    A luz do sol não sabe o que faz
    E por isso não erra e é comum e boa.

    Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
    A de serem verdes e copadas e de terem ramos
    E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
    A nós, que não sabemos dar por elas.
    Mas que melhor metafísica que a delas,
    Que é a de não saber para que vivem
    Nem saber que o não sabem?

    "Constituição íntima das cousas"...
    "Sentido íntimo do universo"...
    tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
    É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
    É como pensar em razões e fins
    Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
    Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

    Pensar no sentido íntimo das cousas
    É acrescentado, é como pensar na saúde
    Ou levar um copo à água das fontes.

    O único sentido íntimo das cousas
    É elas não terem sentido íntimo nenhum.

    Não acredito em Deus porque nunca o vi.
    Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
    Sem dúvida que viria falar comigo
    E entraria pela minha porta dentro
    Dizendo-me, Aqui estou!

    (Isto é talvez ridículo aos ouvidos
    De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
    Não compreende quem fala delas
    Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

    Mas se Deus é as flores e as árvores
    E os montes e sol e o luar,
    Então acredito nele,
    Então acredito nele a toda a hora,
    E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
    E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
    Mas se Deus é as árvores e as flores
    E os montes e o luar e o sol,
    Para que lhe chamo eu Deus?
    Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
    Porque, se ele se fez, para eu o ver,
    Sol e luar e flores e árvores e montes,
    Se ele me aparece como sendo árvores e montes
    E luar e sol e flores,
    É que ele quer que eu o conheça
    Como árvores e montes e flores e luar e sol.

    E por isso eu obedeço-lhe,
    (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
    Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
    Como quem abre os olhos e vê,
    E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
    E amo-o sem pensar nele,
    E penso-o vendo e ouvindo,
    E ando com ele a toda a hora.


    Observações:




    • a definição de Deus nesse poema aproxima-se do panteísmo, doutrina filosófica segundo a qual só o mundo é real e Deus é a soma de todas as coisas e nelas se manifesta. Assim, as flores, as árvores, os montes, o sol e o luar são manifestações da própria divindade. Pode-se, assim, falar de uma verdadeira "religião da Natureza".


    IX

    Sou um guardador de rebanhos.
    O rebanho é os meus pensamentos
    E os meus pensamentos são todos sensações.
    Penso com os olhos e com os ouvidos
    E com as mãos e os pés
    E com o nariz e a boca.

    Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
    E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

    Por isso quando num dia de calor
    Me sinto triste de gozá-lo tanto,
    E me deito ao comprido na erva,
    E fecho os olhos quentes,
    Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
    Sei a verdade e sou feliz.

    X

    "Olá, guardador de rebanhos,
    Aí à beira da estrada,
    Que te diz o vento que passa?"

    "Que é vento, e que passa,
    E que já passou antes,
    E que passará depois.
    E a ti o que te diz?"

    "Muita cousa mais do que isso.
    Fala-me de muitas outras cousas.
    De memórias e de saudades
    E de cousas que nunca foram."

    "Nunca ouviste passar o vento.
    O vento só fala do vento.
    O que lhe ouviste foi mentira,
    E a mentira está em ti."

    XX

    O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
    Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

    O Tejo tem grandes navios
    E navega nele ainda,
    Para aqueles que veem em tudo o que lá não está,
    A memória das naus.

    O Tejo desce de Espanha
    E o Tejo entra no mar em Portugal.
    Toda a gente sabe isso.
    Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
    E para onde ele vai
    E donde ele vem.
    E por isso, porque pertence a menos gente,
    É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

    Pelo Tejo vai-se para o mundo.
    Para além do Tejo há a América
    E a fortuna daqueles que a encontram.
    Ninguém nunca pensou no que há para além
    Do rio da minha aldeia.

    O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
    Quem está ao pé dele está só ao pé dele.


    Observações:




    no poema XX, a oposição entre o mundo imaginado (o Tejo) e o mundo real (o rio que corre pela minha aldeia), entre o imaginário e o real, constrói-se através de uma linguagem poética próxima da prosa. A construção anafórica (reiteração de O Tejo...) equilibra-se pela sucessão de epístrofes (repetições de fim de verso: "pela minha aldeia", nos três primeiros versos, e "o rio da minha aldeia"). Apesar da aparente simplicidade, há uma arquitetura equilibrada e complexa nas relações ocultas sobre as quais se sustenta a oposição mundo real e mundo imaginado.




    XXIV


    O que nós vemos das cousas são as cousas.
    Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?
    Por que é que ver e ouvir seriam iludirmo-nos
    Se ver e ouvir são ver e ouvir?

    O essencial é saber ver,
    Saber ver sem estar a pensar,
    Saber ver quando se vê,
    E nem pensar quando se vê
    Nem ver quando se pensa.
    Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
    Isso exige um estudo profundo,
    Uma aprendizagem de desaprender
    E uma sequestração na liberdade daquele convento
    De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
    E as flores as penitentes convictas de um só dia,
    Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
    Nem as flores senão flores,
    Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.








  • Lolita

    Vladimir Nabokov
    "Lolita" é uma das obras mais polêmicas da literatura contemporânea universal.

    Muito arrojado para a moral vigente na época, o romance de Vladimir Nabokov (1899-1977) foi inicialmente recusado por várias editoras. Ao ser finalmente lançado, em 1955, por uma editora parisiense, gerou opiniões antagônicas: houve quem definisse o livro como um dos melhores do ano; houve quem o considerasse pornografia pura. Nos Estados Unidos, onde só viria a ser publicado em 1958, rapidamente conquistou o topo das listas de mais vendidos.

    Visto hoje, filtrado pelos anos e por uma verdadeira biblioteca de comentários e críticas, Lolita parece sobretudo uma apaixonada história de amor, escrita com elegante desespero. O protagonista é o obsessivo Humbert, professor de meia-idade. Da cadeia, à espera de um julgamento por homicídio, ele narra, num misto de confissão e memória, a irreprimível e desastrosa atração por Lolita, filha de 12 anos de sua senhoria.

    Escrito num estilo inimitável - mas não intraduzível, como bem se verá -, "Lolita" é uma obra-prima da literatura do século 20. Aqui se cruzam alguns dos temas clássicos da arte de todos os tempos (a paixão, a juventude, o amadurecimento) com questões mais típicas da nossa modernidade, como as ambivalências eróticas e o exílio - que é uma questão tanto de geografia quanto da linguagem e do coração.

    Macunaíma

    Mário de Andrade

    Macunaíma, índio da tribo tapanhumas, nasce as margens do rio Uraricoera, na Amazônia. Vive com os irmãos Maanape e Jinguê, até a morte da mãe, quando os três partem em busca de aventuras. O herói encontra Ci, Mãe do Mato, rainha das Icamiabas, tribo de amazonas, faz dela sua mulher e torna-se Imperador do Mato-Virgem. Ci dá à luz um filho, mas ele morre e ela também, logo em seguida.


    Antes de virar estrela no céu, ela dá a Macunaíma um amuleto, a muiraquitã (uma pedra verde em forma de lagarto), que o herói perde e vai parar nas mãos de Venceslau Pietro Pietra, o gigante Piaimã comedor de gente, que mora em São Paulo.

    Macunaíma e seus irmãos descem para a cidade grande para tentar recuperar a muiraquitã. Em São Paulo, assistimos à descoberta da civilização industrial por Macunaíma e suas lutas contra o gigante até recuperar o amuleto. Quando o herói consegue a façanha, retorna para o Uraricoera. Lá, sofrera a perda dos irmãos e a vingança de Vei, a deusa do sol.


    Vei havia oferecido a Macunaíma uma de suas filhas em casamento, quando ele visitara o Rio de Janeiro. O herói fez um trato com ela de não andar mais atrás de mulher nenhuma, mas assim que fica sozinho, corre atrás de uma portuguesa.

    Para se vingar, no final do livro, Vei faz Macunaíma sentir um forte calor, que desperta seus insaciáveis desejos sexuais; então, lança-o nos braços de uma Uiara, monstro disfarçado de bela mulher que habita o fundo dos lagos. O herói é destroçado e perde definitivamente a muiraquitã. Cansado de tudo, Macunaíma vai para o céu transformado na Constelação da Ursa Maior.

    Madame Pommery

    Hilário Tácito
    O Brasil nunca pareceu um país muito sério. Na melhor hipótese, é visto como a terra da preguiça, da festa, da praia e do futebol. Na versão mais trágica, é o paraíso da impunidade, da corrupção, da violência e da miséria. E, se o país não é sério, o que nos resta senão rir dos absurdos nacionais?

    O humor, a sátira, a ironia sempre ajudaram a avaliar os defeitos do Brasil e dos brasileiros. Prova disso é a incrível capacidade de o povo transformar os acontecimentos nacionais em piadas. A mesma comicidade se manifesta em certa tradição de nossa literatura, que critica de modo zombeteiro as incongruências do país.

    É o caso de Madame Pommery, que, antecipando a iconoclastia dos modernistas de 1922, cria a metáfora do Brasil como um bordel de segunda categoria. Pommery é uma prostituta que desde cedo se revela sagaz e ladina. Nascida na Europa, chega ao Brasil no início do século 20. Logo percebe que nestas terras tropicais o dinheiro tudo compra: mesmo uma mulher "mundana" pode se tornar uma dama da sociedade, desde que traga na bolsa a quantia adequada.

    Percebe também que a aparente modernização de São Paulo apenas disfarçava o provincianismo e a falta de gosto. Os ares europeus da burguesia urbana não passavam de uma fantasia, postiça e pobre.

    Pommery dedica-se, então, a uma missão "civilizatória". Por meio de empréstimos e trapaças, a anti-heroína inaugura o bordel Paraíso Reencontrado, na pretensão de oferecer aos paulistanos o requinte indispensável no "mundo moderno". Afinal, alguém teria de ensinar aqueles novos ricos a beber champanhe.

    É claro que Pommery pensava em seus interesses também. A bebida cara, a aparência de luxo e as tentações da carne levariam os frequentadores do bordel a gastar o que tinham e o que não tinham. O enriquecimento certamente viria e, com ele, a necessária aceitação social. Um prostíbulo como instituição modernizadora e como forma de ascensão social, está aí em resumo a farsa criada e comentada pelo narrador Hilário Tácito.

    Boa parte do humor da narrativa é resultado justamente das intervenções e digressões do narrador. Cínico, ele vê virtudes nos aspectos condenáveis da personagem, aceitando como manifestação de boa intenção o que não passa de interesse, vingança ou ambição. Seus comentários vão tecendo a crônica de São Paulo do início do século e sublinham continuamente o risível descompasso entre uma elite que se crê "plugada" no mundo, mas que está imersa na mediocridade. Gente que pensa estar em um salão de Paris, mas vive mesmo é na espelunca falsamente luxuosa de Madame Pommery.

    Manuelzão e Miguilim

    Guimarães Rosa
    esta obra foi brilhantemente produzida para televisão, rede Globo, como protagonistas tivemos Bruna Lombardi, em magnífica interpretação e Toni Ramos, quem tiver interesse eu possuo a série completa que teve transmissão nos anos 80 e espero que o Canal Viva tenha a maestria de represá-la. (Professora Simone Calixto)
    Manuelzão e Miguilim, de Guimarães Rosa, é um volume composto por duas novelas: "Campo Geral" e "Uma Estória de Amor"."Campo Geral" é o relato lírico da infância do menino Miguilim, narrado em terceira pessoa, sob a perspectiva de Miguilim, menino inteligente e sensível que mora com a família na mata do Mutum (MG).

    A narrativa é organizada segundo a vivência e as experiências desse jovenzinho que está constantemente observando as pessoas e as coisas situadas em seu universo sertanejo. Diversas personagens vão sendo apresentadas ao leitor: a mãe; o pai suicida; o padrasto e tio Terêz; os irmãos, principalmente o Dito, que morre prematuramente de tétano; a avó ranzinza Izidra; entre outros.

    O leitor vai desvendando a cada passo o mundo afetivo de Miguilim, transbordado de alegrias e de tristezas, misturando-se nele as reflexões e os deslumbramentos. Guimarães Rosa capta o universo infantil, culminando com o deslumbramento dessa criança ao ver o mundo, quando um doutor lhe descobre a miopia.


    A segunda novela presente no volume é "Uma Estória de Amor", narrativa que revela o outro lado da vida, a velhice, retratada pela vertente de um vaqueiro que nunca havia se fixado, nem alcançara a estabilidade doméstica, senão no final da vida, já velho. Aos sessenta anos recompõe a família, construindo uma casa e, como promessa à mãe, uma pequena capela na fazenda da qual era administrador.



    Manuelzão prepara uma festa para a consagração. A novela registra os preparativos, a chegada dos sertanejos das mais diferentes regiões, a chegada do padre e a própria festa. Toda a história é narrada às vésperas da partida de uma boiada, instrumento de trabalho e da vida do protagonista e que serve de ligação entre o presente e a tessitura das recordações de um passado vivido com o eterno equilíbrio da graça e da desgraça.



    As duas novelas completam-se, mostram a infância e a velhice, cujos protagonistas fazem da descoberta e da recordação os pontos altos da matéria literária.

    Morte em Veneza

    Thomas Mann
    Gustave Aschenbach, acadêmico alemão em crise com a vida austera que levava, decide passar as férias de verão em Veneza. Lá, apaixona-se por um adolescente, Tadzio, visto como a representação perfeita da beleza e da inocência. A paixão, insuflada por imagens da mitologia grega, vai lentamente dissolvendo a racionalidade de Aschenbach. Tadzio encarnava o sentido de beleza que ele buscara na arte.

    Síntese
    Estamos nos primeiros anos do século 20, e o escritor alemão Gustav von Aschenbach está inquieto em sua velha Munique. Tomado por "uma espécie de vago desassossego", Aschenbach decide partir para Veneza.

    Considerado um dos mais importantes escritores de seu país, laureado com título de nobreza, Aschenbach representa o modelo do artista rigoroso, racional, ascético, obcecado com a perfeição da forma e a beleza ideal.

    Ao chegar à cidade italiana, ela mesma uma rara materialização do belo, Aschenbach hospeda-se em um luxuoso hotel à beira-mar.

    É aí que encontra o adolescente Tadzio, cuja beleza natural superava todos os esforços da arte. Fascinado pela perfeição física do jovem, o artista sucumbe a uma paixão platônica que o levará à ruína.

    Combinando reminiscências da cultura grega com a ide ia de decadência que dominava a Europa de então -às vésperas da Primeira Guerra -, Thomas Mann condensa, em "Morte em Veneza", algumas de suas questões mais caras: a tensão entre o artístico e o natural, a luta contra a passagem do tempo e a decadência do corpo, e a doença como metáfora de um mundo em agonia.

    No Caminho de Swann

    Marcel Proust
    "No Caminho de Swann" é o primeiro título do ciclo "Em Busca do Tempo Perdido", escrito ao longo de 14 anos. Nesse livro, o narrador introduz o leitor no seu universo literário a partir de rememorações da infância e da história de amor e ciúme de Swann por Odette. A obra traz uma das mais famosas passagens da literatura, quando o narrador come uma "madeleine" (tipo de bolinho) molhada no chá e vê sua consciência mergulhar involuntariamente no passado.

    "As criaturas de Proust são vítimas desta circunstância e condição predominante: o Tempo. Não há como fugir das horas e dos dias. Nem de amanhã nem de ontem." (Samuel Beckett, escritor e dramaturgo)

    Síntese
    "Cessara de me sentir medíocre, contingente, mortal. De onde me teria vindo aquela poderosa alegria?"

    Com estas duas frases, o narrador de "Em Busca do Tempo Perdido" registra o momento de epifania que o fará reconstituir toda sua vida, desde a remota infância até a maturidade.

    A cena é aquela em que a personagem mergulha um pedaço de bolo - a famosa madeleine - numa xícara de chá e, a partir daí, se deixa transportar pela memória. Está no começo de "No Caminho de Swann", volume inicial do mais importante ciclo romanesco do século 20.

    Lançado por Marcel Proust em 1913, depois de ter sido recusado pelas principais editoras francesas, este livro se concentra no período de formação do protagonista: o amor intenso pela mãe e a pouca simpatia pelo pai; o ambiente familiar dominado por mulheres; os sentimentos precoces de ódio e de culpa; as temporadas na provinciana Combray, com suas histórias locais; os primeiros contatos com pessoas que iriam viver, envelhecer e desaparecer sob os olhos do narrador.

    Entre as muitas figuras que povoam o mundo de Proust, neste volume se destacam o rico sr. Charles Swann e a jovem e sedutora Odette de Crécy (casal interpretado no cinema por Jeremy Irons e Ornella Muti, numa adaptação do diretor alemão Volker Schlöndorff). O capítulo "Um Amor de Swann" é quase um romance à parte: um magistral estudo sobre o ciúme, talvez o melhor que a literatura já produziu.

    Nosso Homem em Havana

    Graham Greene
    Numa Havana pré-Fidel Castro, Jim Wormold, um vendedor britânico divorciado, percebe que precisa de mais dinheiro para criar sua filha de 17 anos. É recrutado pelo serviço secreto britânico e para ganhar mais passa a inventar um universo paralelo de agentes secretos e intrigas de espionagem. As mentiras que forja para os relatos, porém, começam a se tornar reais nessa sátira publicada em 1958.

    Síntese
    O inglês Jim Wormold é um pacato vendedor de aspiradores de pó que mora há anos na capital cubana. O salário que ele ganha não dá para sustentar os caprichos de sua bela filha adolescente, Millie.

    É nesse momento de aperto financeiro que Wormold recebe a proposta de se tornar um agente secreto na ilha pré-revolucionária do ditador Fulgêncio Batista, protegido do governo norte-americano. Sem nenhuma experiência no ramo da espionagem, nosso herói a princípio vacila. Mas depois, seduzido pela gorda remuneração oferecida pelo sr. Hawthorne - alto funcionário do MI6 -, Wormold concorda em colaborar com o serviço de inteligência britânico.

    Tendo de enviar periodicamente a Londres relatórios sobre possíveis atividades subversivas, Wormold passa a inventar histórias as mais mirabolantes. Os absurdos documentos forjados pelo vendedor - como a planta de uma suposta instalação de armas secretas baseada em desenhos de aspirador de pó - são levados a sério pelos agentes do MI6. E o prestígio do "nosso homem em Havana" só cresce, assim como as peripécias em que a personagem se mete.

    Neste romance publicado em 1958, meses antes que Fidel Castro liderasse a Revolução Cubana (em janeiro de 1959), Graham Greene escreve uma das mais divertidas sátiras sobre a paranoia da Guerra Fria.

    Hoje, passados mais de 40 anos de seu lançamento, "Nosso Homem em Havana" ganha atualidade no contexto da política internacional, em que guerras são movidas a partir de relatórios aparentemente falsos.

    O Amante

    Marguerite Duras
    "O Amante" conta a descoberta do amor e do sexo por uma adolescente, filha de uma família de colonos falidos na Indochina francesa, nos anos 1930. O amor proibido da menina branca, sua entrega a um jovem chinês rico, dez anos mais velho do que ela, é também uma forma de escapar à claustrofobia e à derrocada da família, ao seu "envelhecimento" precoce, àa descoberta da sua solidão. É também a história da própria escritora.

    Síntese
    Nascida nos arredores de Saigon (Vietnã) pouco antes do estouro da Primeira Guerra, Marguerite Duras tornou-se um dos mais influentes nomes da literatura francesa a partir da década de 1940, escrevendo romances, peças de teatro e roteiros para cinema (Hiroshima Mon Amour, dirigido por Alain Resnais, é o mais famoso deles).
    Mas foi só aos 70 anos de idade que Duras ganhou projeção internacional, com a novela O Amante, vencedora do Prêmio Goncourt de 1984 e traduzida em mais de 40 idiomas.

    Filtrada por uma memória ao mesmo tempo autobiográfica e ficcional, a narrativa (que se passa em 1929) reconstitui os embates de uma adolescente que mantém relação com um oriental dez anos mais velho que ela.

    Intensamente lírico e erótico, O Amante acompanha com rara felicidade a descoberta e o esgotamento da sexualidade, consumida em fogo lento pela escrita corrosiva de Duras.

    Em 1991, o livro ganhou versão para o cinema pelo diretor francês Jean-Jacques Annaud.

    O Amanuense Belmiro

    Ciro dos Anjos
    O Amanuense Belmiro, de Ciro dos Anjos é o livro de estreia desse mineiro que integrou a geração modernista de 1930.

    De linhagem psicológica, revelando profunda influência machadiana, porta-se como observador perspicaz e contido, utiliza-se frequentemente de uma fina ironia, do pessimismo amargo e revela-se continuador da tradição memorialista que foi comum no romance do século 19.

    O crítico português Adolfo Casais Monteiro, sobre O Amanuense Belmiro diz: "uma melodia como raramente o romance no-la dá, um bafo de vida a tal ponto real que desperta imediatamente tudo o que há de mais íntimo e secreto em cada um".

    A primeira edição do livro data de 1936 e já consagra Ciro dos Anjos como um dos grandes prosadores da Literatura Brasileira, sendo essa sua principal obra, embora tenha escrito mais um outro romance, que recebeu o título de Abdias.

    O Amanuense Belmiro é narrado em primeira pessoa por Belmiro Borba, personagem central, homem tímido e sonhador, ao mesmo tempo dotado de grande capacidade de observar a si e aos outros. Solteirão e empregado de repartição pública, em que era amanuense (encarregado geralmente de fazer cópias e/ou ofícios), vive em Belo Horizonte com duas irmãs mais velhas. Em uma noite de carnaval contempla uma jovem desconhecida, identificada posteriormente como Carmélia, por quem se apaixona, mas mantém-se distante, nunca revelando seus sentimentos.

    Paralelamente, vai sequenciando uma série de meditações que surgem a partir de conversas com um grupo de amigos (Jandira, Silviano, Redelvim, Florêncio, Glicério). Ao mesmo tempo relembra a infância, fazendo coincidir a amada Carmélia, que ele chama de donzela Arabela, com uma antiga namoradinha. Em tudo, Belmiro refugia-se nos sonhos, nas ilusões, raramente enfrenta a realidade, é incapaz de ações incisivas. O mundo pequeno desse homem é revelado gradativamente, por meio de uma espécie de diário, em que procuraria registrar cenas do cotidiano e reflexões e recordações.

    O Bom Crioulo

    Adolfo Caminha
    Considerado um dos mais perfeitos exemplos do Naturalismo nas letras brasileiras, O Bom Crioulo em tudo defende a tese determinista, segundo a qual o homem deve ser retratado dentro de um ambiente pernicioso e podre, decorrendo daí seu caráter enfraquecido e perverso, sua falta de travas morais, sua perversão, principalmente sexual, causadora de sequelas irreversíveis como a bestialização, a insanidade mental, a histeria ou a degradação.

    Nesse romance, pela primeira vez na Literatura brasileira, é tratado o tema do homossexualismo, tendo como foco a vida dos marinheiros, retratada, às vezes, com requintes descritivos que chegam às raias da fotografia.

    Narrado em terceira pessoa, esse romance, datado de 1895, tem como protagonista o jovem Amaro, negro escravo, homem forte e de boa índole, mas de espírito fraco que foge da escravidão e se embrenha na Marinha. Aí conhece Aleixo, grumete que atrai o bom crioulo por ser exatamente o oposto, branco e frágil.

    A narrativa transcorre maneira delinear, e gradativamente o autor deixa o leitor conhecer um vasto painel dos fatos que envolvem o caso amoroso de Aleixo e Amaro. No entanto, Aleixo também é o ponto máximo do amor da portuguesa Carolina, prostituta, mulher excessivamente carente, que nunca havia conhecido o amor desinteressado e é atraída pelo espírito infantil do rapaz branco, pelos olhos azuis e puros. Na terra, envolve-o pelo amor carnal e passa a ser sua amante, mãe, amiga, e transpõe para Aleixo todo seu coração reprimido pelas cruezas da vida, ama-o como mulher e como mãe, uma vez que ela não tivera a oportunidade de gerar filhos.

    O ciúme interfere nesse singular triângulo amoroso, fazendo Amaro agir irracionalmente, como um animal diante do instinto selvagem, destruindo a sua única razão de ser e de viver. Ambientado preferencialmente no mar, o romance de Adolfo Caminha é a síntese da perversão sexual, descrita de modo ousado e chocante com a arte e a técnica de um artista que soube captar com fidelidade os aspectos cruéis de uma fria realidade.

    O Burrinho Pedrês (Sagarana)

    Guimarães Rosa
    Sete-de-Ouros, um burrinho já idoso, é escolhido para servir de montaria num transporte de gado. Um dos vaqueiros, Silvino, está com ódio de Badu, que anda namorando a moça de quem Silvino gosta. Corre o boato, entre os vaqueiros, de que Silvino pretende vingar-se do rival. De fato, Silvino atiça um touro e o faz investir contra Badu, que, porém, consegue dominá-lo. Os vaqueiros continuam murmurando que Silvino vai matar Badu. No caminho de volta, este, bêbado, é o último a sair do bar e tem de montar no burro. Anoitece e Silvino revela a seu irmão o plano de morte. Contudo, na travessia do Córrego da Fome, que pela cheia transformara-se em rio perigoso, vaqueiros e cavalos se afogam. Salvam-se apenas Badu e Francolim, um montado e outro pendurado no rabo do burrinho.

    Sete-de-Ouros, burro velho e desacreditado, personifica a cautela, a prudência e a muito mineira noção de que não vale a pena lutar contra a correnteza, se o que se pretende é a travessia. Sete-de-Ouros - no jogo de truco, de "manilha velha" é a manilha mais baixa, após a espadilha, o sete-de-copas e o zape.

    "Macho" é mulo, mu, muar - o burrinho Sete-de-Ouros, protagonista da história. "Carregado de algodão" simboliza o peso da vida, o trabalho do burrinho, e metaforiza a carga dos homens, o peso do mundo, como fardos de algodão. "Preguntei: p'ra donde ia?" - a forma arcaica do verbo perguntar sugere a indagação permanente dos homens, sábios e filósofos: para quê?, por quê?, de onde?, para onde?. "P'ra rodar o mutirão" alude ao esforço coletivo, ao dever de solidariedade que o burrinho cumprirá na sua hora e na sua vez.

    Nos contos, novelas e romance de Guimarães Rosa, há sempre um momento crucial, uma "hora e vez", uma "travessia", ápice da existência, resumo de seu sentido: "...a estória de um burrinho, como a história de um homem grande, é bem dada no resumo de um só dia de sua vida".

    Em "Sagarana" renasce o anônimo "contador de estórias", o homem coletivo que se enraíza nos rapsodos gregos e nas canções de gesta medievais. Desde o início do conto (Era um burrinho pedrês...) esboça-se claramente a atitude ingênua e espontânea da "palavra lúdica", que não aprisiona o falar nos limites rígidos do individualismo, mas se identifica com a palavra anônima e coletiva.

    Seja pela fórmula linguística caracterizadora da narrativa elementar, da fábula, da lenda (Era um burrinho...), tempo e modo verbais que, de imediato, tiram à narrativa o caráter de coisa datada, para projetarem na esfera intemporal do universo de ficção; seja pela mescla de precisão e imprecisão documental no registro do espaço (vindo de Passa-Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão); seja pela dimensão antropomórfica (forma humana) que é dada à personagem central, o "burrinho-gente", e que situa a narrativa na fronteira entre o real e o mágico; seja pela funcionalidade das cantigas inseridas no fluxo narrativo, tudo isso e muito mais nos revela, no universo da palavra rosiana, a presença do "homo ludens" (homem lúdico), descompromissado com as estruturas convencionais do pensamento lógico.

    O Caso Morel

    Rubem Fonseca
    Primeiro romance do escritor, lançado em 1973, o livro mostra o embate de Paul Morel, um excêntrico artista de vanguarda, com o escritor Vilela. Morel está preso e é de sua cela que narra histórias que mesclam sexo, violência e reflexões sobre a arte, questionando a função da própria literatura.

    Síntese
    Entre os escritores brasileiros contemporâneos, Rubem Fonseca foi um dos primeiros a encarar sem rodeios a violência urbana em todos os estratos sociais, do traficante ao empresário, da socialite à prostituta, do mendigo ao banqueiro.


    Sempre com um estilo direto, coloquial, cortante, Fonseca criou um gênero que teria forte descendência entre os autores mais jovens.



    Nesse sentido O Caso Morel - novela publicada há 30 anos, no auge do regime militar - faz nada menos que um pequeno tratado sobre a psicopatologia de nossa vida cotidiana. O livro é visto até hoje, com justiça, como uma de suas melhores ficções.



    No centro da trama está o artista Paul Morel, personagem carismática que vive nesta estranha sociedade como um sobrevivente, levando às últimas consequências o que nela há de falso, delirante, destrutivo - e familiar.



    Autor de obra numerosa, Rubem Fonseca fez sua estreia literária há exatos 40 anos, com o volume de contos Os Prisioneiros. Pelo conjunto da obra, o escritor foi laureado com o Prêmio Camões de 2003, o mais importante entre os países de língua portuguesa.

    O Crime do Padre Amaro

    Eça de Queirós
    Primeiro grande romance de Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro tem por alvo a crítica à sociedade portuguesa por meio da análise de duas constantes: o anticlericalismo e o provincianismo.

    Essa obra tornou-se o marco do Naturalismo na Literatura Portuguesa e, como naturalista, o escritor defende a ideia de que o homem é fruto do meio em que vive, da origem hereditária que carrega e do momento histórico em que vive.

    Esse determinismo é responsável pelo amoldamento do caráter do homem e é nesse contexto que se insere o protagonista Amaro Vieira, filho de criada e que após a morte dos pais foi adotado pela rica marquesa de Alegros. Tem sua educação voltada para o sacerdócio, embora não apresentasse vocação alguma para exercê-lo. Após ordenado, é nomeado pároco da pequena vila de Leiria e lá encontra Amélia, filha de Sá Joaneira, concubina do cônego Dias. Convivendo em um ambiente amoral, entre carolas e padres corrompidos, Amélia facilmente se deixa seduzir pelo padre Amaro.

    Não há personagens livres da crítica ferina de Eça de Queirós, tanto no meio eclesiástico quanto no círculo de "amizades" e "devotas" que rodeia os padres. Quase todos os personagens são apresentados de forma sarcástica, irônica e crítica, sendo raras as exceções.

    O romance de Amaro e Amélia vem à tona quando João Eduardo, noivo de Amélia, enciumado com as atenções que a moça vem dando ao padre, escreve um comunicado no jornal da pequena província, criticando as relações amorosas e pecaminosas dos padres que rompem com a promessa de celibato. O artigo provoca grande polêmica, e Amélia rompe o noivado para tornar-se exclusivamente amante do padre Amaro.

    Grávida, Amélia vive enclausurada e recebe o apoio de um espírito generoso, o abade Ferrão. Após dar à luz, a personagem morre e seu filho é levado por uma "tecedeira de anjos". A criança desaparece de forma estranha e é dada como morta, apesar de ser aparentemente saudável. Embora tenha tido um ligeiro remorso, Amaro segue sua carreira, cuidando para ser mais cauteloso em suas aventuras.

    As críticas de Eça de Queirós são dirigidas não só ao provincianismo de Leiria, mas a todo Portugal que, de certa forma e na visão do escritor, permanece aquém do desempenho de outros países europeus.

    O Fio da Navalha

    W. Somerset Maugham

    Larry Darnell, um jovem americano da alta burguesia que conhecera a morte nos campos de batalha da Primeira Guerra na Europa, volta para a cidade em que nascera (Chicago) em estado de choque. Abandona tudo, todos os confortos materiais, para buscar o sentido da vida. A ação transcorre entre os anos 20 e 40 em lugares tão díspares quanto Chicago, Paris, Marselha, Índia e ranchos no Texas.


    Síntese
    O século 20 produziu uma quantidade enorme de histórias sobre ex-combatentes de guerra que, ao voltarem para casa, não se reconhecem mais naquilo que veem e precisam de algum modo reencontrar o fio da meada. No entanto, poucas obras literárias se tornaram tão emblemáticas dessa situação quanto este romance de W. Somerset Maugham.



    Depois de ver seu melhor amigo morrer nos campos de batalha da Primeira Guerra, o jovem norte-americano Larry Darrell retorna aos Estados Unidos completamente transformado. Em pouco tempo, decide deixar a vida burguesa de Chicago e adiar seu casamento com a bela Isabel. Como muitos jovens de sua geração, Darrell vai passar uma temporada de aprendizado existencial em Paris, onde perambula pelos cafés e começa a ler livros sobre a Índia e o Nepal.



    Entusiasmado com as descobertas e a possibilidade de um mundo radicalmente novo, Darrell viaja para esses países em busca de iluminação espiritual - assim como o próprio autor fez na década de 30. Anos mais tarde, de volta a Paris, Darrell reencontra Isabel e vários amigos americanos que haviam deixado os EUA depois da crise financeira de 1929.



    "O Fio da Navalha", expressão retirada por Maugham de um dos upanixades (textos sagrados da Índia), rendeu várias versões para o cinema, entre elas a de 1946, com Tyrone Power no papel principal, e a de 1984, estrelada por Bill Murray.

    O Grande Gatsby

    Scott Fitzgerald
    "O Grande Gatsby" se passa na Long Island dos anos 1920, com jovens belas e exóticas, muito álcool, jazz, elegância, glamour e, pairando sobre tudo, a certeza de que a vida seria uma festa sem fim. Para Jay Gatsby, a voz de Daisy era inesquecível porque "soava a dinheiro". Romântico e sentimental, de uma beleza melancólica e triste, o livro retrata a recusa da maturidade, a incapacidade de envelhecer e uma obstinação: a de continuarem todos jovens e ricos para sempre.

    Síntese
    Desde que foi lançada, em 1925, a história de Jay Gatsby tornou-se uma parábola exemplar do sonho americano.

    Protótipo do self-made man, Gatsby acumula grande fortuna e se torna figura lendária de uma América próspera, embalada pelo ritmo do jazz, as máquinas de Detroit e o cinema de Hollywood. Sua história de ascensão é narrada a distância por Nick Carraway, um convidado assíduo às suas festas. Carraway logo descobre a infelicidade íntima de seu "herói", que cultiva um antigo amor, até aquele momento mal resolvido, pela mulher de um milionário.

    A atmosfera de euforia e vazio que toma conta de O Grande Gatsby é uma das melhores imagens da geração de F. Scott Fitzgerald (1896-1940), certamente seu melhor intérprete.

    Numa enquete feita pela prestigiosa série "Modern Library", o livro foi considerado o segundo melhor romance de língua inglesa do século 20, atrás apenas do Ulisses de James Joyce.

    Há várias versões do livro para o cinema, entre as quais a do diretor Jack Clayton, com roteiro de Francis F. Coppola e Robert Redford no papel-título. 

    O Jovem Törless

    Robert Musil

    Romance de cunho filosófico que narra a história da formação de um adolescente num internato no Império Austro-Húngaro. Lá, Törless têm experiências opostas sobre a amizade, num arco que vai da ternura à violência, prenúncio dos Estados totalitários que surgiriam na Europa após a Primeira Guerra. Simbolicamente, é o enterro da individualidade.

    Síntese
    Na virada do século 19 para o 20, um grupo de jovens cadetes passa pela velha experiência do confinamento: estão todos afastados de casa, longe dos pais, internados em um colégio militar do antigo império Austro-Húngaro. Törless é um desses adolescentes, e sua história se assemelha muito às experiências vividas na juventude por seu criador, Robert Musil.

    Acostumado a um ambiente familiar que sempre lhe pareceu claro e equilibrado, Törless agora se vê na contingência de ter que amadurecer por conta própria, entre seus pares. A rígida disciplina do colégio e as relações entre os que vivem ali dentro (alunos, professores, funcionários) logo manifestam seus mecanismos de perversão. Os mais fortes se reúnem para espezinhar os mais frágeis, os sádicos dão as mãos aos masoquistas, e a sexualidade se exercita como se pode, com prostitutas ou entre os próprios alunos.


    Enquanto assiste como um espectador - ou ator relutante - à rotina do internato, o protagonista escreve longas cartas à família, na tentativa de lançar pontes entre a vida obscura do colégio e a suposta vida normal do mundo lá fora, o presente "doentio" e o passado "saudável". Mas aos poucos tudo o que o cerca é contaminado pela atmosfera de ódio e irracionalismo que marca as relações pessoais, os afetos e a memória.



    Este romance do jovem Musil prepara rigorosamente, com tintas expressionistas, o cenário de hostilidade e abjeção que caracterizaria a Europa do entre guerras.

    O Nome da Rosa

    Umberto Eco
    Ficção de estreia de Umberto Eco, "O Nome da Rosa" é um romance cuja trama se desenrola em um mosteiro italiano na última semana de novembro de 1327. Ali, em meio a intensos debates religiosos, o frade franciscano inglês Guilherme de Baskerville e seu jovem auxiliar, Adso, envolvem-se na investigação das insólitas mortes de sete monges, em sete dias e sete noites. Os crimes se irradiam a partir da biblioteca do mosteiro: "o nome da rosa" era uma expressão usada na Idade Média para denotar o infinito poder das palavras.

    Síntese
    Ficção de estreia de um dos mais respeitados teóricos da semiótica, "O Nome da Rosa" transformou-se em prodígio editorial logo após seu lançamento, em 1980.

    Tamanho sucesso não parecia provável para um romance cuja trama se desenrola em um mosteiro italiano na última semana de novembro de 1327.

    Ali, em meio a intensos debates religiosos, o frade franciscano inglês Guilherme de Baskerville e seu jovem auxiliar, Adso, envolvem-se na investigação das insólitas mortes de sete monges, em sete dias e sete noites.

    Os crimes se irradiam a partir da biblioteca do mosteiro - a maior biblioteca do mundo cristão, cuja riqueza ajuda a explicar o título do romance: "o nome da rosa" era uma expressão usada na Idade Média para denotar o infinito poder das palavras.

    Narrado com a astúcia e a graça de quem apreciou (e explicou) como poucos as artes do romance policial, "O Nome da Rosa" encena discussões de grandes temas da filosofia europeia, num contexto que faz desses debates um ingrediente a mais da ficção.

    O livro de Eco é ainda uma defesa da comédia - a expressão do homem livre, capaz de resistir com ironia ao peso de homens e livros.

    O Noviço

    Martins Pena

    Expansão do comércio e da indústria, urbanização, difusão de ideais de liberdade, associados à recente independência, dão ares de modernidade ao Rio de Janeiro e criam um certo orgulho em ser brasileiro. Orientados pela visão apaixonada do Romantismo, artistas e intelectuais buscam definir a identidade nacional.


    Simultaneamente, surge um público, ainda que reduzido, interessado em ver nos palcos não somente peças francesas ou óperas italianas, mas também as histórias brasileiras. É nesse contexto que surge Martins Pena. Diferentemente da poesia e do romance romântico de seu tempo, ele não tratou de modo idealizado as questões da nacionalidade, mas focalizou a sociedade do Segundo Reinado naquilo que ela tinha de inocência e ridículo.



    O dramaturgo soube apresentar com graça e simplicidade as intrigas triviais da vida de roceiros, viúvas assanhadas, juízes corruptos, moças casadouras, enfim, espelhava no palco, por meio de tipos caricatos, o cotidiano conhecido do público.



    E, nesse espelhamento bem-humorado, punia os maus, premiava os bons, satirizava os poderosos e colocava em prática a ideia já antiga de que é rindo que se corrigem os vícios e se aperfeiçoam as virtudes. "O Noviço" é uma dessas comédias de costumes que, sem rodeios ou sofisticações nas falas e nas situações, apresenta a história de Carlos, rapaz endiabrado, que é enviado a um convento por decisão de sua tia e tutora. Não tendo vocação para a vida religiosa e apaixonado pela prima Emília, Carlos foge do convento e se dedica a desmascarar o ambicioso Ambrósio Nunes, segundo marido de sua tia.



    Esse homem viera do Ceará, de posse da herança de sua jovem esposa, Rosa. Na corte aplica um segundo golpe: casa-se com a viúva rica Florência. Com a intenção de tomar para si o dinheiro da segunda esposa, cria um plano: convencer Florência a confinar em um convento o sobrinho tutelado, Carlos, e preparar os filhos, a jovem Emília, e o garoto de nove anos, Juca, para serem religiosos.



    Trapalhadas, enganos de identidade, disfarces, encontros inesperados, cartas comprometedoras que vão parar em mãos equivocadas desenvolvem a trama. O trapaceiro Ambrósio, com sua capacidade de seduzir e enganar a inocente Florência, só é desmascarado quando Rosa, a esposa abandonada em Maranguape, chega ao Rio de Janeiro e, de posse da certidão de casamento, consegue um mandado de prisão, ao provar a bigamia do farsante Ambrósio.



    Carlos consegue fazer valer a sua vontade de abandonar o noviciado, é perdoado pelas fugas e pelas estrepolias promovidas no convento e declara seu desejo de casar-se com a prima Emília. Ambrósio é levado à prisão, as duas mulheres enganadas sentem-se vingadas, e o Mestre de Noviços abençoa a futura união de Carlos e Emília.



    Por que Martins Pena encanta e faz rir há mais de 150 anos? Talvez a resistência e a atualidade do teatro de Martins Pena advenha do talento especial do autor em selecionar com perspicácia hábitos, valores, modos que definem a essência de ser do brasileiro. Mas é inegável que colabora para a perenidade o fato de ainda hoje vermos refletidos nas comédias do comediógrafo problemas crônicos do Brasil. Afinal, não continuamos a reclamar e até mesmo zombar da leviandade no serviço público? Da morosidade da Justiça, dos subornos e dos golpes de espertalhões? É esse universo meio trágico, meio cômico que tem eternizado o teatro da época regencial brasileira.

    O Primo Basílio

    Eça de Queirós
    "O Primo Basílio" conta a história de Luísa, jovem sonhadora e ociosa da sociedade lisboeta, que acaba envolvida por Basílio, seu primo, com quem se reencontra, após anos de distância. Achando-a sozinha, já que Jorge, o marido, viajara a negócios, Basílio serve-se de sedução e galanteios, até levá-la a se envolver profundamente consigo, tornando-se sua amante. Juliana, a criada, descobre a corres­pondência trocada por ambos e chantageia a patroa.

    Após sofrer muitas humilhações e ter que se submeter aos caprichos da crudelíssima criada, Luísa consegue, ajudada por um amigo, reaver as cartas; e Juliana, pressionada a entregá-las, ante as ameaças, acaba morrendo do coração. Após tanto sofrimento, Luísa adoece. Basílio, de há muito, encontra-se longe de Lisboa. Jorge regressa ao lar. Certo dia, chega uma carta do primo para a esposa e o marido intercepta a correspondência e toma conhecimento de tudo que ocorrera.

    Desesperado e sofrendo demasiadamente, ainda assim Jorge resolve perdoar Luísa. Ela, no entanto, piora muito ao saber que o marido descobrira tudo o que fizera de errado, e vem a falecer. A reação de Basílio, ao saber da morte dela, é de pesar, por ter perdido sua diversão em Lisboa. Destaca-se, ainda, na obra, a figura do Conselheiro Acácio, amigo do casal, caricatura repleta de formalismo e hipocrisia.

    A obra, um dos clássicos da literatura, é de Eça de Queirós.

    O Processo

    Franz Kafka

    Na manhã do seu 30º aniversário, Joseph K. é despertado e, em vez do café da manhã, recebe voz de prisão. Começa aí uma espécie de pesadelo burocrático. K. passa por audiências, cartórios, salas de espancamento, sem que ele nunca saiba de que crime é acusado. Escrito entre 1914 e 1915, o livro pode ser visto como uma profecia do terror nazista, como afirma o escritor e tradutor Modesto Carone.


    Síntese
    No dia em que completava 30 anos de idade, enquanto esperava o café da manhã, o empregado de banco Josef K. foi surpreendido por dois inspetores que, sem nenhum motivo explícito, lhe deram ordem de prisão.



    A princípio, o pacato K. imaginava que tudo não passasse de um equívoco. Aos poucos, porém, o caso de K. se complica. Na tentativa de compreender os meandros do processo, Josef K. conversa com advogados, estudantes, industriais, pintores, comerciantes e, por fim, com um sacerdote - todos de algum modo funcionários do tribunal.

    Com uma espantosa capacidade de conferir realidade a fatos aparentemente muito estranhos, Franz Kafka (1883-1924) constrói um universo ficcional em que os tradicionais conceitos de culpabilidade e inocência valem menos do que o próprio funcionamento da Lei - indiscernível, acima da vontade e do entendimento dos homens.


    Muitos críticos interpretam "O Processo" como um romance metafísico, sobre o problema do Mal. Outros o veem como alegoria das modernas sociedades de controle, em que todos estão submetidos a uma lógica cega. Que cada leitor julgue o livro por si. De qualquer modo, o romance inacabado de Kafka será para sempre um marco da literatura moderna.

    O Senhor das Moscas

    William Golding
    Um grupo de jovens tenta construir uma civilização numa ilha tropical deserta, e o projeto acaba em sangue e terror, segundo definição do próprio autor. Nessa distopia juvenil, publicada em 1954 após a recusa de 21 editoras, Golding desenvolve uma visão pessimista do homem que tem a marca do nazismo, do stalinismo e do horror atômico da Segunda Guerra. Golding ganharia o Prêmio Nobel em 1983.

    Síntese
    Um avião lotado de crianças e adolescentes cai numa ilha deserta. Os jovens sobrevivem e, aos poucos, vão se reunindo num grande grupo. Em assembleia, os meninos designam um líder. Longe dos códigos que regulam a sociedade dos adultos, esses jovens terão de inventar uma nova civilização, alicerçada exclusivamente nos recursos naturais da ilha e em suas próprias fantasias.

    Até aí este romance do inglês William Golding poderia ser lido como simples aventura infanto-juvenil, cheia de caçadas, banhos de mar e, ao final, a descoberta de um tesouro escondido por piratas. Mas não é o que ocorre. Apesar dos esforços iniciais de organizar uma sociedade autossuficiente e equilibrada, o bando vai progressivamente cedendo à vida dos instintos, regredindo às pulsões de violência e de morte. A disputa pelo poder é um dos estopins da desordem. E o paraíso do "bom selvagem" acaba em carnificina.

    Invertendo o clássico "Robinson Crusoé", de Daniel Defoe, em que um único indivíduo conseguia impor a civilização ao estado de natureza, Golding expressa neste romance sua descrença na bondade inata dos homens e em sua capacidade de criar um mundo melhor.

    Lançado em 1954, menos de uma década após os campos de concentração nazistas e a bomba de Hiroshima, o livro carrega esse destino já no título: "Senhor das Moscas" é a tradução literal da palavra hebraica Ba'alzebul - em português, "Belzebu".

    O Velho e o Mar

    Ernest Hemingway

    Santiago, um velho pescador cubano que ficara 84 dias sem pescar nada, promete acabar com a sua onda de azar. Sua sorte tem a forma de um merlin gigante, o maior peixe que já pescara. Após três dias de luta com o merlin no Golfo do México, Santiago volta para o porto, carregando a razão de seu combate transformada numa carcaça por tubarões.

    Síntese
    Depois de passar quase três meses sem fisgar um peixe, escarnecido pelos colegas de profissão, o velho Santiago enfrenta o alto-mar, sozinho, em seu pequeno barco. Quer provar aos outros e a si mesmo que ainda é um bom pescador. É em completa solidão que ele travará uma luta de três dias com um peixe imenso, um animal quase mitológico, que lembra um ancestral literário, a baleia Moby Dick.


    À medida que o combate se desenvolve, o leitor vai embarcando no monólogo interior de Santiago, em suas dúvidas, sua angústia, sentindo os músculos retesados, a boca salgada e com gosto de carne crua, as mãos úmidas de sangue. Por fim, o peixe se dobra à força do pescador. Mas a vitória não será completa - surgem os tubarões...



    Novela da maturidade de Ernest Hemingway, que foi correspondente de guerra e amante das touradas, O Velho e o Mar (1952) é a melhor síntese de sua obra e de sua visão do mundo.



    Escrito num estilo ágil e nervoso, máxima depuração da prosa jornalística do autor, o livro explora os limites da capacidade humana diante de uma natureza voraz, onde todos os elementos estão permanentemente em luta.

    Quincas Borba

    Machado de Assis
    Em "Quincas Borba", Machado de Assis deixa de lado a liberdade formal que havia empregado em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", seu romance anterior e marco do início do Realismo no Brasil. Desta vez, ele optou por narrar os fatos em terceira pessoa, isto é, o narrador não participa daquilo que narra. Ao contrário, mantém-se distante, apenas observando o que acontece.

    De qualquer modo, há uma pequena relação entre "Quincas Borba" e o romance que o precedeu: o humanitismo, filosofia que Quincas Borba, personagem das "Memórias Póstumas", tenta incutir, antes de morrer, em seu enfermeiro Rubião, na cidade de Barbacena (MG), para onde se mudou. Professor primário provinciano e enfermeiro do rico filósofo, Rubião torna-se seu herdeiro e parte para a Corte, no Rio de Janeiro, para usufruir da nova vida.

    Ironia das relações humanas
    No entanto, sendo o humanitismo "uma ironia das relações humanas", como ensina o crítico literário Ivan Teixeira, "ele acompanha o ingênuo professor de Barbacena por toda a sua aventura na corte, sem que este perceba que está ilustrando, como vítima, o pressuposto básico daquela teoria". Mas vamos ao enredo propriamente dito.

    Pedro Rubião de Alvarenga tornou-se, em Barbacena, enfermeiro e discípulo do filósofo Quincas Borba, que vem a falecer no Rio, na casa de Brás Cubas. Rubião é feito herdeiro universal do filósofo, com a condição de cuidar de seu cachorro, que também se chama Quincas Borba.

    Cristiano, Sofia e outros oportunistas
    Na viagem para o Rio de Janeiro, Rubião conhece o capitalista Cristiano de Almeida Palha com a sua esposa Sofia. Sendo um homem extremamente ingênuo, Rubião vai deixar-se guiar pelo casal na Corte. Instala-se num palacete e passa a frequentar a casa de Cristiano. Logo, apaixona-se por Sofia que lhe dirigia olhares e delicadezas insinuantes.

    Após prestar muitos favores (inclusive financeiros) ao casal, Rubião declara seu amor por Sofia, que, apesar de tê-lo implicitamente seduzido, o recusa e se queixa ao marido. Mas Cristiano não rompe com Rubião, pois pretende lhe tomar o resto da fortuna. Sofia, que até então era usada pelo marido como isca, passa daí por diante a exercer conscientemente esse papel.

    Ao mesmo tempo, outros oportunistas, como o advogado e falso jornalista Camacho, contribuem para o empobrecimento absoluto de Rubião, enquanto o amor por Sofia o leva, gradualmente, à loucura. Abandonado por todos que dele se aproveitaram, o herdeiro retorna para Barbacena com o cão Quincas Borba, tudo que lhe restara da aventura no Rio.

    A sobrevivência do mais forte
    Depois de passar fome e frio, Rubião morre em casa da comadre Angélica, coroando-se Napoleão 3º e pronunciando a máxima do filósofo Quincas Borba, que só agora consegue entender: "Ao vencedor, as batatas". A máxima traduz a ideia da sobrevivência do mais forte, que Rubião só consegue compreender ao chegar ao limite da fraqueza.

    Com ela, Machado de Assis aplica a lei da seleção natural - na época recém-formulada por Darwin - às relações sociais. Na sociedade, assim como na natureza, a luta pela sobrevivência é voraz. Note-se que o narrador de Machado, porém, é solidário à vítima do processo, que procura denunciar.

    Os Lusíadas

    Luís Vaz de Camões
    Episódio
    "Inês de Castro" - III, 118 a
    "O Velho do Restel
    Publicada em 1572, "Os Lusíadas" é a epopeia do povo português. A obra é composta de 10 cantos, repartidos em 1.102 estrofes em oitava-rima (oito versos por estrofe e rima em ABABABCC) e decassílabos hero

    A epopeia camoniana é dividida em três partes: Introdução (proposição, invocação e dedicatória); Narração e Epílogo, tendo como assunto a viagem de Vasco da Gama às Índias.
    A narração tem início quando as caravelas de Vasco da Gama já estão navegando pelo Oceano Índico, portanto, em 
    plena viagem. Os navegantes são supervisionados pelos deuses do Olimpo, que decidem o destino dos navegantes após a realização de um concílio.

    Os portugueses encontram em Vênus uma preciosa aliada e em Baco o mais ferrenho inimigo. Na costa oriental da África, os portugueses aportam em Moçambique e depois em Melinde, cujo rei pede a Vasco da Gama que conte a história do país, motivo dos cantos três e quatro. Dois episódios serão destacados dentro da história de Portugal.

    O primeiro é protagonizado por Inês de Castro, jovem que 
    acompanha D. Constança de Castela, princesa prometida a D. Pedro, filho de Afonso 4º de Portugal. Jovem de rara beleza, Inês atrai a atenção do príncipe herdeiro, que, após a morte da esposa, casa-se secretamente com ela. Afonso 4º, ouvindo conselhos daqueles que viam nela mais uma aventureira a serviço da Espanha, manda matá-la.

    O inconformado D. Pedro, ao assumir o trono português, fez de sua amada a rainha de seu povo, desenterrando-a e coroando-a. Camões obtém um efeito extraordinário ao inserir na epopeia este episódio essencialmente lírco.

    No canto seguinte (IV), Gama prossegue, narrando a história de Portugal desde a dinastia de Avis (D. João I) até a partida da armada para a Índia. Nas últimas estâncias do canto está inserido o episódio de "O Velho 

    Portugal vive uma fase de euforia quando do início das grandes navegações. Em meio à preparação da partida das naus rumo às grandes conquistas surge O Velho do Restelo, representando a oposição entre passado e presente, antigo e novo.

    O Velho chama de vaidosos aqueles que, por cobiça ou ânsia de glória, por audácia ou coragem, se lançam às aventuras ultramarinas. O Velho do Restelo simboliza a preocupação daqueles que anteveem um futuro sombrio para a Pátria


    Primeiras Estória
    Guimarães Rosa

    Obra publicada em 1962, reúne 21 contos. Trata-se do primeiro conjunto de histórias compactas a seguir a linha do conto tradicional, daí o "Primeiras" do título. O escritor acrescenta, logo após, o termo "estória", tomando-o emprestado do inglês, em oposição ao termo história, designando algo mais próximo da invenção, ficção.
    No volume, aborda as diferentes faces do gênero: a psicológica, a fantástica, a autobiográfica, a anedótica, a satírica, vasadas em diferentes tons: o cômico, o trágico, o patético, o lírico, o sarcástico, o erudito, o popular. As estórias captam episódios aparentemente banais. As ocorrências farejadas através dos protagonistas transformam-se de uma espécie de milagre que surge do nada, do que não se vê, como diz o próprio Guimarães Rosa: "Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo". Este milagre pode ser, então, responsável pela poesia extraída dos fatos mais corriqueiros, pela beleza de pensar no cotidiano e não apenas vivê-lo, pelo amor que se pode ter pelas coisas da terra, pelo homem simples, pelo mistério da vida. Dos "causos" narrados brotam encanto e magia frutos da sensibilidade de um poeta deslumbrado com a paisagem natural e/ou recriada de Minas Gerais.

    Sargento Getúlio
    João Ubaldo Ribeiro

    Sargento Getúlio é encarregado de levar um prisioneiro até Aracaju. Ocorre uma reviravolta política, e ele recebe a ordem de abortar a missão. Matador profissional que preza a palavra acima de tudo, Getúlio decide seguir adiante. O enredo é inspirado num episódio ocorrido na infância do escritor: um sargento, que recebera 17 tiros num atentado na Bahia, foi conduzido com vida pelo pai de Ribeiro até Aracaju.

    Síntese
    Sargento Getúlio é um daqueles sujeitos que transformaram o sentido da vida na obediência às ordens alheias, no cumprimento do dever, na fidelidade a coronéis do sertão e aos chefes locais. Famoso por sua ferocidade e bravura, Getúlio foi destacado para prender um "subversivo" em Paulo Afonso e transportá-lo para Aracaju. A caminho da capital sergipana, uma reviravolta na política do Estado faz com que a missão seja abortada: o preso deve ser libertado e Getúlio - melhor sumir por uns tempo

    Como se obedecesse a um imperativo categórico, o sargento se insurge diante da contraordem e insiste em levar o prisioneiro ao seu destino, cumprindo assim a tarefa que lhe fora designada. Para tanto, terá que enfrentar as autoridades militares, embrenhando-se nos matos e - como um velho cangaceiro - terminando por cortar a cabeça de um oficia
    Sem saber a quem obedecer, desconfiado de todos, Getúlio pela primeira vez afirma a sua vontade contra as ordens recebidas, nem que para isso seja necessário morrer. Sua violência agora não está mais a serviço de ninguém, apenas de sua própria sobrevivência.
    Neste belo romance, João Ubaldo Ribeiro acompanha o nascimento da consciência individual em um homem que sempre fora um pau-mandado, mero cumpridor de deveres de um sistema em que prevalece a justiça dos mais fortes, cujas leis nem sempre são claras.

    Sidarta

    Hermann Hesse


    O livro narra a busca de Sidarta pela iluminação na Índia. Educado, bonito, filho de um homem rico, ele procura a luz com os Samanas, que vivem para pensar, esperar e jejuar. Descobre Buda, mas não aceita sua doutrina. É iniciado nos jogos do amor por uma cortesã, mas só encontra a decadência e decide abandonar tudo. Torna-se então balseiro num rio junto ao sábio Vasudeva e só então conhece a redenção.

    Síntese

    As histórias de Sidarta e de Buda se confundem. Nascido na Índia, no século 6º a.C., filho da aristocracia religiosa dos brâmanes, Sidarta passa a infância e a juventude isolado das misérias do mundo, gozando a existência calma e contemplativa que sua condição de casta lhe permitia. A certa altura, porém, abdica da vida luxuosa, protegida, e parte em peregrinação pelo país, onde a pobreza e o sofrimento eram regra

    Em sua longa parábola existencial, Sidarta experimenta de tudo, usufruindo tanto as maravilhas do sexo e da carne quanto a ascese e o jejum absolutos. Entre os intensos prazeres e as privações extremas, termina por descobrir "o caminho do meio", libertando-se dos apelos dos sentidos e encontrando a senda da iluminação interior.

    Este romance do alemão Hermann Hesse tornou-se livro de cabeceira de várias gerações, principalmente durante os anos 1960 e 1970, quando os beatniks e mais tarde os hippies o elegeram como libelo contra o American way of life, que ia tomando conta do Ocidente. A própria busca de Hesse pelas filosofias orientais já expressava essa recusa por uma cultura recém-saída do massacre da Primeira Guerra Mundial - e prestes a enfrentar outra carnificina ainda pior.

    São Bernardo

    Graciliano Ramos

    Com a publicação de São Bernardo (1934), Angústia (1936) e Vidas Secas (1938), Graciliano Ramos tornou-se, na opinião de muitos críticos, o grande ficcionista da década de 30 e um dos maiores de toda a literatura brasileira.

    Tal reconhecimento resulta não apenas do fato de ele ter denunciado, de modo mais contundente que outros de sua geração, a miséria e a violência do Nordeste e da realidade brasileira, mas também do fato de ele ter sabido incorporar esse universo, com originalidade, ao próprio estilo de sua narrativa.

    A prosa de Graciliano Ramos reproduz algumas qualidades do próprio universo que ele critica, de onde o seu estilo "seco", "rude" e "tenso", onde não parece haver lugar para qualquer frouxidão ou romantismo.

    São Bernardo é narrado em primeira pessoa e compõe em tom confessional o retrato de Paulo Honório, um fazendeiro inculto e embrutecido, amargo e solitário que, aos 50 anos e diante de uma vida estagnada, decide escrever sua autobiografia.

    Paulo tenta, a princípio, obter a ajuda de amigos que conheçam melhor a arte da escrita, mas o desentendimento quanto ao tom e ao estilo o levam a assumir a narrativa. Sua intenção não é a de compor um elogio ou um retrato favorável a si mesmo, mas a de repassar e entender a própria vida, buscando o sentido de uma existência frustrada, que se revela vazia após o suicídio de sua jovem esposa, Madalena.

    De origem humilde, Paulo Honório foi um homem enérgico e empreendedor, que orientou a vida para conquistas, obtidas - como a fazenda "São Bernardo" - muitas vezes com manobras inescrupulosas. Sua trajetória de ascensão social foi a de um lutador que sobreviveu ao sertão e soube se servir de "bons negócios". Foi também como "bom negócio" que ele viu seu casamento com Madalena, professora pobre e idealista, "mulher instruída" capaz de lhe dar um bom herdeiro.

    Porém, o espírito benévolo da esposa, sempre solidária com os empregados da fazenda, choca-se frontalmente com os métodos brutais do marido, que chega a suspeitá-la de "comunista", "subversiva" e "adúltera". O filho que tem recebe por fim o desamor do pai.

    Mais do que uma obra de denúncia social, São Bernardo é um grande romance sobre a dúvida e o ciúme, que se filia diretamente ao Dom Casmurro de Machado de Assis. Assim, deve-se ler a ruína da relação de Paulo Honório e Madalena tendo-se em mente Bentinho e Capitu. É na aproximação com a obra do mestre que se avalia melhor o gênio e os limites de Graciliano.

    São Bernardo é certamente um grande romance, mas peca por possuir um narrador pouco verossímil: a consciência limitada e angustiada de Paulo Honório, que busca em vão compreender o seu drama com Madalena, não se casa bem com a escrita culta e refinada de Ramos.


    Ubirajara
    José de Alencar

    Ao lado de O Guarani e IracemaUbirajara é um dos romances indianistas de José de Alencar, último escrito nesse gênero.

    Induzido pela vontade de resgatar a nossa nacionalidade, o índio vem a ser a base da formação do povo brasileiro, segundo o nacionalismo romântico. Nesse sentido, reconstruir a imagem do índio é fundamental para alicerçar o espírito de brasilidade.

    O escritor defende o índio bem como sua cultura original, procurando reforçar os pontos que os diferenciam do modo de vida dos europeus. Resgata-lhes valores maiores como a lealdade, a fidelidade, a bravura, o destemor e a valentia, desculpando-lhes casos de poligamia como parte da própria cultura indígena. Culpa os "intrusos" pelas consequências do processo de aculturação do índio brasileiro, pela perda de sua identidade cultural. Sem dúvida, Alencar dedicou boa parte de suas últimas leituras ao resgate dos valores autenticamente indígenas e, nesse sentido, Ubirajara reflete os valores defendidos pelo escritor.

    A narrativa centra-se em Jaguarê, jovem caçador, que não poupa esforços para ser reconhecido como guerreiro. Em combate com o grande guerreiro Pojucã, Jaguarê vence e é reconhecido como o grande herói, passando a ser chamado de Ubirajara, o senhor da terra, aquele que é capaz de cumprir sua missão como chefe da tribo dos araguaias. Encontra-se na floresta com Araci, estrela do dia, bela virgem tocantim, filha do chefe Itaquê. Ubirajara é recebido pelos tocantins e, como pretende desposar a jovem Araci, deve enfrentar outros pretendentes.

    Alencar relata a luta contra os tapuias, a união dos povos araguaia e tocantim sob a liderança de Ubirajara. Nasce assim essa nação indígena que habitava as cabeceiras do Rio São Francisco antes de os portugueses aqui ancorarem.

    Viagem

    Cecília Meireles

    Cecilia Meireles, em óleo de Vieira da Silva


    "Viagem" (1937) é o primeiro livro que a própria Cecília Meireles levou a sério. Os anteriores: "Espectros" (1919), "Nunca Mais..." (1923), "Poemas dos Poemas" (1923) e "Baladas para El-Rei" (1925), a própria autora retirou da primeira reunião de sua "Obra Poética", publicada pela Aguilar, em 1958.

    Não se sabe bem o porquê, mas os críticos deduzem que talvez tenha sido para se desvincular do grupo católico ao qual estava ligada e com quem colaborou por muitos anos e também para se afastar do Simbolismo, forte característica do início de sua produção e tão ao gosto do grupo da revista "Festa", editada por Tasso da Silveira e Andrade Murici, em que Cecília Meireles publicou seus primeiros poemas.

    Projeto de modernismo

    É possível perceber que os poemas de "Viagem", que cobrem o período de 1929 a 1937, são um projeto empenhado da autora, que buscava fazer poesia de qualidade, vinculada à tradição literária e ao modernismo brasileiro. Com o livro, Meireles ganhou, em 1938, o prêmio da Academia Brasileira de Letras, causando críticas mordazes, principalmente de Mário de Andrade (em artigo que se encontra na coletânea "O Empalhador de Passarinho"), por ela ter se curvado à "perniciosa e pouco fecunda" ABL.
    Todavia, o crítico paulista acaba elogiando a "força criadora" da poetisa e diz que a Academia é quem foi premiada ao conceder o prêmio a Cecília Meireles. Andrade considera que "com Viagem ela se firma entre os maiores poetas nacionais".

    Epigramas
    "Viagem" é composta de 99 poemas, dentre os quais 13 são epigramas, que é um tipo de poema curto, nascido na Antiguidade Clássica, mordaz, picante ou satírico. Com eles, Meireles trata da felicidade, da poesia, do amor e até da morte, aproveitando menos a sátira e mais a mordacidade. Os epigramas, à medida que vão surgindo, costuram e dão unidade à obra.

    Epigrama nº 1, que abre o livro, trata da própria poesia, "uma sonora ou silenciosa canção/flor do espírito, desinteressada e efêmera". Arremata afirmando que a poesia embeleza o mundo, ainda que isso seja inútil. Cecília fecha o livro com o Epigrama nº 13, mostrando quem passou pelos caminhos: "reis coroados de ouro,/e heróis coroados de louro,[...] os santos, cobertos de espinhos", e por fim, "Os poetas, cingidos de cardos". O amarelo-ouro e os espinhos da referida flor concentram as homenagens anteriores, deste modo, parecem exaltar a importância dos poetas.

    Produção variada
    Os demais poemas apresentam variação tanto nos temas como nas formas. Aparecem versos livres, metrificados e também rimados. A poetisa procura, inclusive, se aproximar da cultura popular, como faziam os Modernistas de 22, visto que há poemas intitulados RimanceQuadrasFeitiçariaCantiga,CançãoCantiguinha etc.

    Os temas são ecléticos e por vezes bem simples, elevados pela reflexão quase silenciosa da autora, como: GriloPraiaHoróscopoRealejo, entre outros. Também aparecem na obra poemas sobre a incompreensão humana e sobre o tema clássico da tradição literária: a brevidade da vida.

    Talvez isso tenha a ver com própria autora, visto que conviveu com perdas desde cedo. Seu pai morreu antes de seu nascimento e sua mãe quando ela tinha apenas três anos.

    Mar, música e cores
    É também muito clara a intenção da poetisa em tratar de música, luzes e cores, por meio da natureza, aguçando a visão e a audição do leitor para aquilo que o eu lírico vê e ouve. O mar é seu tema predileto, por onde se viaja quase que o tempo todo. E a música está em praticamente todos os poemas, tanto em cantos, como em sons da natureza, como na própria sonoridade da sua poesia.

    Os dois livros seguintes da autora - "Vaga Música" e "Mar Absoluto" -, bem como outros poemas, parecem não só ampliar, mas também detalhar o trabalho de "Viagem".

    Uma estrofe de Motivo, segundo poema do livro "Viagem", resume um pouco o que há na obra: "Eu canto porque o instante existe/e a minha vida está completa./Não sou alegre nem sou triste:/sou poeta".


    http://simonnemachado.blogspot.com.br/


    Professora  Psicopedagoga Simonne Machado





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